UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO Bernadete Maria Dalmolin Reitora Edison Alencar Casagranda Pró-Reitor Acadêmico Antônio Thomé Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional afiliada à Associação Brasileira das Editoras Universitárias Campus I, BR 285, Km 292,7, Bairro São José 99052-900, Passo Fundo, RS, Brasil Telefone: (54) 3316-8374 UPF Editora Editor Adriano Pasqualotti Revisão Cristina Azevedo da Silva Programação visual Rubia Bedin Rizzi Conselho Editorial Adriano Pasqualotti Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla) Ana Carolina Bertoletti De Marchi (UPF) Andrea Oltramari (Ufrgs) Carlos Ricardo Rossetto (Univali) Edison Alencar Casagranda (UPF) Fernando Rosado Spilki (Feevale) Gionara Tauchen (Furg) Héctor Ruiz (Uadec) Helen Treichel (UFFS) Jaime Morelles Vázquez (Ucol) Janaína Rigo Santin (UPF) José C. Otero Gutierrez (UAH) Luís Francisco Fianco Dias (UPF) Luiz Marcelo Darroz (UPF) Sandra Hartz (Ufrgs) Copyright do organizador Cristina Azevedo da Silva Revisão Rubia Bedin Rizzi Projeto gráfico, diagramação e produção da capa Cinthia Zorgi Arte da capa Este livro, no todo ou em parte, conforme determinação legal, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização expressa e por escrito dos autores. A exatidão das informações e dos conceitos e as opiniões emitidas, bem como o uso das imagens, são de exclusiva responsabilidade dos autores. CIP ? Dados Internacionais de Catalogação na Publicação _______________________________________________________________ V475 Veranópolis, 125 anos de história [recurso eletrônico] : tempo, território e cultura / Bernardo Luchini Bisatto, organizador. ? Passo Fundo: EDIUPF, 2024. 51.000 kB ; PDF. Inclui bibliografia. Modo de acesso gratuito: www.upf.br/upfeditora. ISBN 978-65-5607-072-8. 1. Veranópolis (RS) - História. 2. Cultura. 3. Indústrias. 4. Migração. 5. Política econômica. I. Bisatto, Bernardo Luchini, org. CDU: 981.65 _______________________________________________________________ Bibliotecário responsável Jucelei Rodrigues Domingues - CRB10/1569 2024 Bernardo Luchini Bisatto Organizador MADEIRAS BIOMASSABINS A produção desta obra foi viabilizada com financiamento do PRÓ-CULTURA, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Lei n. 13.490/2010. ApoioRealização Patrocínio A Associação dos Amigos do Arquivo Público Municipal de Veranópolis (Associarqui) recebeu com muito orgulho a responsabilidade de ser a proponente deste livro, que vai além de simplesmente registrar a história de Veranópolis. Esta oobra traz à luz informações que não se encontram em nenhum outro material impressompresso, enriquecendo ainda mais o patrimônio cultural e histórico da nossa cidade. Fundadada com o propósito de auxiliar na gestão e preservação do patrimônio documental de Veranónópoliolis, a Associarqui atua também como um órgão dedicado ao fomento da cultura e aoe ao desedesenvolvimento científico e tecnológico. Além disso, a associação é incentivadora e idealizadora de projetos que buscam valorizar a história de Veranópolis e de seu povo, em toda a sua diversidade de origens e costumes. Este trabalho não teria sido possível sem a colaboração dos integrantes da Associarqui e, sobretudo, sem resposta imediata da comunidade. Agradecemos profundamente aos órgãos públicos e privados que, com suas manifestações de apoio e anuência, viabilizaram a aprovação do projeto. São eles: Prefeitura Municipal de Veranópolis, Câmara Municipal de Vereadores de Veranópolis, Conselho Municipal de Política Cultural e do Patrimônio Histórico e Cultural de Veranópolis; Associação Musical de Veranópolis; Associação do Artesão de Veranópolis (Arteve); Centro Cultural de Veranópolis; Associação dos Amigos da Biblioteca Pública Mansueto Bernardi; Núcleo da Braspol de Veranópolis; Academia Veranense de Assistência em Educação e Cultura (Avaec); CTG Rincão da Roça Reúna; e Associação dos Amigos da Casa da Cultura Frei Rovílio Costa. ~ I ~ Prefácio Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 6 | Agradecemos também às empresas patrocinadoras: Comercial Vetra Ltda.; E. R. Amantino Indústria Metalúrgica Ltda.; Global Microfusão Ltda.; Madesozo Ltda.; Metalúrgica Golden Arts Ltda.; Polibra Indústria e Comércio de Materiais de Polimento Ltda.; e Union Distillery Maltwhisky do Brasil Ltda. Por fim, mas não menos importante, expressamos nosso eterno reconhecimento aos membros da Associarqui, especialmente representados pela diretoria da gestão 2023/2025, composta por: Márcio Francisco Primieri ? Presidente; Carlos Alberto Spanhol Filho ? Vice-Presidente; Emerson Roni Sartori ? Primeiro Secretário; Gilmar Valente ? Segundo Secretário; Cassiano Marin ? Primeiro Tesoureiro; Flávia Zardo ? Segunda Tesoureira; Luiz Antônio Gregol, Milton Olivo Broetto, Lili Fogali Sala, Jair Bés e Natália Zardo ? Conselheiros Fiscais. Márcio Francisco Primieri Presidente da Associarqui ~ II ~ A o partir da premissa de que a preservação da história se fundamenta no resgate da memória cultural de um povo, garantindo que no futuro todos possam tter acesso ao conhecimento, surgiu, durante a comemoemoração dos 125 anos do município de Veranópolis, a ideia de cristalizar todos estes momentos em um livro. Váriasas forças vivas da comunidade uniram-se sob a coordenaçãonação da Assoda Associação dos Amigos do Arquivo Público Municipal de Veranópolis (Associarqui), lideradas pelo seu presidente, Sr. Márcio Francisco Primieri, cujos nomes estão registrados no prefácio desta obra. A Prefeitura Municipal de Veranópolis, por meio da Secretaria Municipal de Turismo e Cultura, desempenhou um papel crucial na proposição do projeto e na angariação dos recursos financeiros necessários através da Lei de Incentivo à Cultura do Estado do Rio Grande do Sul. Com a aprovação e a captação dos valores bem-sucedidas, iniciou-se o processo que culmina agora na entrega desta importante obra à comunidade veranense e à região. Trata-se de um trabalho com muitas pessoas envolvidas, mas registra-se um agradecimento especial ao Bernardo Luchini Bisatto, que foi o seu organizador. A cultura, a história e as pessoas inseridas neste contexto foram resgatadas e imortalizadas em um livro único. Estamos contemplando o presente e vislumbrando o que podemos ser no futuro. Muito obrigado a todos. Waldemar De Carli Prefeito de Veranópolis, 2024 ~ III ~ O livro Veranópolis, 125 anos de história é um marco significativo, não apenas para os munícipes, mas para todos que desejam conhecer mais sobre as origens e memórias daqueles que acreditaram, viveram e iveram e investiram em um lugar onde construíram suas histórias. Para a Union Distillery, que foi convidada a colaborar com este projeto, assim como para todos os demais patrocinadores, é motivo de grande satisfação participar não apenas no aspecto financeiro, mas também na preservação do legado escrito de todos que, de uma forma ou de outra, colaboraram para a construção de uma cidade bela e cada vez mais pujante, onde se vive mais e melhor. Não é por acaso que Veranópolis é conhecida como a Terra da Longevidade, uma cidade que encanta todos que a visitam, seja por suas belezas naturais ou pelos hábitos e culturas de seus cidadãos. Essas culturas, em grande parte trazidas por imigrantes europeus, encontraram em Veranópolis uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento. Estar presente nesta obra é para nós uma grande honra e alegria, pois deixamos marcas para as futuras gerações, que ao conhecerem suas origens, entenderão por que Veranópolis é um lugar tão especial para se viver. Preservar e valorizar os elementos culturais de um povo é manter viva sua identidade! Luciano Sergio Borsato Empresário Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 11 A proposta de produzir um livro comemorativo aos 125 anos de Veranópolis surgiu ainda em 2022, nno ano que precedeu esse iimportantertante marco para o munícipio. Fruto de uma parceceria estabelecida entre a Prefeitura Municipalal de Veranópolis, por meio da SecretarSecretaria de Turismo e Cultura, e a Associação dos Amigos do Arquivo Público Municipal de Veranópolis (Associarqui), nasceu o ?Projeto Veranópolis 125 Anos de História?. Esse projeto cultural teve como objetivo a captação de recursos por meio da Lei de Incentivo à Cultura do Rio Grande do Sul. Assim, ao ler esta obra, lembre-se: ela foi feita por muitas mãos! Este é um livro produzido junto às pessoas e para as pessoas! O objetivo principal foi valorizar os cidadãos e suas experiências de vida, utilizando a oralidade como fonte. Para isso, foram realizadas 84 entrevistas, envolvendo 106 pessoas de diferentes nacionalidades, etnias, profissões, religiões e classes sociais, todas agora parte do acervo do Arquivo Público Municipal de Veranópolis. Além das histórias de vida, outras fontes foram utilizadas, como fotografias, periódicos, propagandas, discursos, documentos oficiais e correspondências, em sua maioria preservados nos acervos das duas principais instituições de memória do município: o Arquivo Público Municipal de Veranópolis e o Museu Municipal de Veranópolis (Mumver). Também foram valorizadas produções bibliográficas, artigos e trabalhos acadêmicos de diversos autores que se dedicaram à escrita da história local e regional. Por fim, a edição deste livro buscou atender às demandas de ações afirmativas de inclusão sociocultural, promoção da alteridade e afirmação das diversidades, dando voz a grupos minoritários ou historicamente esquecidos. Sem a pretensão de encerrar as discussões sobre a história de Veranópolis, esperamos que esta obra inspire tantas outras quantas forem possíveis. Boa leitura! Bernardo Luchini Bisatto Organizador Apresentação Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 12 | 5 Prefácio 11 Apresentação 15 Veranópolis: presenças, culturas e tradições indígenas Valéria Pedron 39 Veranópolis: territórios, culturas políticas e relações de poder Bernardo Luchini Bisatto 77 Veranópolis: migrações, culturas e diversidade étnica Anthony Beux Tessari 111 Veranópolis: um olhar para a história da indústria Anthony Beux Tessari SUMÁRIO Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 13 143 Veranópolis: educação, ensino e culturas escolares Eliana Gasparini Xerri 177 Veranópolis: terra de muitas gentes, terra de muitas crenças Bernardo Luchini Bisatto 207 Veranópolis: o turismo em movimento Itamar Ferretto Comarú 245 Entrevistas realizadas no Projeto Veranópolis 125 anos de História 253 Referências 263 Sobre os autores presenças, culturas e tradições indígenas 1 Valéria Pedron 1 Destaca-se que o presente texto é uma adaptação da dissertação da autora, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Humanidades, Ciências, Educação e Criatividade da Universidade de Passo Fundo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre em História, sob a orientação da Profa. Dra. Jacqueline Ahlert. Veranópolis Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 17 N as últimas décadas, os estudos históricos passaram a dar maior importância aos vestígios deixados pelas sociedades humanas no período que antecedeu a colonização europeia. No Rio Grande do Sul, por exemplo, já foram realizadas pesquisas em diversas localidades com o objetivo de estabelecer um parâmetro acerca dos grupos étnicos que exploraram as diferentes paisagens ao longo do tempo, adaptando-se aos ambientes que formam a Região Sul do Brasil e manejando-os conforme suas necessidades. Em meio a esse cenário, destaca-se o território que, em meados de 1880, passou a ser denominado Colônia Alfredo Chaves, uma região que deu origem a diversos municípios posteriormente, cujas trajetórias ocupacionais criaram uma vasta tapeçaria de diversidade cultural e étnica. Embora as características do ambiente possam exercer grande influência no estabelecimento de determinadas sociedades, isso não deve ser analisado como um parâmetro determinante. O discurso recorrente para a região, especialmente em Veranópolis, sugere que o território foi preferencialmente ocupado por povos associados à Tradição Taquara (indígenas Kaingang). Porém, os fragmentos de cerâmica e artefatos líticos encontrados indicam que outros povos também souberam explorar e se adaptar ao ambiente que hoje conforma Veranópolis. Como exemplo, observamos indícios das Tradições Umbu e Humaitá, povos que ocuparam o Rio Grande do Sul anteriormente às Tradições Taquara e Tupiguarani. Ao refletir sobre a história da formação do que hoje chamamos de América Latina, Galeano (2010, p. 4) questiona se ?o passado é mudo? Ou continuamos sendo surdos??. Quando se trata de um passado ao qual grande parte da sociedade não se sente pertencente, inevitavelmente, essa mesma sociedade tende a não ouvir. No caso dos povos que ocuparam o Brasil no período que antecedeu a colonização europeia, é comum interpretar esses indivíduos sob uma única categoria de análise, como se todos fossem iguais, ignorando assim a diversidade de seus contextos sociais, étnicos, organizacionais, políticos, econômicos e culturais. Esses silenciamentos contribuem para o apagamento dessas histórias. E a ideia de apagar o indígena possui um sentido político, cultural e histórico, em que a negação de sua presença visa legitimar e, de certa forma, consolidar de vez a conquista territorial. As raízes desses apagamentos podem ser evidenciadas a partir de 1870, período em que o Brasil foi marcado por uma intensa onda imigratória, resultado das situações que o país enfrentava no momento: o fim da escravidão, questões territoriais e uma população de negros e indígenas muito Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 18 | Não temos datações exatas acerca do povoamento na localidade em estudo que permitam estabelecer com precisão o início e o término desse processo. Por isso, com base em pesquisas já realizadas, nos achados arqueológicos e nas características presentes em suas confecções, tentaremos estabelecer uma cronologia aproximada, considerando o contexto geral da ocupação humana no Rio Grande do Sul. Com as diversas informações coletadas e analisadas, sabemos que a presença humana na localidade em estudo remete à fase inicial do Período Holocênico, quando destacamos a presença de povos caçadores-coletores nômades, seguidos por ceramistas e horticultores que dominaram o território até a chegada dos europeus e seu estabelecimento permanente. Temporalidade e espacialidade: as sociedades pré-coloniais no Rio Grande do Sul Examinar o ser humano e as relações que desenvolveu com a natureza é imprescindível para compreender a consolidação de ambos. As matas que conhecemos hoje não devem ser compreendidas como um fenômeno dado essencialmente pela natureza, de forma separada do ser humano, pois elas só existem em função do comportamento das sociedades em constante movimento e migração pelo espaço. As relações entre ser humano e espaço foram responsáveis pela construção das paisagens, ou seja, as matas não são uma dádiva natural, mas sim resultado de transições e manejos das sociedades. De tal forma, as paisagens devem ser compreendidas como fruto das relações desenvolvidas entre ser humano, lugar, mundo e tempo. superior à de brancos. Uma estratégia adotada pelo governo brasileiro foi incentivar a vinda de imigrantes que, entre outros fatores, favoreceriam a economia, ?branqueariam? o país e ocupariam áreas consideradas devolutas, evitando a perda do território para indígenas, caboclos e outros ?invasores?. Essa foi, de certa forma, uma decisão geopolítica que também tinha como estratégia a consolidação de fronteiras. Assim, no caso dos indígenas, desconsiderar sua existência e empurrá-los para fora das suas terras para abrir espaço ao imigrante foi uma tática para reafirmar e dominar o território. Assim como em tantas outras localidades, o município de Veranópolis e sua região fazem parte do processo de formação das novas colônias de povoamento de imigrantes, a grande maioria delas fundadas em fins do século XIX. A imigração foi avançando lentamente sobre os territórios indígenas. Muitos desses imigrantes não encontraram os antigos habitantes, apenas sinais de sua presença, como artefatos líticos, cerâmicos e suas habitações. Outros, no entanto, confrontaram-se diretamente com indígenas e desenvolveram o que a história denomina de ?fricções interétnicas?. Após a segunda metade do século XIX, os indígenas que habitavam a região passaram a vivenciar uma experiência que alterou drasticamente sua realidade: a chegada do imigrante europeu. Naquele momento, os imigrantes acreditavam que encontrariam terras vazias, sem habitantes que pudessem interferir em sua ?colonização?. Todavia, não foi o que aconteceu. Os Kaingang, assim como os Guarani, foram levados ao convívio com essa nova sociedade, o que demandou grande esforço para permanecerem em suas terras e sobreviverem à nova realidade do ?processo civilizador?, marcado por intensas violências. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 19 Movimentos migratórios no Rio Grande do Sul ? autoria de Adriana Tazima (Copé, 2013, p. 17) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 20 | Dados e pesquisas históricos e arqueológicos relatam que os primeiros hominídeos surgiram durante a época do Plioceno 2 . No entanto, foi apenas na transição do Pleistoceno 3 para o início do Holocênico 4 , na escala de tempo geológico, que se marcam a chegada e o estabelecimento dos primeiros grupos humanos no Rio Grande do Sul. Foi durante o Holocênico, que é a época do Período Quaternário 5 da Era Cenozoica 6 , que aconteceram grandes mudanças na fauna e na flora, favorecendo a reafirmação humana no território devido ao aumento notável da temperatura. Antes de tratarmos diretamente dos grupos humanos que habitaram o território do Rio Grande do Sul, cabe realizar uma breve explicação do conceito de Tradição que é utilizado neste texto para identificar esses grupos. Por Tradição entende- se um método de confeccionar artefatos, sejam eles líticos ou cerâmicos, de construção de habitações, técnicas decorativas 2 Plioceno é considerado como a última época do antigo Período Terciário da Era Cenozoica. A denominação foi criada por Charles Lyell, com base nos termos gregos pleion, que significa mais, e xaeno, que significa novo (mais novo), para se referir aos fósseis de animais essencialmente modernos dessa época. 3 Pleistoceno abrange o período recente no mundo de glaciações repetidas. A origem provém do grego: pleistos, que significa bastante mais, e kainos, que significa novo (bastante mais novo). 4 O Holoceno é identificado como o período quente atual. A denominação é oriunda do grego: holos, que significa todo/inteiro, e kainos, que significa novo (todo/inteiro novo). 5 As características mais marcantes do Período Quaternário da Era Cenozoica foram as glaciações e o aparecimento do homem. É o mais novo dos onze períodos da história da Terra. 6 Também chamada de Era dos Mamíferos, iniciou há aproximadamente 65,5 milhões de anos e vai até a atualidade. O termo provém do grego: zoe, que significa vida, e kainos, que significa nova (vida nova). empregadas nos vasos cerâmicos e até tipologias de espaço escolhidas pelos grupos para o estabelecimento de moradias. Uma Tradição é dividida em Subtradições, ou seja, dentro dela existem vários grupos que compartilham técnicas semelhantes, mas que se diferenciam devido a pequenas variações regionais. Essas variações apontam para transformações refletidas no estilo, na matéria-prima, na técnica de representação e até em aspectos linguísticos, resultantes de constantes movimentações e adaptações dos grupos. As Tradições demarcam um longo período temporal da história humana e, devido a isso, devem ser divididas em Fases, que correspondem a períodos mais curtos. A duração de uma Fase não pode ser tão longa, pois isso poderia confundi-la com uma Tradição, que possui uma maior durabilidade. Depois de gerações de processos migratórios advindos do Norte ao Sul do Continente Americano, os dados históricos e arqueológicos apontam que os primeiros grupos humanos caçadores e coletores a se estabelecerem no Rio Grande do Sul foram os povos da Tradição Umbu. Esses povos utilizavam como moradias abrigos rochosos (cavernas) para refúgio de animais, da chuva e do frio rigoroso. Além desses abrigos, os povos da Tradição Umbu também se encontravam em sítios a céu aberto, em pequenos vales na borda do planalto, onde as matas podiam oferecer grande parte da dieta alimentar, e, posteriormente, em cerritos. Eram caçadores-coletores que se moviam constantemente pelo território em busca de disponibilidade e abundância de recursos que auxiliariam na sobrevivência do grupo. Os principais artefatos confeccionados pela Tradição Umbu através das técnicas de lascamento são especialmente as pontas Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 21 de projéteis, como flechas, lanças, furadores, raspadores, pré-formas bifaciais e facas. Com técnicas de polimento, eles produziam boleadeiras, mãos-de-mós, lâminas de machado, entre outros (Alves, 2008, p. 67-68). A matéria-prima utilizada provinha majoritariamente de seixos recolhidos nas margens dos Indústria lítica da Tradição Umbu (Schmitz, 2006, p. 28) rios ou arroios próximos aos assentamentos e era trabalhada através de polimento, picoteamento ou lascamento. Além dos seixos, os grupos também utilizavam quartzo, arenito, calcedônia, basalto, diorito e muitas outras rochas, dependendo da finalidade que teria o artefato a ser confeccionado. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 22 | A Tradição Humaitá é outro grupo étnico de caçadores e coletores que ocupou o Rio Grande do Sul simultaneamente à Tradição Umbu. Os povos de Tradição Humaitá utilizavam as matas como moradia, ocupando áreas do Sul do Brasil, bem como partes da Argentina e do Paraguai (Schmitz, 2006, p. 19). Embora muitos autores considerem que as Tradições Umbu e Humaitá seriam apenas uma, com pequenas variações, a principal diferença relaciona-se aos artefatos líticos. Esses artefatos eram caracterizados por instrumentos de pedra maciça, como blocos ou seixos, que, através das técnicas de lascamento, originavam peças grandes e pesadas, incluindo bifaciais e de formas variadas, como bumerangoides, choppers alongados, machados alongados, plainas, raspadores e também lascas retocadas (Kolling, 2020, p. 17). A indústria lítica Humaitá é marcada pela utilização de matérias-primas que estavam dispostas próximas às habitações, como blocos de tamanhos médios a extragrandes. Na atualidade, muitos pesquisadores apontam que a Tradição Humaitá não representaria uma ?Tradição cultural?, mas sim uma técnica ou um modo de produção de artefatos usados especialmente na exploração de áreas de mata, seja para corte ou manuseio do solo. Isso ocorre porque os artefatos da Tradição Humaitá são semelhantes a muitos materiais identificados em sítios arqueológicos pertencentes a outros grupos étnicos. Indústria lítica da Tradição Humaitá (Schmitz, 2006, p. 29) cultura Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 23 A Tradição Sambaquiana representa outro modo de vida de caçadores, pescadores e coletores que também marcou o litoral do Rio Grande do Sul durante esse período. Sua principal característica era a grande exploração da coleta de alimentos provenientes do mar, especialmente por meio da pesca. Schmitz (2006, p. 21) descreve os sítios arqueológicos dessa Tradição como acúmulos de: [...] conchas, ossos de peixes e outros resíduos de atividade humana, resultantes da ocupação do litoral marítimo por bandos especializados em sua exploração. São os resíduos mais volumosos produzidos por qualquer população pré-histórica brasileira. Os artefatos líticos produzidos por essa Tradição eram planejados tendo em vista a dieta alimentar do grupo, adaptados para remover escamas e espinhos, abrir conchas e extrair moluscos, entre outras funções. Esses grupos humanos viveram [...] entre 6.000 AP [antes do presente] e o primeiro milênio da era Cristã, ocupando uma vasta faixa entre o mar e a Serra do Mar, que se estendia do Rio Grande do Sul ao estado da Bahia (Rodrigues; Pires, 2017, p. 4). A prosperidade da Tradição Sambaquiana deve-se à vasta disponibilidade de alimentos e ao clima favorável, fatores que diminuíam drasticamente a mobilidade do grupo. Indústria lítica da Tradição Sambaquiana (Mergen e Schmitz, 2016, p. 167) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura| 23 Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 24 | Gradativamente, outros grupos humanos pré-coloniais começaram a penetrar no Sul do Brasil, desenvolvendo estruturas próprias, aperfeiçoando e criando novas tecnologias de acordo com suas necessidades. A fim de facilitar a adaptação na localidade, esses grupos desenvolveram a agricultura e exploraram com maestria a fauna e a flora locais. Dias (2004, p. 40) afirma que os grupos humanos: [...] tiveram o hábito de se fixarem em locais propícios à sua sobrevivência. Alguns grupos escolheram áreas montanhosas; outros, os vales dos grandes rios ou as planícies, con- forme os costumes característicos de cada cultura 7 . Após a ocupação dos grupos das Tradições Umbu, Humaitá e Sambaquiana, o Rio Grande do Sul passou a receber nova ocupação: os povos das Tradições Taquara e Tupiguarani. Essa nova ocupação fez com que todo o panorama populacional e cultural do território se modificasse, visto que esses grupos introduziram elementos inovadores, como a agricultura e o uso da cerâmica. Nos dias de hoje, a Tradição Taquara é conhecida por dois grupos principais: os Kaingang e os Xokleng. Além da cerâmica e da edificação de habitações, a língua é um fator característico 7 Como nosso objeto de análise é a ocupação humana em Veranópolis, não cabe fazer uma análise aprofundada acerca dos outros grupos étnicos que habitaram o Rio Grande do Sul, como os pampeanos, charruas, minuanos, guenoas, etc. que possibilita a identificação étnica humana. Os grupos da Tradição Taquara falam a língua Jê, cuja matriz cultural é a Macro-Jê. Esses grupos migraram do Centro-Oeste brasileiro em direção ao Sul. Originalmente, os horticultores Proto-Jê encontravam-se estabelecidos nas bacias hidrográficas de alguns dos rios de São Paulo e foram rumando para o Paraná, costeando as bacias dos rios Tibagi, Ivaí, Piquiri e Iguaçu, seguindo entre os rios Iguaçu e Uruguai, em Santa Catarina. Eles passaram pelas bacias dos rios Peperi-Guaçu e Santo Antônio, em Misiones, na Argentina, até chegarem nos territórios das bacias hidrográficas do Lago Guaíba e dos rios Jacuí, Sinos, Caí, Taquari-Antas e Uruguai, no Rio Grande do Sul (Laroque et al., 2013). Já os povos da Tradição Taquara: [...] desenvolveram amplo domínio territorial e formas próprias de adaptação ao novo ambiente, sendo a principal delas a construção de casas subterrâneas e semissubterrâneas (Amparo, 2014, p. 42). Essa técnica de adaptação ao ambiente foi desenvolvida ao longo do tempo para enfrentar os invernos rigorosos que afetam o Sul brasileiro, destacando-se a constante presença de geadas e ventos cortantes. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 25 Habitações da Tradição Taquara (autoria de Ana Luiza Koehler) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 26 | As moradias caracterizavam-se por formas circulares, sendo construídas por meio de um buraco escavado na terra com utensílios rudimentares, o que tornava o trabalho lento e cansativo. Esses utensílios eram oriundos do lascamento e polimento de pedras e madeiras com pontas. Dentro das casas, a família extensa dormia, comia e acendia fogueiras para se aquecer e cozinhar. O teto tinha sua estrutura em madeira, coletada das florestas e trabalhada na aldeia. No centro, um pilar principal era fixado no chão, estendendo-se alguns metros para fora do buraco da casa. Nas laterais, outras estacas eram colocadas e presas ao pilar principal. Sobre as estacas horizontais e verticais, eram colocadas camadas de capim para impedir que a água da chuva adentrasse na casa. Esses povos eram seminômades e deslocavam-se pelo território de acordo com as necessidades do grupo e a disponibilidade de recursos que garantiam sua sobrevivência. Além disso, eles ?se agrupavam ao redor de um cacique principal ou grande chefe, com a divisão em subgrupos cujos membros estavam ligados entre si por laços de parentesco. Cada um destes subgrupos era comandado por um subcacique?, que tinha um território para explorar em conjunto com seu grupo (Dias, 2004, p. 44). Outra característica marcante era a evidente presença de árvores da espécie Araucaria angustifolia, que produziam um alimento importantíssimo para a dieta desses grupos: o pinhão. No Rio Grande do Sul, especificadamente no período pré-colonial até a chegada dos europeus, havia uma grande variedade de espécies de araucárias, o que, segundo Golin (2012, p. 14), ?era resultado do manejo florestal praticado pelos indígenas, que não apenas realizavam uma seleção de espécies, como também as cruzavam, gerando sementes híbridas utilizadas posteriormente pelos imigrantes?. No que tange à elaboração de peças de cerâmica, pode-se dizer que a produção: [...] é pequena, composta de potes e de tigelas, com decoração impressa variada, onde são facilmente distinguíveis negativos de cestaria, depressões regulares produzidas por pontas de vários formatos, ou das unhas, incisões lineares etc. (Schmitz; Basile Becker apud Dias, 2004, p. 33). Quanto à tipologia, identificam-se recipientes de vários tamanhos, com coloração marrom e cinza e paredes mais finas. Entre 2.000 e 1.000 anos antes do presente, a aparente estabilidade dos povos da Tradição Taquara foi abalada pela chegada dos povos da Tradição Tupiguarani, que os empurraram dos principais afluentes em direção às terras mais altas e frias da região. Já por volta de 700 anos antes do presente, os Jês foram expulsos do litoral e empurrados pelos Guaranis para cima do Planalto Sul (Noelli, 1999, p. 241). Os Guaranis pertencem ao grupo de populações de matriz cultural Tupi, com pertencimento linguístico ao tronco Tupi- Guarani, e suas origens estão no sudoeste da Amazônia. Devido ao constante processo de expansão, conquista e ocupação territorial, ?são os mais conhecidos dentre as populações do Sul em termos arqueológicos, etnográficos, históricos e linguísticos? (Noelli, 1999, p. 247). Muitos arqueólogos trabalham com a ideia de pequenos movimentos migratórios nas proximidades de grandes rios, referindo-se ao fato de os Tupiguarani terem saído da Amazônia por volta de 2.000 mil anos antes do presente e migrado num fluxo descendente até o rio da Prata, para depois se Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 27 expandirem para rios um pouco menores do Rio Grande do Sul, cultivando as áreas férteis próximas. Havia uma estreita ligação entre os Tupiguarani e as águas; dos rios vinham parte da alimentação e os materiais utilizados para confecção de artefatos líticos, como seixos e basalto, além de servirem como eficiente forma de locomoção, tendo em vista a grande habilidade dos grupos para navegar e nadar. A constante mobilidade e a conquista de novos territórios permitiram uma intensa e contínua troca de informações, possibilitando aos povos da Tradição Tupiguarani uma excelente capacidade de se adaptar, por meio da aquisição de novas técnicas de subsistência e do aperfeiçoamento das práticas de sobrevivência. Além das roças instaladas em clareiras nas matas, os agricultores Tupiguarani formavam pomares e hortas medicinais com diversas plantas e matérias-primas para construção e fabricação de ferramentas. Eles também construíam trilhas que ligavam a aldeia e as roças entre si, coletavam madeira, mel e insetos, mantinham ervais de mate, palmitais, pinheirais, entre outras atividades (Noelli, 1999, p. 254). Quanto à forma de habitação, ?as aldeias eram levantadas em clareiras abertas na mata. Ao redor se faziam as roças para os necessários cultivos?, e a aldeia ?era composta de várias choupanas, aproximadamente iguais no material, no tamanho e na organização, dispostas com certa regularidade ao redor de um espaço aberto? (Schmitz, 2006, p. 38-40), onde eram realizadas as atividades cotidianas em grupo. As moradias eram alicerçadas com troncos firmes coletados Habitações da Tradição Tupiguarani (autoria de Victor Sales, via ArtStation) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 28 | nas matas, vedadas com madeira entrelaçada de cordas e cobertas por palha ou capim, podendo ser habitadas por um considerável contingente de pessoas, já que tinham metros de comprimento. Sobre a tipologia das vasilhas, pode-se afirmar que tinham características e formatos específicos, como pratos, tigelas e recipientes grandes, utilizados para funções variadas no cotidiano, desde o preparo de ingredientes, alimentos e bebidas, até o armazenamento como urnas funerárias. Em relação à decoração, [...] a superfície poderia ser alisada, mas geralmente era decorada, com a ponta da unha, a polpa do dedo, escovada com espiga de milho, ou marcada com incisões através de objetos pontiagudos, produzindo os motivos decorativos mais variados (Vicroski, 2012, p. 18). Foi após 1500, devido à presença europeia na região, que houve uma rápida modificação na composição e distribuição dos grupos indígenas. Muitos foram assimilados ou eliminados, devastados por conflitos, epidemias, doenças e escravidão, o que reduziu os povos nativos a pequenos e dispersos grupos. O abalo nas estruturas socio-organizacionais, moldadas ao longo de centenas de anos, acabou por fragilizar as sociedades indígenas. A ocupação humana pré-colonial em Veranópolis Devido às características das construções pré-coloniais, pouco restou dos bens materiais das habitações indígenas na região da antiga Colônia Alfredo Chaves. No entanto, os bens imateriais da cultura indígena ainda estão presentes na região, ?como a tradição da colheita do pinhão (fruto do pinheiro da araucária), a tradição do chimarrão, o cultivo de plantas medicinais e a presença sazonal dos indígenas às margens da RS 470 para a venda de artesanato? (Fogaça, 2019, p. 45). Entre os vestígios arqueológicos indígenas identificados no município de Veranópolis, destaca-se o ponto turístico denominado ?Gruta Indígena? 8 , localizada na Comunidade de Nossa Senhora do Monte Bérico, Linha Afonso Pena, no interior do município. A formação rochosa possui cerca de 28 metros de largura e 67 metros de profundidade, sendo atualmente um dos maiores pontos turísticos da localidade. O entorno sofreu grandes alterações para facilitar o acesso dos visitantes ao seu interior, como abertura da mata, construção de estradas, limpeza de trilhas, construção de deck de madeira na entrada e instalação de energia elétrica. Sobre a gruta, o Anuário de Veranópolis de 1972 9 aponta que foram removidas duas mil toneladas de material da caverna, sendo esse conteúdo enviado aos Estados Unidos para análise. Os estudos concluíram que a ocupação da caverna data de 5.000 anos a.C. e que ela foi habitada por diferentes grupos humanos. Com base nesses dados e no panorama da temporalidade da ocupação humana no território do Rio Grande do Sul, é provável que algumas das Tradições mencionadas anteriormente tenham utilizado o espaço como abrigo ou local de passagem. Embora 8 No dia 1º de maio de 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou um período de fortes chuvas, que elevaram os níveis dos rios, causaram deslizamentos e provocaram incontáveis danos humanos e ambientais. Entre os desastres, destaca-se um grande deslizamento sobre a Gruta Indígena de Veranópolis, que destruiu a infraestrutura de visitação e arrastou terra, pedras e água para dentro do local. 9 Anuário de Veranópolis, ano 3, n. 3, 1972. Acervo do Mumver. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 29 o anuário mencione uma importante pesquisa realizada no espaço, até onde se tem informações, o material coletado não retornou para a referida comunidade, assim como os resultados Gruta Indígena de Veranópolis (EcoTripRS, [2024?]) dos estudos. Vicroski (2011, p. 23) afirma que, ao identificar um sítio de valor arqueológico e histórico, ?os vestígios arqueológicos ali presentes deverão ser removidos e enviados para estudos, Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 30 | as informações resultantes de sua análise poderão retornar à sociedade? posteriormente. Contudo, percebe-se que esse não foi o caso da Gruta Indígena de Veranópolis, cujas informações escassas impossibilitam um estudo de caso mais aprofundado. Durante uma rápida visita técnica à caverna, a fim de identificar artefatos indígenas expostos na superfície, observamos, em meio a terra e lascas de basalto que se desprendem do teto, um artefato próximo à entrada. O objeto foi fotografado sobre uma superfície clara para facilitar a visualização e deixado no mesmo local em que foi encontrado, com o intuito de contribuir para futuras pesquisas arqueológicas. Destacamos a importância de não remover os artefatos de seu local de origem sem a devida autorização prévia dos órgãos competentes da área, tendo em vista que a retirada das peças pode levar à descontextualização de seu histórico no ambiente. O referido objeto sugere a possibilidade da presença de grupos humanos caçadores-coletores, indicando uma cultura humana que utilizava a caça no ambiente em que estava estabelecida. A peça identificada é denominada pela arqueologia de raspador e, segundo Kern (2009, p. 29), era utilizada para remover ou limpar o couro de animais ou para cortar a carne. O artefato apresenta técnicas de lascamento em todas as laterais e em uma das superfícies, possui cerca de 3,5  cm de comprimento e 2,5 cm de largura. Além disso, as placas orientativas existentes no espaço indicam que a área foi ocupada pelos povos Kaingang, pertencentes à Tradição Taquara, de matriz cultural Jê. Entretanto, é importante rememorar os dizeres do Anuário de Veranópolis de 1972, que atesta que mais de um grupo fez uso do espaço, deixando evidências arqueológicas de sua ocupação. A presença da Tradição Taquara na região é fortemente enraizada Raspagem do couro de animais (acervo privado de Ana Luiza Koehler) Raspador lítico lascado (Pedron, 2023, p. 91) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 31 no conhecimento popular devido à abundância de remanescentes de casas subterrâneas, mas isso não exclui a possibilidade de ocupação por outras etnias. Dado o escasso material encontrado na Gruta Indígena, realizar uma leitura aprofundada para identificar o(s) grupo(s) étnico(s) é uma tarefa difícil. Portanto, partimos de hipóteses de análises de contextos gerais da história do Rio Grande do Sul para apresentar algumas possibilidades. A primeira delas, como mencionamos no primeiro capítulo, sugere que os povos da Tradição Umbu, conhecidos por sua preferência por cavernas devido à proteção que essas ofereciam, possam ter reocupado as cavernas ao longo do tempo, adaptando-se ao seu ambiente e à sua mobilidade constante. Além da Tradição Umbu, a Tradição Taquara também utilizava cavernas, grutas e abrigos sob rochas. Todavia, para esses grupos, as cavernas não tinham unicamente a finalidade de sediar espaço para abrigo, também serviam como cemitérios, onde o grupo depositava seus mortos e fazia as cerimônias fúnebres. Dias (2004, p. 90) observa que, na Tradição Taquara, são comuns os sepultamentos encontrados no interior de pequenos abrigos sob rocha. ?Geralmente estes abrigos estão localizados em áreas de difícil acesso, situados em paredões de rocha basáltica, tanto na encosta, quanto no topo do planalto?. Era costume da Tradição Taquara depositar junto aos corpos outros materiais orgânicos, como folhas de xaxim, folhas de taquara, capim, madeiras ou taquaras, para envolver o corpo ou até para servir de esteira. Além disso, eram colocadas vasilhas de cerâmica, artefatos líticos e objetos considerados valiosos para o grupo. Por essa razão, a possibilidade de a caverna ter sido ocupada por povos das Tradições Umbu ou Taquara é grande, pois eram esses grupos que possuíam maior adesão a esse estilo de moradia. Todavia, isso não descarta a possibilidade de outros grupos também terem ocupado o espaço. Cavernas, abrigos sob rochas e grutas também eram locais de passagem de outros grupos humanos, servindo como abrigos temporários. Com a sedentarização que ocorreu nos últimos milênios, cada etnia desenvolveu um padrão próprio de habitações adaptadas ao clima e ao relevo dos locais onde se estabeleciam. Além da Gruta Indígena de Veranópolis, Ademir José Machado elaborou uma importante pesquisa para analisar a presença da Tradição Tupiguarani na região do médio Rio das Antas, afluente que banha o referido município e serve marco divisor entre Veranópolis e Bento Gonçalves. O trabalho corresponde à análise e à interpretação de alguns [...] dados obtidos no Programa de Arqueologia, desenvolvido pelo Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas da Universidade de Santa Cruz do Sul, durante a instalação do Complexo Energético Rio das Antas, mais especificamente, a área da Usina Hidrelétrica 14 de Julho e imediações (Machado, 2008, p. 9). Durante a pesquisa arqueológica realizada nas margens do Rio das Antas, foram identificados 52 sítios arqueológicos, distribuídos em ambos os lados do afluente, contemplando os municípios de Veranópolis, Cotiporã e Bento Gonçalves. No entanto, iremos aprofundar e apresentar apenas os sítios arqueológicos localizados em Veranópolis. A grande quantidade de sítios arqueológicos em um pequeno recorte espacial torna evidente que o território do Rio Grande do Sul possuía uma população humana considerável antes da chegada dos Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 32 | Cotidiano de habitação em cavernas (acervo privado de Ana Luiza Koehler) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 33 colonizadores. Todos os espaços eram ocupados e/ou explorados pelos indígenas, desconstruindo a ideia de ?espaços vazios? no sul do Brasil. Para realizar a identificação das Tradições presentes nos sítios arqueológicos existentes no percurso do Rio das Antas, os pesquisadores analisaram as técnicas decorativas empregadas nos fragmentos de cerâmica encontrados, a tipologia do terreno, o solo e os artefatos líticos presentes em cada sítio. Durante o trabalho arqueológico realizado nos três municípios, os 52 sítios foram subdivididos em 7 grupos com as denominações alfabéticas de A, B, C, D, E, F e G, sendo critérios considerados para essa divisão a proximidade entre os sítios. Para a identificação, Machado (2008, p. 37) afirma que foram utilizadas metodologias tradicionais, como o método oportunístico 10 e o probabilístico 11 , aliados ao estudo da paisagem existente e das possibilidades de ocupação, resultando na identificação de um grande número de locais com ocupação humana. O mapa a seguir merece uma análise especial, pois representa o que pode ser denominado como aldeias ribeirinhas, ou seja, grupos humanos vivendo às margens de um afluente e utilizando-o como principal fonte de sobrevivência, com a pesca como base alimentar e, provavelmente, fazendo uso de canoas para travessias entre as margens opostas do rio. 10 A técnica oportunística foi baseada na coleta de informações fornecidas pelos moradores locais, através de entrevistas e conversas, além de consultas aos cadastros de instituições de pesquisa arqueológica e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). 11 A técnica probabilística envolveu a vistoria das áreas passíveis de ocupação humana pré-histórica, seguindo linhas de caminhamento paralelas. Os sítios arqueológicos indígenas identificados nas margens do Rio das Antas, no município de Veranópolis, contêm uma quantidade considerável de artefatos líticos, a maioria apresentando o tratamento de lascamento em sua confecção, além de diversos fragmentos de cerâmicas que contribuem para a identificação da Tradição a que pertencem os grupos humanos que os produziram. A seguir, apresentamos todos os sítios arqueológicos indígenas identificados durante a pesquisa vinculados ao território de Veranópolis, bem como os materiais encontrados em cada um deles. O sítio numerado como 21 ? José Colao ?C?, RS-AN: 26, está localizado em Passo Velho, em uma área relativamente plana, com dimensões de 3.400  m², a uma distância de 70  m do Rio das Antas. Na localidade, foram identificados artefatos líticos, sendo eles: 1 lasca em arenito metamorfisado, 4 talhadores, 1 núcleo em riolito, 2 talhadores, 1 batedor e 1 seixo em basalto. Devido à ausência de cerâmica, não foi possível associar com precisão a qual Tradição o material pertence. Os artefatos indígenas estavam expostos em superfície ou localizados com pouca profundidade, associados a grupos que ocupavam espaços a céu aberto, podendo pertencer à Tradição Humaitá ou à Tradição Taquara, devido às técnicas de fabricação aplicadas. Porém, a hipótese de pertencer à Tradição Tupiguarani não deve ser descartada. O sítio numerado como 19 ? José Colao ?A?, RS-AN: 26, também situado em Passo Velho, possui 700  m², está distante 60 m do Rio das Antas. Nesse local, foi identificado um fragmento de cerâmica com decoração denominada corrugado-ungulado, que define a ocupação de povos pertencentes à Tradição Tupiguarani. Além deste, foram identificados artefatos líticos lascados, tais Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 34 | Sítios arqueológicos no médio Rio das Antas ? Relatório Cepa ? Unisc/Iphan (Machado, 2008, p. 65) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 35 como: 1 lasca, 1 biface, 2 talhadores, 1 detrito, 1 batedor em basalto, 2 lascas corticais e 1 batedor em riolito. O sítio arqueológico também se encontra a céu aberto. Muito próximo, localiza-se o sítio numerado como 20 ? José Colao ?B?, RS-AN: 26, em Passo Velho, com dimensões aproximadas de 2.100  m², a uma distância de 60 m do Rio das Antas. O sítio também apresenta vestígios cerâmicos, incluindo: 1 fragmento com decoração corrugada, 3 fragmentos com decoração simples e 1 fragmento com decoração escovada. Além dos vestígios cerâmicos, foi identificado 1 fragmento de implemento em basalto. Os remanescentes arqueológicos igualmente estão associados à Tradição Tupiguarani, especialmente pelas técnicas decorativas empregadas nas cerâmicas, e o sítio encontra-se a céu aberto (Machado, 2008, p. 72-74). No grupo ?C?, encontra-se o sítio de numeração 26 ? Volmir Marin, RS-AN: 24, situado na Linha Santo Antônio da 14 de Julho, em Veranópolis. O sítio possui dimensões de 5.850  m², distante 200 m do Rio das Antas e cerca de 10 m de um pequeno córrego existente na área. Na localidade, foram identificados 4 fragmentos cerâmicos com acabamento simples e 3 fragmentos escovados, além de 1 talhador lascado em riolito. Os vestígios são associados à Tradição Tupiguarani. Esse sítio também se localiza a céu aberto (Machado, 2008, p. 82). O sítio arqueológico de numeração 29 ? Terezinha Torezan ?A?, RS-AN: 29, situa-se em um pequeno terraço, com dimensões aproximadas de 750  m², distanciando- se 50 m do Rio das Antas e 60 m de um pequeno córrego localizado na área. No local, foi identificada uma quantidade considerável de fragmentos cerâmicos, incluindo 1 com acabamento corrugado-ungulado, 1 com acabamento ungulado, 20 fragmentos com decoração simples, 1 fragmento pintado e 9 com acabamento escovado. Além desses, foram encontradas 3 lascas, 1 lasca com retoque, 3 lascas corticais, 1 talhador, 1 fragmento de implemento, 2 batedores em basalto, 1 lasca em riolito e 1 esfera de hematita. Os artefatos líticos e cerâmicos estão associados à Tradição Tupiguarani e o sítio encontra-se a céu aberto (Machado, 2008, p. 84). O sítio arqueológico numerado como 2 ? Terezinha Torezan ?B? localiza-se em um terraço plano, com uma área aproximada de 900  m², a cerca de 50  m do Rio das Antas e 15 m de um córrego. No local, também foram identificados remanescentes arqueológicos pertencentes à Tradição Tupiguarani. Os vestígios cerâmicos incluem 1 fragmento pintado e 1 escovado, entre os líticos foram encontrados 1 alisador, 2 batedores em basalto e 1 talhador em riolito, com técnicas de lascamento e polimento. O sítio está a céu aberto (Machado, 2008, p. 85). O sítio arqueológico indígena numerado como 28 ? Moacir Marin, RS-AN: 45, localiza-se na Linha Nossa Senhora do Rosário, em Veranópolis, em um pequeno dique holocênico com aproximadamente cem metros de largura. Suas dimensões são de 1.650  m², distanciando-se 50 m do Rio das Antas. Pertencente à Tradição Tupiguarani, o sítio contém fragmentos cerâmicos com decorações variadas, Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 36 | incluindo 1 fragmento corrugado, 2 simples e 2 pintados. Além dos cerâmicos, foi identificada uma notável variedade de líticos: 1 lasca, 3 lascas corticais, 3 talhadores, 4 fragmentos de implemento, 2 detritos em basalto e 1 lasca em riolito. O sítio encontra-se a céu aberto (Machado, 2008, p. 88). Denominado 32 ? Paulo Cesar Pitol, RS-AN: 43, o sítio localiza- se na Linha 14 de Julho, em uma área relativamente plana, com dimensões aproximadas de 500  m², a 80  m do Rio das Antas. A localidade está associada à Tradição Tupiguarani e sua cerâmica é composta por 2 fragmentos corrugados, 4 com acabamento corrugado-ungulado, 4 fragmentos ungulados, 20 com acabamento simples, 7 pintados e 1 escovado. Além desses, foi identificada 1 lasca de calcedônia com aplicação de técnicas de lascamento. O sítio apresenta-se a céu aberto (Machado, 2008, p. 88). Por fim, o último dos sítios investigados durante a pesquisa recebe a denominação 31 ? Ari Citolin, RS-AN: 30, situa-se na Linha 14 de Julho, em um topo de elevação com área plana, com dimensões de 2.565  m², a 300m de distância do Rio das Antas e a 300 m do Arroio Retiro. O sítio apresenta vestígios cerâmicos pertencentes à Tradição Tupiguarani, incluindo 3 fragmentos corrugados, 16 corrugados-ungulados, 7 ungulados, 15 simples, 2 pintados, 1 escovado, totalizando uma quantidade considerável, especialmente considerando que a cerâmica não é muito resistente às ações do tempo. Além disso, o acervo lítico é composto por 4 talhadores, 1 detrito, 1 seixo em basalto, 5 lascas, 9 lascas com retoque, 6 núcleos, 14 detritos em calcedônia, 13 lascas, 2 detritos em cristal de rocha, todos com técnicas de lascamento aplicadas em sua confecção. O sítio está a céu aberto (Machado, 2008, p. 91). Nesta pesquisa de prospecção arqueológica realizada por especialistas e posteriormente compilada no trabalho de Ademir Machado, observamos que a área às margens do Rio das Antas era favorável à implantação dos grupos de ceramistas-horticultores Tupiguarani. Todavia, devido à quantidade reduzida de material identificado e ao tamanho dos próprios sítios, levantamos a hipótese de que não havia uma grande oferta alimentar que possibilitasse o desenvolvimento de grupos maiores. A baixa quantidade de objetos pode também sugerir que os espaços foram ocupados rapidamente, servindo como locais de passagem ou moradia provisória. Percebemos, ainda, uma regularidade na produção cerâmica e lítica, bem como na escolha dos ambientes para as aldeias, todas próximas ao rio e com características semelhantes no terreno. Sobre a ocupação Tupiguarani no espaço estudado, Machado (2008, p. 208) afirma que ?estaria associada a uma ocupação tardia (A.D. 1300 e 1500). Nesse sentido, a presença do escovado e ungulado com boa representatividade e a diminuição do corrugado são indicativos de uma ocupação recente?. Devido ao fato de a maioria dos sítios apresentados possuir vestígios arqueológicos dos povos de Tradição Tupiguarani, consideramos que a área pode não ter sido muito atrativa para outros grupos. É por essa razão que apenas o sítio 21 ? José Colao ?C? apresenta indicativos das Tradições Taquara e Humaitá. No entanto, a ideia de que outros grupos tenham frequentado esses locais não deve ser descartada, uma vez que seriam necessários estudos mais aprofundados para o material que está abaixo da superfície. Também é possível que tenham ocorrido várias fases cronologicamente diferentes de ocupação, com sobreposição de Tradições e até mesmo de grupos da mesma etnia, formando Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 37 vários ciclos de ocupação, em que os grupos se deslocavam conforme as necessidades e a disponibilidade de recursos. Além disso, é necessário considerar que a abrangência da pesquisa foi limitada à área de influência do empreendimento licenciado, o que engloba um perímetro mais propício às ocupações da Tradição Tupiguarani. O estudo não analisou o ambiente serrano do entorno, que possui condições ambientais compatíveis com os padrões de assentamento da Tradição Taquara ou mesmo de caçadores-coletores. Com base nos dados apresentados e partindo da perspectiva da ocupação humana geral no Rio Grande do Sul, estimamos que a região foco deste estudo, em um período de aproximadamente 200 a 300 anos antes do presente, ainda era ocupada por populações pertencentes às Tradições Taquara e Tupiguarani. Esses grupos, de forma gradativa e involuntária, cederam espaço às novas ondas de imigrantes europeus que começaram a se estabelecer na região. Isso fez com que os grupos fossem se direcionando cada vez mais ao planalto, até desaparecerem de algumas localidades por diversas circunstâncias, muitas delas já mencionadas. Todavia, com base nas técnicas empregadas na confecção dos remanescentes líticos e cerâmicos existentes nos sítios arqueológicos analisados, acreditamos que a ocupação humana em Veranópolis é muito mais antiga, ultrapassando 300 anos. Podemos estimar a existência de seres humanos explorando o território há aproximadamente 6.000 anos antes do presente, pois, com base nos remanescentes e nas características habitacionais existentes, é possível identificar a presença das Tradições Humaitá e Umbu, cujas pesquisas arqueológicas indicam sua existência no Rio Grande do Sul desde esse período. Pressupomos que a região de estudo se insere no que a arqueologia denomina de um espaço intermediário entre as ocupações dos povos pertencentes às Tradições Humaitá, Umbu, Taquara e Tupiguarani, ou seja, quatro culturas arqueológicas completamente distintas que ocuparam a área. Isso problematiza e até desconstrói a ideia historicamente construída de que a região em estudo, por suas características de fauna, flora, morfologia e geologia, era unicamente território da Tradição Taquara. Além disso, essa perspectiva nos leva a compreender os processos de comportamento humano ao longo do tempo, suas necessidades e a busca constante por sobrevivência, que levaram à adaptação a diferentes paisagens. Ao interagir com grupos diversos, esses povos assimilaram, trocaram e construíram novos saberes, moldando e remodelando constantemente seus aspectos culturais, sociais e políticos. Podemos afirmar que o ser humano é um sujeito histórico, moldável, tal como a argila que ele próprio trabalhou por milênios. Investigar a história da região de estudo significa entender parte do processo de ocupação humana no Rio Grande do Sul durante o período Pré-Colonial, bem como compreender o funcionamento da política de ocupação do território, os processos migratórios europeus, o estabelecimento das primeiras colônias e seus tantos distritos, o desenvolvimento das relações de alteridade e o estabelecimento das fronteiras políticas e étnicas. Também envolve as fricções interétnicas durante o processo que ocasionou massacres, silenciamentos, apagamentos, estranhamentos e preconceitos do ?eu? em relação ao ?outro?. Entendemos que conhecer a própria história significa conhecer a si mesmo, encontrar seu lugar na sociedade e entender-se como um indivíduo ativo na construção da história do meio social em que está inserido. territórios, culturas políticas e relações de poder Bernardo Luchini Bisatto Veranópolis Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 41 A o escrever sobre as diferentes formas de organização política de Veranópolis, sem a pretensão de esgotar o tema, serão apresentados, dde forma cronológica, momentos da trajetória políticaca local em relação aos cenáriosios estadual e nacional, consideranando suas influências na política e nnas relações de poderr no âmbito municipal entre 1885 e 1988. AAo final dessadessa cronologia, serão apresentadas algumas questõquestões contemporâneas que destacam a importância e o crescimento das mulheres em variados segmentos de poder na sociedade veranense. Além de valorizar essas conquistas, o objetivo é desnaturalizar os processos de obtenção de direitos e espaços. Busca-se também evidenciar que a política e o poder não podem ser compreendidos como algo restrito à esfera do Estado. Portanto, são mencionadas outras instituições que atuam e atuaram na sociedade veranense, como a Igreja e a maçonaria, demonstrando a presença de conflitos, autoritarismos, corrupções e violências, que tornam o passado um tempo nada romântico. Assim, política é entendida aqui como o conjunto de relações de poder estabelecidas entre os indivíduos na sociedade. Conforme René Rémond (1996, p. 450), o político é uma das expressões mais altas da identidade coletiva: O que às vezes se chama cultura política e que resume a singularidade do comportamento de um povo não é um elemento entre outros da paisagem política: é um poderoso revelador do ethos de uma nação e do gênio de um povo. De Roça Reiuna à Colônia Alfredo Chaves Os territórios que hoje compõem Veranópolis e sua microrregião pertenciam, no século XIX, à cidade de Santo Antônio da Patrulha, um dos quatro primeiros municípios do Rio Grande do Sul, que abrangia toda a região noroeste do estado. A partir dessa organização política e territorial, a conhecida Roça Reiuna pertencia ao distrito de São Paulo de Lagoa Vermelha, que foi elevado à categoria de município de Lagoa Vermelha em 1876. Conforme apresentado em Costa (1998, p. 23): O território da antiga Roça Reiuna, onde os índios construíram sua história, depois os tropeiros a percorreram, pertencia ao município de Santo Antônio da Patrulha. Nesta área ficava a divisa, o limite noroeste entre os antigos municípios de Rio Pardo, Porto Alegre e Santo Antônio da Patrulha; neste, décadas mais tarde, Alfredo Chaves se configurou. E esta mesma área integrava o distrito mais longínquo da sede da Vila de Santo Antônio, que era São Paulo da Lagoa Vermelha. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 42 | Segundo Costa (1998, p. 25), ?na área de Veranópolis e cercanias, foi projetado, na década de 1860, bem antes do estabelecimento de Alfredo Chaves, um povoado ? o de Santa Bárbara?, localizado junto à embocadura do Rio Carreiro. O objetivo era promover a ocupação branca e o uso econômico do território, com a intenção de explorar os ervais e a madeira ali existentes. Consta ainda que o povoado não prosperou devido às mesmas questões que inviabilizaram a posse por seus donatários de origem lusitana, ou seja, as dificuldades impostas pela geografia acidentada do território (Costa, 1998). Os processos de ocupação sistemática da região serrana do estado precisam levar em consideração a Lei de Terras de 1850. Como apontam Giron e Herédia (2007, p. 34): O espaço destinado à colonização estava diretamente ligado às mudanças da Lei de Terras de 1850, segundo à qual as terras, cuja posse não fosse confirmada por seus proprietários, deveriam voltar às mãos do governo nacional. As terras não legalizadas, chamadas devolutas, seriam áreas destinadas à colonização. 1 Era o proprietário das terras que conformaram o distrito de Capoeiras, atual Nova Prata. 2 As plantas estão disponíveis para consulta na plataforma digital do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami. Alguns donatários tomaram posse de suas terras, como Amália Fialho e Dutra, Antônio Fialho de Vargas, Eduardo Palassim, Silvério Antônio Araújo 1 , Trajano V. de Medeiros, entre outros, conforme consta na demarcação das terras presente nas plantas da Colônia Alfredo Chaves 2 . Farina (1992, p. 22) destaca que, no local onde foi instalada a sede da colônia, encontrava-se um sítio de Joaquim Antônio Fernandes, o Quinzote, morador de Turvo, Lagoa Vermelha. No local mais aprazível daquela gleba de terra por ele explorada, havia um ponto de encontro de tropeiros, que periodica- mente se aventuravam a passar rumo a Montenegro, a chamada Roça Reiuna. Por não conhecerem os tropeiros a quem pertenciam essas terras, chamavam-nas de ?reiunas?, que pertenciam ao rei (Lorenzatto, 1923, p. 28 apud Farina, 1992, p. 63). A demarcação da Colônia Alfredo Chaves obedeceu aos seguintes limites: ao leste, o Rio Turvo, que a separava da Colônia Antônio Prado; ao sul, o Rio das Antas, que a separava de Bento Gonçalves, na época denominada Dona Isabel; e a oeste, o Rio Carreiro, que a Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 43 separava da futura Colônia Guaporé. O território abrangia uma área de 112.600 hectares, dos quais 2.100 eram lotes rurais e 390 eram lotes urbanos (Giron; Herédia, 2007, p. 61). Conforme aponta Luchese (2010), a Colônia Alfredo Chaves foi criada em 1885 e permaneceu sob a administração colonial do Governo Imperial até 1889. Esse período corresponde ao final do Império Brasileiro e à expansão da região de colonização para além do Rio das Antas. Os núcleos coloniais possuíam uma estrutura jurídico-administrativa destinada ao recebimento de imigrantes europeus, com funcionários nomeados pelo Governo Imperial para recepção, estabelecimento, mediação e distribuição de lotes aos colonos nas localidades. Essa estrutura incluía a Comissão de Terras, responsável pela medição e demarcação das terras, e a Direção da Colônia, encarregada da gestão administrativa. Nesses núcleos, trabalhavam engenheiros, agrimensores, topógrafos, escrivães e até capangas. Luchese (2010, p. 309) acrescenta que: Planta Geral da ex-Colônia Conde D'Eu e Dona Isabel e novo núcleo de Alfredo Chaves (autoria de Júlio da Silva Oliveira, engenheiro-chefe da Comissão, 1885 aprox., acervo da Fundação Biblioteca Nacional) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 44 | As autoridades coloniais, responsáveis pela administração dos núcleos, foram elos de ligação entre os imigrantes e as esferas maiores do poder político brasileiro. Nas colônias, diretores e demais funcionários sistematizaram o processo de povoamento e relacionaram-se diretamente com os imigrantes. Enfrentaram manifestações, conflitos, discórdias, angústias e dificuldades para administrar as colônias, o que contrapõe-se à versão historiográfica que narra a presença desses imigrantes como pacífica e laboriosa. A partir da Proclamação da República e da Constituição de 1891, a administração das colônias passou a ser responsabilidade dos estados (Giron; Herédia, 2007, p. 28). De acordo com a seção ?Chefes do Executivo? do site da Prefeitura Municipal de Veranópolis, os seguintes membros da Comissão de Terras exerceram as funções de diretores da Colônia Alfredo Chaves no período de 1884 a 1900: ? Júlio da Silva Oliveira, de 1884 até 21/08/1888; ? José Francisco dos Santos, de 21/08/1888 até 24/12/1888; ? José Montaury de Aguiar Leitão, de 24/12/1888 até 1893; ? Pedro Guedes Falcão, de 1893 até 26/06/1894; ? Francisco Carlos Resin Barreto Leite, de 26/06/1894 até 03/11/1900. Sobre as relações de poder estabelecidas entre o Estado, a colônia e os colonos, Luchese (2010, p. 310) aponta que: Os diretores, apesar de representarem um poder limitado a um microespaço e não terem um prestígio maior, em nível de Província ou Governo Imperial, representavam de forma direta as relações governamentais em relação aos imigrantes. Assim, os colonos tinham contato direto com essas autoridades, que eram as únicas residentes nos núcleos coloniais e responsáveis por implementar as medidas estabelecidas verticalmente pelos poderes centralizados. Nesse sentido, Júlio Posenato (1987, p. 6) relata algumas passagens sobre a relação do diretor da Colônia Alfredo Chaves, Júlio da Silva Oliveira, com os imigrantes: Diz Lorenzoni (1975, p. 164-65) ?chefiando mais de sessenta pessoas, engenheiros, escrivães, pessoal de escritório e outros subalternos, muitos destes verdadeiros capangas, mostrou em seguida ao povo ser um prepotente, um verdadeiro déspota. A colônia em peso revoltou-se com este estado de coisas e com uma petição, assinada por mais de dois mil chefes de família, pedimos a Sua Excelência o Presidente da Província, a retirada do déspota da sede de Dona Isabel. [...]. Mais de cinquenta pessoas, bem armadas, estavam escondidas na casa dos irmãos Bertuol e prontas a ir à rua e atirar contra os membros da Comissão e até queimar a diretoria, caso não se rendessem. Foi aí que o Dr. Júlio convenceu-se que nada mais podia fazer e que sua vida estava em perigo; decidiu-se por isso a transferir, em seguida, o escritório da Diretoria para a sede Alfredo Chaves?. As arbitrariedades prosseguiam, agora no novo local. ?Por esses desmandos, veio àquela zona o ministro italiano Martuccelli, e posteriormente também o enviado especial daquele ? o dr. Gervasio, que viajou toda a colônia investigando as queixas dos colonos. Um mês depois dessa inspeção o nosso governo, atendendo a reclamação do ministro italiano, retirava Dr. Júlio de Oliveira da administração da colônia?. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 45 Vista da área central da Colônia Alfredo Chaves, pertencente ao município de Lagoa Vermelha, cerca de 1891 (autoria não identificada, Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami) No centro, destaca-se a Igreja Matriz São Luiz Gonzaga (1888); à direita, a sede da Comissão de Terras (1888); e à esquerda, a sede social da Confederazione Italiana di Mutuo Soccorso, ligada à maçonaria. Nesse contexto, a região colonial da Serra Gaúcha foi marcada por conflitos entre autoridades e imigrantes, sobretudo por falta de pagamento ou atrasos nos subsídios e dias de trabalho devidos. É importante salientar que as divergências políticas trazidas pelos imigrantes de seus países de origem também foram fatores de atrito, especialmente entre comerciantes e profissionais liberais estabelecidos em áreas urbanas. Além da presença do Estado, outras instituições de poder atuaram na região, como a Igreja Católica e a maçonaria, esta última representada principalmente por dois grupos: franco-maçons e carbonários. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 46 | A década de 1890 foi marcada por movimentações políticas. Conforme aponta Farina (1992, p. 62), a Colônia Alfredo Chaves foi elevada à categoria de município pelo Acto n. 205-A, de 31 de maio de 1892, por decisão da Junta Governativa Gaúcha, que compunha o governo provisório do estado na época, passando a localidade a denominar-se Benjamin Constant. Após um mês, Alfredo Chaves voltou a ser distrito de Lagoa Vermelha. Esse contexto de inseguranças e revezes pode estar relacionado à recente Proclamação da República em 1889 e às disputas por poder e forma de organização do estado do Rio Grande do Sul entre federalistas e republicanos, ou maragatos e chimangos/ pica-paus, respectivamente, o que culminou com a Revolução Federalista de 1893-1895. Não há registros sobre a inclinação política do diretor da colônia, José Francisco dos Santos, e como ele teria procedido diante dos atos revoltosos. Algumas passagens indicam a presença de tropas revolucionárias atuantes na região, conforme narrado por Júlio Lorenzoni (1975, p. 192-194): As colônias também muito sofreram as funestas consequências da revolução, porém, em algumas comunidades, os prejuízos limitaram-se à perda de vacas, cavalos e outros animais. [...]. Na Vila de Alfredo Chaves, então ainda Colônia não emancipada, achava-se aquartelado o General Palmeiro, comandante de um grupo de forças revolucionárias, cerca de quinhentos homens, dos quais faziam parte muitos italianos, comandados pelo Coronel [Luciano] Vicente Decusati, os quais estavam acampados no passo do rio das Antas, Pascoal Corte e ao longo da terceira seção, na margem esquerda do dito rio das Antas. Por várias semanas, uma parte destes homens esteve alojada na casa do colono tirolês Gaspar Cainelli, que ocupava o último lote da Linha Geral. Da mesma força faziam parte o advogado Domingos Mincaroni, como secretário, e o advogado Antônio Tagliari Filho, como capitão. [...]. No dia vinte de novembro de 1893 chegava a esta Vila uma força revolucionária, comandada por um alemão, da Linha Figueira de Mello, município de Garibaldi, e dessa força faziam parte muitos tiroleses, entre estes o capitão Antônio Manica. Busatta e Stawinski (1979, p. 15-16) apontam que a colônia foi o cenário de lutas sangrentas e vandalismos, atribuindo às duas facções atos de selvageria, como depredação, saque e incêndio de muitas casas. Segundo os autores, após a ocupação da localidade pelos maragatos, um grupo teria invadido a casa paroquial e golpeado o então pároco Matheus Pasquali com uma espada. Só não mataram o sacerdote porque tinham a crença de que ?quem mata um padre vai direto para o inferno?. O município de Alfredo Chaves e o jogo do poder na Primeira República (1898-1930) O município de Alfredo Chaves foi criado pelo Decreto n. 124-B, de 15 de janeiro de 1898, pelo então presidente do Estado, Júlio de Castilhos. A partir do processo de emancipação política, o novo município passou a ser dividido em distritos, dada sua extensão territorial. Conforme Pimentel (1987, p. 24), essa divisão era composta por seis núcleos: 1º distrito: Sede, correspondente ao atual território de Veranópolis e Vila Flores; 2º distrito: Capoeiras, criado em 1898, correspondente ao atual território de Nova Prata; 3º distrito: Monteveneto, criado em 1899, correspondente ao atual território de Cotiporã; 4º distrito: Bella Vista, criado em 1905, correspondente ao atual território de Fagundes Varela; 5º distrito: Nova Bassano, criado em 1905; correspondente ao atual território de Nova Bassano; e 6º distrito: Vista Alegre, criado em 1915, correspondente ao atual território de Vista Alegre do Prata. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 47 Intendência Municipal de Alfredo Chaves, 1905 aprox. (autoria não identificada, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 48 | Como um novo município, foram instituídos os poderes Executivo e Legislativo locais, representados pela Intendência e pelo Conselho Municipal. Cada distrito tinha um subintendente e, por vezes, algum conselheiro. Essa organização política centralizava a administração no poder do intendente, enquanto os conselheiros municipais tinham somente os poderes de aprovar e fiscalizar as leis orçamentárias. Em 04 de março de 1898, o primeiro Conselho Municipal tomou posse, composto pelos cidadãos João Miguel da Rosa, José Cagliari, Guilherme Licks, João de Mamann, Maximiliano Saretta, Emílio Schneider e Emílio Leipnitz, dando subsequente posse ao primeiro intendente nomeado, o tenente-coronel Albano Coelho de Souza. A primeira lei orgânica do município foi promulgada em 17 de agosto de 1898 (Farina, 1992, p. 66). Assim, os intendentes foram os elementos de articulação entre as lideranças econômicas locais e o governo estadual, objetivando organizar e garantir a dominação política do Partido Republicano Riograndense (PRR) no estado, que teve como principais líderes Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros. Em sua maioria, esses intendentes podem ser caracterizados como coronéis burocratas 3 , alheios à política local, indicados pelo governo do estado ou eleitos por processos ímprobos, quando não fraudulentos (Biavaschi, 2011). 3 Conforme Biavaschi (2011, p. 80), no contexto da Primeira República, a patente de coronel deixou de ser exclusivamente militar para indicar também o poder político de líderes locais. Alfredo Chaves, assim como os demais municípios da região colonial italiana, apresentou relações de poder coronelistas 4 e clientelistas 5 , com o objetivo de ampliar a base de apoio do PRR, através da filiação de lideranças econômicas ou religiosas locais. O período é marcado pela existência de facções políticas em conflito dentro do PRR local, pela presença de um setor comercial progressivamente atuante na política e na administração, por lideranças religiosas politicamente ativas e pela atuação, por vezes violenta, de cabos eleitorais (Biavaschi, 2011). Ao estudar as características político-partidárias da região das antigas colônias da Serra Gaúcha, Franco (2002, p. 134) aponta que, a partir da reformulação da legislação eleitoral de 1904, houve o alistamento dos eleitores 6 do Rio 4 Para Axt (2004, p. 8-11), o coronelismo no Rio Grande do Sul está ligado ao longo domínio de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros sobre o estado. Assim, Júlio de Castilhos se valeu da formação da República (1889-1895) para neutralizar sua oposição e formatou seu modelo autoritário, pautado pela derrota e o quase extermínio da oposição, por sua afirmação como liderança unipessoal no estado, passando a controlar a administração pública, a política estadual e as situações municipais até a sua morte em 1903. Já Borges de Medeiros interveio de forma mais sistemática nos municípios, reforçando o poder administrativo do estado e aprofundando o processo de afirmação da hegemonia dos aliados que lhe davam sustentação socioeconômica. 5 Para Carvalho (1997), o clientelismo pode ser compreendido como um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais e isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto. 6 A Constituição de 1891 determinou que o direito do voto seria exercido por homens, alfabetizados, com idade mínima de 21 anos, com exceção de bacharéis e outros cargos militares e eclesiásticos, que independia da idade. O alistamento eleitoral e o voto não eram obrigatórios (Viscardi, 2021). Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 49 Grande do Sul. Em 1905, o presidente do estado, Borges de Medeiros, expediu um telegrama ao senador Pinheiro Machado, informando os números do eleitorado em cada município e elencando os membros do PRR e os adversários federalistas. Em Alfredo Chaves, alistaram-se 948 eleitores; em Antônio Prado, 620; em Bento Gonçalves, 624; em Garibaldi, 480; em Guaporé, 454; todos republicanos. Apenas em Caxias do Sul, onde se alistaram 1.100 republicanos, habilitaram-se ao voto 127 federalistas, ficando perceptível a quase inexistência de adversários dos republicanos entre o eleitorado da região. De acordo com o site da Prefeitura Municipal de Veranópolis, no período da Primeira República, os intendentes municipais foram os seguintes: ? Albano Coelho de Souza, de 15/01/1898 até 05/09/1899; ? Pellegrino Guzzo, de 05/09/1899 até 15/12/1899; ? Alfredo Lima, de 16/12/1899 até 19/08/1903; ? Albano Coelho de Souza, de 20/08/1903 até 16/07/1904; ? João Leivas de Carvalho, de 16/07/1904 até 17/01/1907; ? Pellegrino Guzzo, de 18/01/1907 até 10/05/1910; ? Achylles Taurino de Resende, de 10/05/1910 até 29/04/1924; ? Sigismundo Reschke, de 29/04/1924 até 24/08/1925; ? Carlos Heitor de Azevedo, de 24/08/1925 até 15/08/1926; ? Cezar Pestana, de 15/08/1926 até 02/10/1930; ? Manoel Ribeiro Pontes Filho, de 02/10/1930 até 18/10/1930; ? Vittorio Dal Pai, de 18/10/1930 até 09/12/1930. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 50 | Estas disputas pelo poder entre segmentos locais da sociedade, e também dentro do PRR, a partir de suas facções internas, eram uma característica do modelo borgista de fazer política. Ao provocar instabilidades nas bases locais do partido, esse modelo justificava as constantes intervenções, reafirmando seu poder autoritário. Como exemplo desses conflitos internos, Biavaschi (2011, p. 205) apresenta o seguinte: Em setembro de 1899, Albano Coelho de Souza se exonera de seu cargo e, antes de ser realizada nova eleição, assume como intendente interino Pellegrino Guzzo (de setembro a dezembro de 1899). Elege-se, então Alfredo Lima, Coletor Estadual natural do município de Bento Gonçalves, que completou o mandato que seria de Albano Souza, até 1902, não sem antes entrar em conflito com o padre Mateus Pasquali e de ser acusado e condenado por peculato [...]. Albano Coelho de Souza foi reeleito para o quatriênio de 1902 a 1906, mas não concluiu seu mandato, pois em 1904, após pedir demissão do cargo, nomeia o vice intendente João Leivas de Carvalho. Este foi um período de denúncias de parte a parte e da constituição nítida de dois grupos políticos adversários no interior do PRR de Alfredo Chaves. Os atritos entre Alfredo Lima e Padre Mateus Pasquali podem ser compreendidos como formas de disputa de poder e controle entre instituições, neste caso, a Igreja e a maçonaria. Conforme Biavaschi (2011, p. 214), o Padre Mateus Pasquali ?censurou do púlpito as desordens administrativas e privadas do intendente e seus companheiros? 7 . As denúncias de insatisfação quanto à administração e às arbitrariedades desses coronéis 7 As tensões entre Igreja e maçonaria tiveram como ápice o episódio em que os médicos maçons Luiz Viglierchio, Stanislaw Tempski e Otavio Giuriolo foram acusados de colocar uma bomba no Seminário Seráfico São José, mantido pela Ordem dos Freis Capuchinhos, na madrugada de 20 para 21 de setembro de 1908, simbólica data carbonária e garibaldina. A bomba não foi detonada e os acusados não foram pegos em flagrante, foi instaurado um processo-crime, e os réus foram absolvidos. Os médicos acusavam os frades de charlatanismo, por distribuírem itens de saúde como pílulas e pomadas de Santa Maria e Santa Theresa e óleo de Santa Brígida (Biavaschi, 2011, p. 229). surgiam também do interior do PRR, sobretudo entre as classes comerciais e os profissionais liberais, como relata o médico italiano Attilio Giuriolo (Biavaschi, 2011, p. 217), convicto republicano, referindo-se a Alfredo Lima: Não é só minha opinião pessoal, porém é unânime juízo de todos os comerciantes e de todos os colonos, que a persistência de certas miseráveis plantas nesta ubertosa terra não fará senão exauri-la de todas as suas energias latentes, de toda força vital. Com influência em toda a região, o PRR não encontrava uma força partidária opositora em Alfredo Chaves. No entanto, ao longo da fase inicial da República, o cenário político apresentava divergências internas pelo controle do poder local, exemplificadas pelas disputas entre Albano Coelho de Souza e Alfredo Lima, o que se evidencia nas constantes alterações e renúncias dos chefes do Executivo, com alguns permanecendo no cargo por curtos períodos de tempo (Biavaschi, 2011). O contexto histórico do coronelismo marcou todo o território brasileiro, com peculiaridades próprias, mas sempre caracterizado por compromissos e alianças. Assim, Neves (2003, p. 35) afirma que o coronelismo costurava pela base o sistema político da Primeira República, pois nos municípios os coronéis garantiam a rede de compromissos locais, que se tornava mais complexa e firme ao passar pelos arranjos estaduais, até chegar à definição de quem presidiria o governo federal. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 51 As tensões locais se estenderam por um longo período, durante o qual denúncias de perseguições, corrupção e busca de apoio para as denominadas alianças regionais foram constantes, especialmente entre 1898 e 1910. Biavaschi (2011, p. 213) cita como exemplo dessas práticas que: Mesmo persistindo e sendo reforçadas as acusações de arbitrariedade e de abuso de poder, Leivas de Carvalho foi o candidato oficial do PRR nas eleições municipais de julho de 1906, sendo eleito intendente para o mandato de 1906 a 1910. Como resultado dos descontentamentos com a administração pública, houve denúncias junto ao presidente do estado, Borges de Medeiros, evidenciando [...] que as lutas políticas regionais estavam muitas vezes pautadas pela disputa e obtenção de cargos do funcionalismo, para favorecer familiares ou aliados, como forma de poderio de determinada facção partidária (Biavaschi, 2011, p. 213). Outra característica importante da cultura política desse período é o continuísmo, descrito por Bakos (1998, p. 215) como uma manobra política que tende a manter no poder uma pessoa ou um grupo, sendo uma prática fundamental da doutrina borgista-castilhista, baseada na lealdade política do intendente, assegurada através do compromisso formal de fidelidade ao presidente do estado. Em Alfredo Chaves, o continuísmo pode ser exemplificado pela perpetuação do PRR no poder entre 1898 e 1930 e pela presença do intendente Achylles Taurino de Resende, que permaneceu como chefe do Executivo por catorze anos ininterruptos. As disputas pelo poder ocorriam no interior do próprio partido, pois, mesmo com a existência de oposições, os mecanismos coronelistas e clientelistas garantiam a permanência do PRR no poder, neutralizando as forças contrárias. A gestão de Resende marcou a consolidação do modelo borgista e certa estabilidade interna, dada sua prolongada permanência no poder, sendo descrito como ?prestigiado pelo governo do Estado e credenciado como um eficiente vencedor de pleitos eleitorais? (Franco, 2002, p. 134), bem como ?republicano fiel, político austero e inteligente, autoritário como convinha ao sistema? (Farina, 1992, p. 78). Mesmo com a dominação política, o intendente relatava ao chefe do partido sua preocupação com o elevado número de assinantes do jornal Correio do Povo na localidade, um órgão abertamente oposicionista. A situação mudou parcialmente a partir da Revolução de 1923, que marcou o declínio do modelo borgista de dominação política por meio do Pacto de Pedras Altas 8 , ?um ponto de ruptura com a hegemonia do PRR, iniciando uma transformação significativa do sistema partidário gaúcho? (Oliveira, 2018, p. 103). Cabe destacar que, durante a Revolução de 1923, os confrontos armados entre republicanos e federalistas chegaram à região de Alfredo Chaves, conforme noticiado pelo jornal Correio do Povo em 22 de março de 1923 (Bohusch, 2023): Alfredo Chaves, 20  ? Noticias recebidas agora de Lagoa Vermelha, pelas autoridades, dizem que houve um combate, que durou cerca de duas horas, no Capão Bonito, proximo daquella villa, tendo os revolucionarios 21 mortos e 17 feridos e prisioneiros. As forças do governo tiveram 1 morto e 3 feridos, ficando a villa em seu poder. Accrescentam as noticias que os revolucionarios retiraram-se rumo da Estancia Velha, tendo si praticadas depredações. 8 Biavaschi (2011) afirma que os fatores mais relevantes estão ligados à reforma da Constituição do estado, que passou a proibir as reeleições em cargos executivos, criou eleições para cargos de vices e limitou as intervenções do presidente do estado nos municípios, possibilitando maior liberdade de atuação, inclusive na política municipal. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 52 | Em depoimento a Farina (1992, p. 126), Guilherme Pessato, funcionário da Intendência Municipal durante a Revolução de 1923, também narra sobre acontecimentos na localidade: Até 1923 Alfredo Chaves era uma família só. Mas neste ano a nossa gente começou a se dividir entre borgistas e assisistas. Mas até 1922 aqui havia unidade, praticamente todos era do Partido Republicano Rio-Grandense, isto é, do partido do Borges de Medeiros. Mas em 1923, com a quarta reeleição do Borges de Medeiros, os da oposição do estado, isto é, os seguidores de Assis Brasil não se conformaram com a eleição e partiram para as armas. Aqui também havia fanáticos da oposição. Muita gente da colônia também se levantou contra Borges de Medeiros. A gente nova toda virou a cabeça. Não aceitavam mais os conservadores da ordem e da moral. Não houve lutas em Alfredo Chaves, mas um fato manchou a harmonia da cidade. Certo dia foi realizado um comício dos assisistas na entrada da cidade, onde hoje está o Arco Sul. Nesta reunião houve um desentendimento e um rapaz foi morto à bala e outro ferido. O morto e ferido eram irmãos. Os dois de uma família daqui. Dois indivíduos causaram os fatos lamentáveis e depois fugiram. Ninguém ficou sabendo quem eram os fugitivos. Nunca se esclareceu o ocorrido. Neste cenário de contestação política, somado aos questionamentos do Conselho Municipal quanto às dívidas contraídas pela intendência, Achylles Taurino de Resende renunciou ao cargo em abril de 1924, sendo substituído pelo vice-intendente, Sigismundo Reschke. Em pouco tempo de administração, Reschke entrou em conflito com o Conselho Municipal, que solicitou seu afastamento em 1925 através de um abaixo-assinado, com o objetivo de ?normalizar a precária situação política e administrativa daquele município, que novamente tende a agravar-se pelo irregular comportamento do vice-intendente em exercício?, pois seu ?mandato se torna flagrantemente incompatível com os interesses da política local e seus representantes? (Biavaschi, 2011, p. 235). Essa ação dos conselheiros pode ser compreendida como um sinal do desgaste do modelo borgista, mas também como um crescimento da classe comercial e industrial na política. Após a destituição de Sigismundo Reschke em 1925, o comerciante e industriário local Vittorio Dal Pai escreveu ao presidente do estado contestando a nomeação de Carlos Heitor de Azevedo como intendente substituto e também solicitando a nomeação de um político alinhado aos interesses locais, apontando Cesar Todeschini, ?uma escolha genuinamente popular?, como substituto e candidato oficial do partido (Biavaschi, 2011, p. 236). Foi nesse período de tensões que Alfredo Chaves perdeu uma parte considerável de seu território, devido à emancipação política do distrito de Capoeiras em 11 de agosto de 1924, com o novo município passando a se chamar Prata. Além do território da sede, passaram a integrar o novo município os distritos Vista Alegre e Nova Bassano. Conforme apontado inicialmente, as eleições para intendentes e conselheiros não ocorriam em cenários tranquilos, pois as facções partidárias contavam com pessoas que defendiam seus interesses, os conhecidos cabos eleitorais. No contexto da região da Serra Gaúcha, especialmente na década de 1920, uma dessas pessoas foi Francisco Sanches Filho, conhecido como Paco. Sua atuação como cabo eleitoral do PRR foi marcada pela proteção às autoridades locais, mas também por ameaças, aliciamentos Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 53 e uso de violência nos processos eleitorais, com o objetivo de promover a manutenção dos candidatos desse partido no poder. Ao estudar sobre esse personagem, Rampazzo (2023, p. 62) observa que: Paco, declarado republicano e borgista, aliado aos detentores do poder da época, se presume, foi muito útil a esses em muitas ocasiões, principalmente em épocas de eleições, pois, como cabo eleitoral, ajudou a conseguir muitos votos a favor ? e impedir muitos votos contra ? dos republicanos. Londero (2011, p. 154-155) complementa essa visão ao destacar que a administração legal estava sob o controle de um intendente nomeado pelo governador, que, por sua vez, escolhia seus auxiliares conforme sua conveniência: Paco, conforme relatos de jornais da época, foi visto muitas vezes andando pela cidade ?acompanhando? o intendente da época e foi nomeado, por este, inspetor de quarteirão. [...]. O advogado de defesa de Paco era o melhor da época na região, Antonio Tagliari Filho, formado na Itália, que se empenhava na defesa do mesmo. [...]. Esse advogado é o mesmo que, no ano de 1928, ou seja, após as eleições municipais de 1927, nas quais Paco atua como ?Fósforo? do Partido Republicano Rio-grandense, o que hoje significaria cabo eleitoral, vai fazer às vezes de promotor na tentativa de condená-lo por testemunho falso. Em 1929, com a aliança política entre Republicanos (PRR) e Liberais (PL) 9 para a eleição de um candidato em comum, os serviços de Paco junto aos eleitores se tornaram desnecessários. 9 Conforme Oliveira (2018, p. 103), o Partido Libertador foi formado a partir de 1923, por intermédio da Aliança Libertadora, um movimento de aproximação entre os membros do Partido Federalista e dos republicanos não borgistas. Tal movimento só seria concluído em 1928, com a extinção do Partido Federalista e a fundação do Partido Libertador (PL). Esse contexto marcou o surgimento de uma nova situação política no estado e no município, resultando na perda de prestígio de Paco. Perseguido pelas autoridades locais, ele foi assassinado em uma emboscada em 1931, na Linha Parreira Horta, Comunidade Nossa Senhora de Pompeia, onde residia. Sua atuação como cabo eleitoral em Alfredo Chaves e região coincidiu com o período de declínio e contestação do borgismo, além da ascensão de novas lideranças políticas que culminaram na eleição de Getúlio Vargas para presidência do estado em 1928, por meio de uma candidatura de consenso com a oposição, projetando novas lideranças políticas estaduais (Oliveira, 2018, p. 103) e movimentando também o cenário político municipal. A Era Vargas e a política local (1938-1945) As transformações políticas nacionais oriundas da eleição presidencial de 1930 e dos acontecimentos posteriores que levaram Getúlio Vargas ao poder, com um governo que durou quinze anos ininterruptos, alteraram as políticas administrativas de todo o território brasileiro. É importante salientar que, ao assumir a presidência da República, Vargas destituiu os governadores estaduais e indicou interventores federais de sua confiança. No Rio Grande do Sul, foi nomeado o general Flores da Cunha, objetivando minimizar os poderes regionais e centralizar o poder em nível nacional (Oliveira, 2018, p. 105). A nova organização política e administrativa é descrita por Tavares (1997, p. 175): Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 54 | Durante o período revolucionário de 1930, pelo Decreto n. 19.398 de 11 de novembro de 1930, os Estados passaram a ser governados por um interventor. Seu art. 11 § 4º determinou a nomeação, pelo interventor, de um prefeito para cada Município, ?que exercerá aí todas as funções executivas e legislativas, podendo o interventor exonerá-lo quando entenda conveniente, revogar ou modificar qualquer dos seus atos ou resoluções e dar- lhe instruções para o desempenho dos cargos respectivos [...]?. Foram dissolvidas as assembleias municipais, instituídos os Conselhos Consultivos, compostos de cinco membros: três de livre escolha do prefeito e dois dos maiores contribuintes de impostos municipais. Aboliu-se o sistema representativo enquanto não se elaborasse novo Código Eleitoral e os municípios entraram em pleno regime discricionário [...]. Assim, em nível municipal, foram destituídos os poderes até então estabelecidos, sendo extintas as figuras do intendente e dos conselheiros municipais. Nomeado pelo interventor federal através do Decreto n. 4.662, de 05 de dezembro de 1930, Saul Irineu Farina assumiu como o primeiro prefeito de Alfredo Chaves, governando de forma centralizada até 1936, devido à ausência de Poder Legislativo. Nesse regime de governo, o poder municipal prestava contas da administração pública diretamente ao interventor do estado. O Conselho Consultivo nomeado pelo prefeito foi composto, conforme a lei, pelos representantes dos maiores empreendimentos pagadores de impostos municipais. Foram indicados: da Firma Lunardi, Sacandroglio, Sottili & Cia, o sócio Angelo Aiolfi, republicano; da Firma Antonio Todeschini & Filhos, o sócio Antonio Todeschini, republicano; da Firma Dal Pai Irmãos, o sócio Rovilio Dal Pai, republicano; e, de livre escolha do prefeito, o vigário local, Padre José de Bento Gonçalves (Farina, 1992, p. 137). Houve algumas substituições nos membros do conselho por razões de ordem privada. Também ocuparam o cargo de conselheiros em determinados períodos os comerciantes Luiz Busatto, Marcello Giordani e Renato dos Santos 10 . Conforme aponta Ivo Sasso, em depoimento a Farina (1992, p. 141), com o fim da Revolução de 1930, foi fundado em Alfredo Chaves o Partido Republicano Liberal (PRL) 11 , que reunia remanescentes locais dos antigos PRR e PL, e acrescenta: Aconteceu que encontrei em Alfredo Chaves um sério desentendimento entre o prefeito nomeado, Saul Irineu Farina, e vários funcionários estaduais que eram frequentemente denunciados pelo prefeito, como adversários políticos e obrigados a prestarem esclarecimentos nas respectivas repartições em Porto Alegre, estávamos em pleno regime discricionário. Vinculado ao PRL, Saul Irineu Farina demonstrou, ao longo dos sete anos de seu mandato, um alinhamento ao governo Vargas, mas, sobretudo, com os líderes de seu partido: Osvaldo Aranha e Flores da Cunha. Durante sua gestão, foram realizadas anualmente festividades em comemoração à ?Revolução de 1930?, conforme descrito em relatório encaminhado ao interventor federal, em tom ufanista: O povo desta terra, honesto e trabalhador, tem recebido com simpatia todos os atos que decorrem como consequencia do novo estado de cousas creado pela gloriosa Revolução de 3 de Outubro, que previu extirpar os males do regime decaído, para implantar as verdadeiras normas de uma sã administração. 10 Prefeitura Municipal de Veranópolis. Relatório do prefeito municipal Saul Irineu Farina ao Interventor Federal no Estado. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1934. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. 11 Conforme Osório (1992), o PRL foi fundado em 1932, por Osvaldo Aranha e pelo general Flores da Cunha, como forma de apoio ao governo de Getúlio Vargas. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 55 Carreata em comemoração à Revolução de 1930, Alfredo Chaves, década de 1930 (autoria não identificada, acervo do Mumver) A prova disso está nas grandiosas manifestações populares levadas a efeito, por iniciativa desta Prefeitura, com o fim de comemorar dignamente o primeiro aniversário da Epopeia Outubriana. Milhares de pessoas, vindas de todos os recantos deste município, tomaram parte nos importantes festejos, que duraram dois dias 12 . 12 Prefeitura Municipal de Veranópolis. Relatório do prefeito municipal Saul Irineu Farina ao Interventor Federal no Estado. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1932. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. Em 1931, houve a solenidade de inauguração dos retratos de Osvaldo Aranha e Flores da Cunha no salão nobre da prefeitura, demonstrando o culto à personalidade dos líderes através de sua presença simbólica. Essas práticas evidenciam características comuns aos regimes autoritários de meados do século XX no Brasil, marcados pela onipresença da imagem do governante ou de seu governo nos espaços públicos e pela idolatria à figura Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 56 | do líder, visando passar a impressão de que o chefe de Estado é infalível e capaz de administrar (Boeckel, 2005, p. 34). Nesse período, ocorreu uma importante mudança no cenário político brasileiro: a criação do Código Eleitoral, pois, até então, não havia Justiça Eleitoral no Brasil. Segundo Schwarcz e Starling (2015, p. 362): Os brasileiros não podiam votar em nenhuma instância política e para nenhum cargo executivo ou legislativo; a partir de 1932, porém, para demonstrar a bem-intencionada, mas sempre postergada disposição constitucional de seu governo, o país passou a dispor de um novo Código Eleitoral moderno e democrático. O novo código criava a Justiça Eleitoral, adotava o voto secreto em gabinete indevassável e encerrava com o argumento caro ao republicanismo europeu dos séculos XVII e XVIII de que votar significava manifestar uma preferência em público. Com essas duas medidas, o código inviabilizou um conjunto de fraudes característico do sistema representativo da Primeira República: o voto secreto protegia o eleitor das pressões das elites regionais em meio às disputas políticas estaduais; a Justiça Eleitoral entregava a juízes profissionais a fiscalização das eleições, da apuração dos votos e o reconhecimento dos eleitos. O novo código também reconhecia uma conquista formidável das mulheres: o direito de votar e de serem votadas. Durante o ano de 1934, Saul Irineu Farina empreendeu intensa propaganda política para o PRL, em colaboração com a Ação Católica local, promovendo comícios e fundando três grêmios políticos liberais: Grêmio Republicano Liberal Guilherme Flores da Cunha, no distrito central; Grêmio Republicano Liberal Gal. Flores da Cunha, no Distrito de Monte Veneto; e Grêmio Republicano João Carlos Machado, em Bela Vista. Essas movimentações buscavam fortalecer o PRL para as eleições de deputados estaduais e federais e, sobretudo, minimizar as forças da oposição. Em Alfredo Chaves, o PRL conquistou 1.073 votos no âmbito estadual e 1.067 no âmbito federal, enquanto a oposição, representada pela Frente Única Gaúcha, obteve 544 e 533, respectivamente 13 . A partir da promulgação da Constituição de 1934, foram restabelecidas as eleições municipais, que, no entanto, não ocorreram com tranquilidade em Alfredo Chaves. Em correspondências ao interventor Flores da Cunha, Saul Irineu Farina relata as posturas da oposição no cenário político local. Representada pela Frente Única Gaúcha, a oposição é acusada de proferir ?mentiras e insultos assacados? contra o ?incansável Interventor Federal? 14 . Farina também denuncia o empresário Asterio de Mello como líder abertamente oposicionista, o que estaria causando uma ?atitude geral de indignação? 15 . Além disso, ele relata episódios de violência, mencionando que, em 20 de outubro de 1935, um frenteunista teria agredido dois ?devotados e ardorosos correligionarios da velha e conceituadissima familia Dal Pai? 16 . Nesse cenário, concorreram na eleição de 1935: Saul Irineu Farina (PRL) e Cesar Todeschini (PP) 17 , sendo Farina reconduzido 13 Prefeitura Municipal de Veranópolis. Relatório do prefeito municipal Saul Irineu Farina ao Interventor Federal no Estado. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1935. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. 14 Correspondência Saul Irineu Farina ? Gal. Flores da Cunha, Alfredo Chaves, 22 jul. 1934. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. 15 Correspondência Saul Irineu Farina ? Gal. Flores da Cunha, Alfredo Chaves, 30 ago. 1935. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. 16 Correspondência Saul Irineu Farina ? Gal. Flores da Cunha, Alfredo Chaves, 25 out. 1935. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. 17 Não foram encontradas informações que caracterizem o Partido Popular (PP), sua ideologia ou linha de atuação, somente que se tratava de um movimento partidário de âmbito local. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 57 Prefeito e vereadores na cerimônia de promulgação da Lei Orgânica Municipal de Alfredo Chaves, 1935 (autoria não identificada, acervo do Arquivo Público Municipal de Veranópolis) ao poder com 1.301 votos, contra 441 de Todeschini. No período, houve também duas importantes restituições constitucionais. Primeiramente, o restabelecimento do Poder Legislativo municipal, ao qual foram eleitos para a primeira composição da Câmara de Vereadores, pelo PRL: Ivo Sasso, Rovilio Dal Pai, Egydio Martini, Julio Lunardi e Augusto Manica; e pelo PP: Guilherme Giordani e Adriano Farina. Em segundo lugar, a promulgação da Lei Orgânica Municipal em 1935. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 58 | Em 28 de dezembro de 1935, os vereadores eleitos tomaram posse 18 , com a consequente realização da primeira sessão ordinária em 03 de fevereiro de 1936, na qual foi tratada a elaboração do Regimento Interno da casa, que viria a normatizar suas atividades legislativas. O documento foi aprovado no fim daquele mesmo ano. Contudo, essa reorganização política e administrativa do município não teve longa duração, pois, em fins de 1937, Getúlio Vargas promoveu um novo golpe de Estado, instaurando um governo ditatorial denominado Estado Novo, que proscreveu todos os partidos políticos do Brasil. Assim, Saul Irineu Farina foi destituído de seu cargo, e a Câmara de Vereadores foi dissolvida 19 . Novamente, houve intervenções federais nos estados e municípios. Como consequência, Rogerio Galeazzi 20 foi nomeado ao cargo de prefeito em 22 de fevereiro de 1938, por decreto do interventor federal Mauricio Cardoso, exercendo a função até 1946. Quanto à estrutura administrativa municipal, Colussi (1996, p. 97-98) aponta que esse período foi marcado por uma valorização muito maior da esfera de poder municipal do que em qualquer outra fase da história brasileira, uma vez que se buscava a construção 18 Prefeitura Municipal de Veranópolis. Relatório do prefeito municipal Saul Irineu Farina ao governador do Estado. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1936. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. 19 Ata de dissolução da Câmara de Vereadores, 16 nov. 1937. Arquivo Câmara de Vereadores de Veranópolis. 20 Durante a gestão de Rogerio Galeazzi (1938-1946), deu-se a tramitação para troca do nome do município de Alfredo Chaves para Veranópolis, que, embora compreendida como uma questão política e institucional, será tratada no último capítulo desta obra. do Estado nacional a partir do enfraquecimento dos poderes estaduais, em favor do fortalecimento do governo federal. O contexto político ditatorial, nacionalista e anticomunista, somado ao conflito da Segunda Guerra Mundial, motivou a outorga de inúmeros decretos-lei pelo governo federal, que promoveram o cerceamento das liberdades civis e políticas de brasileiros e estrangeiros. Essa campanha de nacionalização obrigou os distritos Monte Veneto e Bella Vista a mudarem de nome, passando às denominações de Cotiporã e Fagundes Varela, respectivamente. Os topônimos adotados fazem referência à cultura nacional: Cotiporã é uma palavra de origem tupi-guarani que significa ?lugar bonito?, enquanto Fagundes Varela faz referência a Luiz Nicolau Fagundes Varela, expoente da literatura romântica brasileira e Patrono da Academia Brasileira de Letras. Conforme Busatto (2006, p. 18), Alfredo Chaves é impactada diretamente pelo acentuado número de estrangeiros, sobretudo italianos, residentes na localidade. A então Società Italiana Principe di Piemonte, criada ainda em 1894 com a finalidade de ?onorare e difendere il nome italiano e cooperare all?ingrandimento ed al benessere del paese che se ospita?, teve suas atividades interrompidas devido ao seu caráter político e maçônico e à sua ligação com a Itália. De acordo com o Decreto- Lei n. 383, de 18 de abril de 1938 (Brasil, 1938), as atividades políticas dos estrangeiros no Brasil foram vedadas, conforme consta em seus primeiros artigos: Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 59 Art. 1º Os estrangeiros fixados no território nacional e os que nele se acham em carater temporário não podem exercer qualquer atividade de natureza política nem imiscuir-se, direta ou indiretamente, nos negócios públicos do país. Art. 2º É-lhes vedado especialmente: 1 ? Organizar, criar ou manter sociedades, fundações, companhias, clubes e quaisquer estabelecimentos de carater político, ainda que tenham por fim exclusivo a propaganda ou difusão, entre os seus compatriotas, de idéias, programas ou normas de ação de partidos políticos do país de origem. A mesma proibição estende-se ao funcionamento de sucursais e filiais, ou de delegados, prepostos, representantes e agentes de sociedades, fundações, companhias, clubes e quaisquer estabelecimentos dessa natureza que tenham no estrangeiro a sua sede principal ou a sua direção. 2 ? Exercer ação individual junto a compatriotas no sentido de, mediante promessa de vantagens, ou ameaça de prejuízo ou constrangimento de qualquer natureza, obter adesões a idéias ou programas de partidos políticos do país de origem. 3 ? Hastear, ostentar ou usar bandeiras, flâmulas e estandartes, uniformes, distintivos, insígnias ou quaisquer símbolos de partido político estrangeiro. 4 ? Organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza, e qualquer seja o número de participantes, com os fins a que se referem os incisos ns. 1 e 2. 5 ? Com o mesmo objetivo manter jornais, revistas ou outras publicações, estampar artigos e comentários na imprensa, conceder entrevistas; fazer conferências, discursos, alocuções, diretamente ou por meio de telecomunicação, empregar qualquer outra forma de publicidade e difusão. O decreto ainda obrigou a requisição para funcionamento de órgãos associativos junto ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, que, mediante avaliação estatutária, concederia ou não a permissão. Havia, ainda, a necessidade de obter prévia autorização das autoridades policiais para a realização de reuniões entre estrangeiros, com a devida comunicação sobre o local e a natureza dos encontros. Sendo assim, a Società Italiana Príncipe di Piemonte reformulou seu estatuto para continuar ativa, trocando seu nome explicitamente italiano, modificando suas diretrizes e a língua falada e escrita nas atas de reuniões. Em 14 de agosto de 1938, com o prazo estabelecido pelo decreto-lei esgotado, foi criada a Sociedade Alfredochavense, deixando evidente em seu estatuto a imparcialidade em relação a discussões políticas, nacionais ou internacionais, com o objetivo principal de ?promover diversão de caráter social e cultural, vedando, terminantemente, qualquer discussão de ordem política, quer nacional, quer estrangeira? (Busatto, 2006, p. 19). A nova sociedade continuou com sede no mesmo endereço, porém o nome da antiga sociedade e o brasão da Coroa Italiana foram removidos da fachada. Conforme aponta Giron (1994, p. 131-132), com o alinhamento do Brasil aos EUA no contexto do conflito mundial, as relações diplomáticas com os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) foram rompidas, resultando em gradativos e novos cerceamentos das liberdades individuais dos estrangeiros dessas naturalidades. Em 1º de fevereiro 1942, a Delegacia Regional de Polícia publicou um edital no jornal A Época estabelecendo as seguintes restrições: Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 60 | Giron (1994, p. 132) destaca que: ?As medidas tomadas pela Delegacia Regional de Polícia não constituíam uma posição isolada, mas faziam parte da política geral do governo federal em relação à segurança nacional?, variando de acordo com os objetivos de prevenção, controle, repressão ou punição. Cada uma dessas instâncias aplicava-se a três categorias: as liberdades individuais dos estrangeiros; seus bens e propriedades; e as instituições vinculadas a eles. A construção de um Estado Nacional coeso envolveu a veneração dos grandes vultos e feitos da história nacional, o 1. Os estrangeiros nacionais da Alemanha, Itália e Japão devem comunicar sua residência em 30 dias, à Delegacia de Polícia; 2. Não lhes é permitido: a. viajar para outro lugar, sem licença da Delegacia de Polícia; b. reunir-se ainda que em casas particulares e à título de caráter particular (aniversários, bailes, banquetes); c. discutir ou trocar ideias sobre a situação internacional; d. mudar de residência sem prévia autorização. 3. Devem entregar suas armas na delegacia acompanhadas do respectivo registro; 4. Ficam cassadas as permissões para negociar armas, munições e explosivos; 5. É proibido: a. distribuição de escritos em língua dos países com os quais o Brasil rompeu relações; b. cantar ou tocar hinos das referidas potências; c. fazer saudações dos referidos países; d. exibir retratos de membros dos governos dos referidos países; e. usar o idioma estrangeiro em locais públicos (bares, restaurantes, lojas); 6. Todos livros e materiais de propaganda daquelas potências devem ser entregues à Delegacia de Polícia. incentivo ao amor por ideais nacionais e virtudes patrióticas. Dessa forma, os municípios adotaram um cronograma de comemorações de datas e festas cívicas para afirmar o sentimento nacionalista, especialmente entre crianças e adolescentes. A criação de elementos de culto à pátria também foi marcante nesse período, como exemplificado pelo Fogo Simbólico da Pátria. Criado no Rio Grande do Sul como um elemento afirmativo do civismo brasileiro, o Fogo Simbólico foi disseminado em todo o Brasil através das atividades da Liga de Defesa Nacional. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 61 Evento cívico da Semana da Pátria na Praça XV de Novembro, Alfredo Chaves, 1938 (Foto Perin, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 62 | Corrida de Revezamento do Fogo Simbólico realizada pelo Tiro de Guerra de Alfredo Chaves durante comemorações da Semana da Pátria de 1943 (autoria não identificada, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 63 A campanha de nacionalização empreendida pelo governo Vargas durante o Estado Novo deu atenção especial à infraestrutura viária brasileira, buscando integrar regiões isoladas aos principais centros econômicos do país. Conforme Detogni (2006, p. 53-54), o projeto da ponte sobre o Rio das Antas coincidiu com esse momento político nacional, que, ?no que tange à política viária, procurou organizar, a partir do Plano Geral de Viação na década de 1940, um conjunto de obras a fim de buscar uma maior eficiência nos meios de transporte e comunicação necessários ao país?. O autor acrescenta que: [...] o projeto político de Vargas era poder tirar do isolamento e das influências nazifascistas regiões de colonização europeia. Igualmente, a política de Vargas, sobretudo no que diz respeito às obras de infraestrutura nacional, demonstrou a preocupação com a integração nacional procurando fazer do país uma nação forte e articulada ao centralismo político-administrativo, característica do Estado Novo. Entre as obras realizadas com recursos federais neste período, inclui-se a ponte do Rio das Antas (Detogni, 2006, p. 53-54). As obras iniciadas em 1942 estenderam-se até 18 de janeiro de 1944, quando ocorreu o colapso do cimbre, interrompendo sua construção e adiando-a por mais quatro anos. Em um contexto de transformações políticas, econômicas e sociais pelas quais passava a sociedade brasileira, Detogni (2006, p. 83) afirma que, a partir de 1945, o Estado Novo ruía, a Segunda Guerra Mundial estava chegando ao fim e o Brasil inaugurava um novo momento político nacional. Democracia novamente: política e desenvolvimentismo em Veranópolis (1946-1964) A posse do presidente eleito Eurico Gaspar Dutra em 31 de janeiro de 1946, a promulgação da Constituição de 1946 e a realização de eleições municipais em 15 de novembro de 1947 restituíram a democracia no Brasil. Guilherme Pessato assumiu provisoriamente o Executivo municipal de Veranópolis em 27 de outubro de 1946, exercendo a função até a realização das eleições, quando Adriano Farina foi empossado como prefeito eleito em 09 de dezembro de 1947 (Detogni, 2006, p. 83). Foram eleitos e empossados também os vereadores da legislatura 1948-1951: Remo Rômulo Farina, Aristides Zanette, Aleixo Sfredo, Domingos Faganello, Fioravante Pessin, Gomercindo Röehe, Rogério Galeazzi e Alcides Baldissera. Territorialmente, o município passou a ter um novo distrito a partir de 1955, denominado Vila Flores 21 . Nesse novo contexto constitucional, o papel dos municípios é descrito por Tavares (1997, p. 177): A Constituição [...] deu ao Município um relevo de que até então ele não havia gozado. Ainda que tenha revigorado a autonomia dos Estados, os Municípios também tiveram sua própria autonomia ampliada por força de ter sido subtraída aos Estados a função de controle e de fiscalização. [...]. A Constituição de 1946, sem ir até onde deveria ter ido, restaurou a autonomia municipal e deu nova oportunidade de intensa política municipalista. O termo desenvolvimentismo, compreendido como um conceito político que envolve a implementação de um projeto 21 Ata n. 45, 09 de dezembro de 1955. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores de Veranópolis. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 64 | Terraplenagem para construção da pista do Aeródromo Municipal de Veranópolis, década de 1950 (Foto Bridi, acervo do Mumver) nacional de industrialização e de intervencionismo pró- crescimento, foi utilizado nesse período da história do município como um reflexo da política nacional da época. Esse conceito tornou-se perceptível no município a partir das numerosas obras públicas de remodelação da cidade. Empreendidas durante as gestões dos prefeitos entre 1947 e 1963, essas obras envolveram programas de pavimentação, saneamento, conservação de ruas e pontes, bem como reformas para qualificação de espaços públicos, como praças e escolas, conforme detalhado em seus relatórios de gestão 22 . Nas décadas de 1940 e 1950, surgiram importantes indústrias locais que remodelaram a economia do município nas décadas subsequentes. Entre elas, destacam-se: Ovídio Guzzo 22 Acervo do Arquivo Público Municipal de Veranópolis. & Irmãos, fabricante de bebidas; Galeazzi & Cia. e Todeschini, Dal Ponte e Cia., setor de curtimento de couros; fábricas Palhas Satélite, Andreoni & Boito e Moraes & Cia., beneficiamento de palhas de milho; Renner & Beltrami, beneficiamento do linho; E.R. Amantino, Boito & Cia. Ltda., fabricante de espingardas; e Matadouro Municipal, entre outras que serão apresentadas no capítulo sobre a história da indústria local. Além dessas iniciativas, o setor de transportes também passou por transformações importantes, incluindo a fundação do Aeroclube de Veranópolis em 1947 e a subsequente construção do Aeródromo Municipal, bem como a inauguração de duas vias de transporte terrestre: a Ponte Ernesto Dornelles em 1952 e a Linha Férrea Tronco Principal Sul em 1958. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 65 Vila Ferroviária da 4ª Seção do Rio da Prata, Veranópolis, década de 1960 (Foto Parise, acervo do Mumver) Batalhão Ferroviário de Bento Gonçalves na inauguração do Viaduto da Linha Férrea Tronco Principal Sul, Veranópolis, 1958 (Foto Parise, acervo do Mumver) No período entre 1948 e 1952, foram retomadas as obras da ponte sobre o Rio das Antas, que ganharam impulso durante o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954). Nesse momento, o país experimentou novamente uma política de caráter nacionalista, que demonstrava o interesse em fortalecer a unidade do país (Detogni, 2006, p. 43). Detogni (2006, p. 19) indica que essa obra pode ser considerada uma das grandes propulsoras do desenvolvimento local, pois sua ausência freou o [...] desenvolvimento comercial e industrial de Veranópolis até os primórdios da década de 1950. Com a construção da ponte estes setores econômicos se desenvolveram e começaram a interligar- se com outros centros da região Norte, Nordeste e Planalto do Rio Grande do Sul. A execução da obra também movimentou as tribunas da Assembleia Legislativa do estado, sobretudo nas manifestações do então deputado Saul Irineu Farina (PTB), que pronunciou em discurso: Um potencial econômico dos mais expressivos à mercê dos caprichos das águas dum rio ? filas enormes de caminhões ? transportes aguardando pacificamente a oportunidade duma travessia... ? Aberta a concorrência há pouco tempo, quando terão início os trabalhos de reconstrução da ponte? Um problema que precisa ser equacionado e resolvido resolutamente. 23 23 Anais da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, v. 33, p. 178-179, 08 nov. 1949. Memorial do Legislativo do Rio Grande do Sul. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 66 | Saul Irineu Farina manifestou-se inúmeras vezes na tribuna parlamentar sobre suas preocupações com a demora na retomada da construção da ponte. Para ele, defender a importância da obra para a economia gaúcha não apenas repercutiria na integração dos mercados produtores e consumidores do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, mas também atenderia aos interesses de sua base eleitoral, pois ele era representante de Veranópolis e, pouco depois, em 1956, assumiria novamente o cargo de prefeito local, eleito. Sua atuação parlamentar em defesa da execução da obra lhe rendeu o apelido de ?Farinópolis?, dado por um colega de plenário que considerou excessiva a sua valorização das causas de sua terra (Detogni, 2006, p. 85-87). Outras instâncias de poder também se envolveram na demanda por celeridade na execução dessa obra, como o prefeito Adriano Farina. No Congresso Regional de Vereadores de 1949, realizado em Caxias do Sul, os vereadores veranenses Remo Rômulo Farina e Angelo Scarton mobilizaram lideranças das casas legislativas da região serrana para pressionar as autoridades competentes pela retomada da construção (Detogni, 2006, p. 89). No início da década de 1950, o retorno de Getúlio Vargas ao poder (1951-1954), simbolizava a retomada da política econômica de caráter intervencionista e nacionalista. O Plano LAFER tinha por finalidade o desenvolvimento da indústria de base, energia, agricultura e o setor de transportes. Este cenário permeava o reinício das obras de construção da ponte sobre o rio das Antas no início da década. [...] A ponte foi reiniciada em 12 de janeiro de 1950, quando a empresa Christiani & Nielsen, do Rio de Janeiro, de origem dinamarquesa, assumiu a execução final. Foram utilizados 50 mil sacos de cimento e 440 toneladas de ferro para sustentar o monumento, que possui o maior arco das Américas. [...] Havia, portanto um sentimento que convergia para a exaltação dos feitos nacionais como foi a própria construção da ponte que acabou por tornar-se um orgulho não apenas da engenharia nacional, mas para a construção da própria história desse país e de Veranópolis (Detogni, 2006, p. 89-105). Ao abordar a nova organização partidária brasileira, Oliveira (2018, p. 107) destaca que o sistema que ?emergiu após o período de exceção do Estado Novo foi profundamente diferente do que lhe antecedeu. Pela primeira vez, e por imposição de regra estipulada ainda sob Vargas (Lei Agamenon), surgiram agremiações nacionais?. A partir dessa reformulação, foram formados dois partidos ligados ao governo de Getúlio Vargas, que protagonizaram as disputas políticas em Veranópolis: O PSD [Partido Social Democrático] foi estruturado nos estados a partir dos interventores nomeados pelo presidente, tornando- se, no RS, depositário dos partidos governistas do período anterior (PRR e PRL). Também no PSD gaúcho havia uma Ala Trabalhista, formada por agentes do governo e sindicais ligados ao governo Vargas. Principal novidade do sistema partidário pós-1945, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foi formado no RS pela dissidência de parte da Ala Trabalhista do PSD logo em 1945. [...]. O PTB no RS contou com lideranças que, embora ligadas a Getúlio Vargas, formaram-se politicamente no próprio partido, como Leonel Brizola, governador de 1959 a 1963; e João Goulart, presidente do Brasil de 1961 até o golpe militar de 1964 (Oliveira, 2018, p. 107). Com o restabelecimento da ordem democrática e a instituição de eleições permanentes para os poderes Executivo e Legislativo, nas quais os partidos lançavam candidaturas nominais para prefeito e vice-prefeito, foram eleitos entre 1946 e 1963: Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 67 ? Adriano Farina (PTB) e João Missaglia (PTB), de 09/12/1947 até 31/12/1951; ? Fabiano Reschke (PSD) e Angelo Scarton (PSD), de 31/12/1951 até 31/12/1955; ? Saul Irineu Farina (PTB) e Cardênio Boff (PSD), de 29/01/1956 até 31/12/1959; ? Argemiro Frainer (PTB) e Elias Ruas Amantino (PTB), de 31/12/1959 até 31/12/1963. ? Elias Ruas Amantino (PTB) e Cardênio Boff (PSD), de 31/12/1963 até 31/01/1969 24 . Os quocientes eleitorais apresentados pela Justiça Eleitoral, por meio do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, fornecem dados importantes sobre a situação política e partidária do município, disponibilizados a partir de 1959. Naquele ano, compareceram 6.539 dos 6.901 eleitores habilitados, distribuídos em 32 seções eleitorais. Concorreram ao cargo de prefeito Argemiro Paulo Frainer (eleito com 3.346 votos, PTB) e Urbano Alves de Moraes (2.910 votos, PSD); e ao cargo de vice-prefeito Elias Ruas Amantino (eleito com 3.124 votos, PTB) e Fabiano Reschke (3.091 votos, PSD). Além disso, foram eleitos cinco vereadores pelo PTB (5.562 votos): Adolpho Dal Molin, Fiorelo Henrique Chiaradia, Raymundo Zanettini, Idemundo Tedesco e Alderico Netson; e quatro vereadores pelo PSD (2.634 votos): Nilo Tonial, Ney José Abruzzi, Agenor Fiori e Artur Bernardo Smaniotto. As legendas que receberam a quase totalidade dos votos foram PTB e PSD, evidenciando a influência do 24 Foram eleitos ainda em 1963, mas desenvolveram sua gestão no contexto de mudanças políticas ocorridas com o golpe militar de 1964. trabalhismo na cidade. Porém, esses não eram os únicos partidos no munícipio. O PL recebeu somente 262 votos, insuficientes para ter direito a uma cadeira no Poder Legislativo 25 . Os contextos de disputas políticas nacionais e estaduais repercutem diretamente nos cotidianos locais, como no caso da crise sucessória presidencial ocorrida em 1961, resultante da renúncia de Jânio Quadros e dos subsequentes movimentos de contestação e afirmação à posse do vice-presidente João Goulart. No Rio Grande do Sul e em Veranópolis, teve início a Campanha da Legalidade, liderada, em nível estadual, pelo governador Leonel Brizola e, em nível municipal, por lideranças petebistas como Argemiro Frainer, Elias Ruas Amantino e Saul Irineu Farina, cujo objetivo era promover publicamente o apoio à posse de João Goulart como presidente da República.25 Resultados das eleições municipais de 1959, conforme o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, no Portal da Justiça Eleitoral. Lideranças locais pró-legalidade, Veranópolis, 1961 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 68 | Veranópolis e ditadura civil-militar: uma breve contextualização (1964-1988) O golpe militar ocorrido em 1964 impôs uma ruptura na democracia que vinha se consolidando no Brasil. Em nível municipal, num primeiro momento, não houve impacto sobre os processos eleitorais, visto o golpe ter ocorrido durante a gestão de Elias Ruas Amantino e Cardênio Boff. Entretanto, os mandatos dos poderes Executivo e Legislativo foram prorrogados por mais treze meses, por determinação da Constituição outorgada em 1967. Farina (1992, p. 164), apresenta uma declaração de Elias Ruas Amantino, então prefeito de Veranópolis, quanto à repercussão do golpe de 1964 no cotidiano político local: Felizmente, aqui não aconteceu nada grave. Em muitos municípios houve prisões, aqui não. Na manhã de 1º de abril, Fabiano Reschke, que era o Presidente da Câmara, esteve no meu gabinete, conversamos longamente sobre tudo que estava acontecendo e, de comum acordo, decidimos manter a calma no município. Cada um faria o possível para acalmar os ânimos dos mais exaltados, tanto do PTB como do PSD. Conforme apontam Schwarcz e Starling (2015, p. 458), a partir de sucessivos Atos Institucionais, o poder centralizador e autoritário dos presidentes da República foi cerceando as liberdades políticas do povo brasileiro e reformulando os cenários eleitoral e partidário do Brasil: O Ato nº 3 foi assinado pelo general Castello Branco em fevereiro de 1966, e se encarregaria de acabar com as eleições diretas para governadores. Além do mais, um Ato Complementar serviria para alterar a correlação das forças políticas no Congresso e nas Assembleias Estaduais, ao estabelecer as normas para criação de apenas dois partidos: um de apoio ao governo, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), e outro de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Os dois atos encerravam a experiência do pluripartidarismo iniciada em 1946 e suprimiam a cidadania dos brasileiros: nos dezessete anos seguintes, a população perdeu o direito de eleger governadores, e teria de esperar vinte e três anos para escolher um presidente da República. Nesse contexto de bipartidarismo, as lideranças antes pertencentes ao PSD e PL ingressaram no partido governista, a Arena; em contrapartida, os membros do PTB adentraram no MDB, partido que congregava variados setores de oposição à ditadura civil-militar. Com a criação de candidaturas partidárias para as eleições de prefeito e vice-prefeito, exerceram o cargo de chefe do Executivo municipal em Veranópolis: ? Nadyr Peruffo e Leonir Farina (MDB), de 31/01/1969 até 31/01/1973; ? Lírio Soares e Adelino Orso (Arena), de 31/01/1973 até 31/01/1977; ? Nadyr Peruffo e Luiz Tedesco (MDB), de 31/01/1977 até 31/01/1983; ? Elias Ruas Amantino e Nicanor Matiello (MDB), de 31/01/1983 até 31/12/1988. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 69 Os quocientes das eleições para prefeito e vereadores demonstram a força do MDB local, com a Arena conquistando o Executivo e maioria no Legislativo somente durante o processo e arrefecimento do aparato ditatorial, sobretudo após a outorga do Ato Institucional n. 5 (AI-5). Nesse período, sugiram as sublegendas eleitorais, primeiramente normatizadas pelo Ato Complementar n. 26, de 29 de novembro de 1966, posteriormente instituídas através da Lei n. 5.453, de 14 de junho de 1968 (Brasil, 1968). O sistema de sublegendas, conforme explicam Gerardi e Madeira (2012, p. 2), foi uma das formas encontradas para amenizar conflitos e viabilizar a manutenção da unidade no interior dos partidos políticos, especialmente da Arena. Esse mecanismo permitia resolver o problema da representação de diferentes grupos nas eleições, permitindo que até três nomes por partido fossem lançados em cada disputa eleitoral, de modo que as facções internas (geralmente representadas pelos remanescentes dos antigos partidos) se sentissem contempladas. Os quocientes das eleições ocorridas entre 1968 e 1982 no município ilustram o uso desse mecanismo e fornecem outros dados sobre o eleitorado local 26 : Eleições 1968 ? Eleitorado de 10.569 aptos, com 9.400 votantes, distribuídos em 45 seções. Arena: Cardênio Boff e Ney José Abruzzi ? 3.011 votos; Olivo Ghiggi e Carlos Luiz Bisato ? 574 votos; Clemente Guindani e Angelo Scarton ? 780 votos. Vereadores eleitos: Lirio Soares, Sauro Cypriano Guindani, Anselmo Zanolla e Guerino Cosmo Rigon, perfazendo 4.257 votos. 26 Resultados das eleições municipais de 1968 a 1982, conforme o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, no Portal da Justiça Eleitoral. MDB: Nadyr Peruffo e Leonir Farina ? 3.307 votos; Victorino Dal Molin e Andrea Argenta ? 731 votos; Alderico Netson e Navilio Pierozan ? 664 votos. Vereadores eleitos: Clarindo Tedesco, Magno Brito, Severino De Carli, Leonel Paludo, Fioravante Tansini, perfazendo 4.568 votos. Eleições 1972 ? Eleitorado de 11.626 aptos, com 10.682 votantes, distribuídos em 52 seções. Arena: Lirio Soares e Adelino Orso ? 3.789 votos; Isidoro Giaretta e Gomercindo Röehe ? 1.371 votos. Vereadores eleitos: Zenaide Boff, Neri Mattiuz, Egidio Morgan, Norberto Paludo e Alcides Bertochi, perfazendo 5.110 votos. MDB: Leonir Farina e Edegar Chiaradia ? 3.799 votos; Victorino Dal Molin e Gentil Lunardi ? 625 votos; Severino De Carli e Navilio Pierozan ? 602 votos. Vereadores eleitos: Ozeno Lazzarotto, Alderico Netson, Leduino Domeneghini e Luiz Tedesco, perfazendo 4.892 votos. Eleição 1976 ? Eleitorado de 13.085 aptos, 12.354 votantes, distribuídos em 79 seções. Arena: Adelino Orso e Valdemar Balestrin ? 1.875 votos; Isidoro Giaretta e Guerino Rigon ? 1.651 votos; Paulo Valduga e Roque Ferronato ? 2.097 votos. Vereadores eleitos: Orlando Amaral Ribeiro, Waldemar Pertile, Neri Mattiuz, Moacir Durli e Norberto Paludo, perfazendo 5.533 votos. MDB: Nadyr Peruffo e Luiz Tedesco ? 5.582 votos; Carlos José Ceccato e Luiz Tedesco ? 373 votos; Fioravante Tansini e Luiz Tedesco ? 327 votos. Vereadores eleitos: Sadi Cassol, Attilio Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 70 | Bassani, Dalmo Scussel, Leduino Domeneghini e Demetrio Bissani, perfazendo 6.273 votos. Eleições 1982 ? Eleitorado de 12.788 aptos, 11.896 votantes, distribuídos em 68 seções. MDB: Elias Ruas Amantino e Nicanor Matiello ? 3.610 votos; Argemiro Frainer e Nicanor Matiello ? 934 votos; Dalino Pessin e Nicanor Matiello ? 2.130 votos. Vereadores eleitos: Edir Domeneghini, Natal Anzolin, Luiz Tedesco, Argelindo Dall?Agnol, Sergio Cortellini, Clovis Giroletti, Demetrio Bissani, perfazendo 6.617 votos. PDS: Elcio Siviero e Waldemar Pertile ? 2.014 votos; Lirio Soares e Valdemar Pertile ? 1.190 votos; Paulo Valduga e Valdemar Pertile ? 1.082 votos. Vereadores eleitos: Moacir Durli, Neri Mattiuz, Guerino Rigon e Cezar Abruzzi, perfazendo 4.340 votos. PDT: Valdecir de Almeida Freitas e Geraldo Chiaradia ? 102 votos. Não foram eleitos vereadores. A última eleição denota algumas das mudanças ocorridas no lento processo de abertura política iniciado a partir de 1979, quando o AI-5 foi revogado, com a consequente reforma partidária nacional. Essas mudanças delinearam o cenário político local na década de 1990 e no início dos anos 2000, das quais se destacam a presença de um novo partido na disputa para o Executivo municipal, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), e a dissolução da Arena, que passou a ser representada pelo Partido Democrático Social (PDS). A década de 1980 marcou o surgimento dos movimentos emancipacionistas nos distritos de Veranópolis, todos oriundos da mobilização dos moradores e de lideranças dessas localidades. Assim, em plebiscito realizado em 09 de maio de 1982, 89% da população decidiu pela emancipação de Cotiporã, deliberação sancionada pelo governo do estado através da Lei n. 7.652, de 12 de maio de 1982. O mesmo ocorreu com os distritos de Fagundes Varela, emancipado pela Lei Estadual n. 8.460, de 08 de dezembro de 1987, e Vila Flores, emancipado pela Lei Estadual n. 8.627, de 12 de maio de 1988. A mulher em espaços políticos e de poder O processo democrático iniciado a partir da promulgação da Constituição de 1988, considerada a Constituição Cidadã, ampliou a participação da sociedade civil na vida política brasileira como nunca antes na história, permitindo que cidadãos alfabetizados ou não, maiores de 16 anos, ganhassem o direito de votar. Como resultado de uma democracia sempre em construção, a participação feminina cresceu no país, tanto pela luta de variados segmentos de representação de gênero quanto por determinação legal. Em Veranópolis, a atuação das mulheres na vida pública e político-partidária também acompanhou o cenário nacional, atestando a necessidade de participação de todos, independentemente de questões de gênero. Nesse contexto de expansão da democracia brasileira, Grossi e Miguel (2001, p. 170-171) afirmam a necessidade da participação efetiva das mulheres nos mais diversos segmentos e instituições: Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 71 Hoje, além da luta das mulheres pelo acesso ao poder legislativo, outras lutas por níveis de paridade começam a se fazer visíveis nos demais poderes constituintes do Estado: o Executivo e o Judiciário.  No bojo dessas novas reivindicações de paridade, também se encontram as lutas pelo acesso igual das mulheres a cargos de chefia no serviço público, assim como políticas afirmativas em grandes empresas (sobretudo multinacionais), em busca da valorização das mulheres e de características consideradas como "femininas" (subjetividade, emoção, capacidade relacional, etc.), pois essas contribuiriam para melhores relações e rendimento no trabalho. Em Veranópolis, a presença feminina no Poder Legislativo municipal iniciou em 1973, com a eleição de Zenaide Maria Boff para a Câmara de Vereadores pela Arena, sendo a candidata mais votada, com 793 votos 27 , ainda sob um modelo político e social marcado por concepções conservadoras a respeito das mulheres. Zenaide Boff pode ser considerada uma liderança comunitária, pois, além das questões políticas, teve atuação marcante em diversos espaços de poder tradicionalmente ocupados por homens, como a presidência de entidades como a Sociedade Alfredochavense e o Clube Atlético Veranense. Ela foi funcionária pública do magistério estadual, iniciando sua carreira como professora e se destacando como delegada junto à Delegacia de Ensino de Bento Gonçalves, atuando também em outras regiões do estado. Foi a primeira mulher formada em Direito no município, concluindo a graduação pela Universidade de Caxias do Sul em 1967, e trabalhou 27 Resultados das eleições municipais de 1972, conforme o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, no Portal da Justiça Eleitoral. Zenaide Boff junto à convenção regional para eleição da nova Frente Estadual de Mulheres Arena, 1975 (autoria não identificada, acervo do Mumver) Zenaide Maria Boff no 1º Congresso Estadual de Vereadores do Rio Grande do Sul, junto à Assembleia Legislativa do estado, Porto Alegre, 1973 (autoria não identificada, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 72 | como advogada tanto no setor privado quanto como advogada pública, junto ao Fórum da Comarca de Veranópolis 28 . Após a legislatura de 1973-1976, a presença feminina na Câ - mara de Vereadores de Veranópolis só retornou em 2001. Desde então, foram eleitas para o exercício do cargo de vereadoras as seguintes representantes: ? Isabel Maria Simonato, 2001-2004; ? Elizabeth Schmitz Farina, 2004-2009; ? Alice Hoffmann Peruffo, 2009-2012 e 2013-2016; ? Mara Lourdes Garib Guzzo, 2017-2020 e 2021-2024; ? Adriane Maria Parise, 2021-2024; ? Maria de Lourdes Scopel Gregol, 2021-2024. Para a pesquisa desenvolvida na elaboração deste capítulo, foram entrevistadas seis vereadoras eleitas, sendo elas: Isabel Maria Simonato, Alice Hoffmann Peruffo, Mara Lourdes Garib Guzzo, Adriane Maria Parise, Maria de Lourdes Scopel Gregol e Gioconda Dal Ponte. Esta última, incialmente suplente, assumiu o cargo após o afastamento de um colega de partido. Salienta-se que não foram consideradas as mulheres que assumiram o cargo em momentos pontuais como suplentes, nem as relações entre as siglas partidárias às quais essas lideranças estão vinculadas, devido ao contexto eleitoral e às diversas mudanças ocorridas ao longo do projeto da pesquisa. Quanto ao crescimento, à representatividade 28 Museu Municipal de Veranópolis. Coleção Zenaide Boff. e à participação feminina na política, em partidos e em outros espaços de liderança na sociedade, destacam-se alguns apontamentos dessas mulheres, com posicionamentos e partidos diversos: E hoje na Câmara de Vereadores nós temos quantas mulheres? Quatro mulheres, quase 50%. Então olha ali quanto avançou em dezessete anos, graças, não só ao meu trabalho, mas de todas as mulheres que trabalharam nas lideranças e que incentivaram outras gurias, outras meninas a serem líderes. Eu fui a segunda mulher a se eleger como vereadora, a primeira foi a dona Zenaide Boff e eu fui só a segunda, eu era a única. Durante a minha gestão, só eu de mulher, inclusive na suplência, não tinha suplente, depois de mim já se elegeram duas, logo em seguida. Mas não foi um trabalho pessoal, foi um trabalho conjunto, de começar a dizer: ?Vamos lá que a gente pode!?. Uma época que nem existia essa palavra... empoderamento feminino (Simonato, 2024). A gente tem algumas questões legais também envolvidas, eles [os partidos] têm obrigações legais para cumprirem, que é a cota dos 30%, eu acho que isso faz nós mulheres... não é forma como nós gostaríamos de ganhar o nosso espaço, mas hoje é a prerrogativa que temos para usar esse espaço, ainda a gente precisa disso pra chegar lá. [...]. Mas eu acho que a nossa capacidade de contribuir com políticas públicas, com uma gestão como era na inciativa privada, com a nossa capacidade de análise, de prover resultados, nesse aspecto eu acho que sim, eles olham pra gente de maneira diferente e fazem o convite. Pela formação, pela pessoa que a gente é na sociedade, nesses aspectos (Dal Ponte, 2024). A mulher tem espaço aonde ela quer, a gente luta pelos nossos espaços, nós temos decisões onde nós queremos, porque nós lutamos pelas nossas decisões. E eu vejo, eu sempre disse isso, desde minha primeira campanha, que a mulher ela é política dentro de casa, ela é política no dia a dia, ela organiza, ela planeja, ela faz (Guzzo, 2024). | 73 Ao traçar um perfil dessas mulheres vereadoras desde 1973, sem, no entanto, enquadrá-las em um padrão fixo, pode-se dizer que todas exerceram cargos de liderança em esferas públicas e privadas, o que contribuiu para a projeção de suas candidaturas e a consequente eleição. Profissionalmente, suas atividades transitam entre os serviços públicos federal, estadual e municipal, em instituições como o Poder Judiciário, a Receita Federal, a gestão de secretarias municipais, além de funções como professoras e diretoras de escolas. No setor privado, elas atuam em profissões liberais, como estrategista digital, fisioterapeuta e dentista. Além disso, elas estão presentes no terceiro setor, desempenhando cargos de gestão e apoio em organizações da sociedade civil, como a Sociedade Alfredochavense e o CTG Rincão da Roça Reúna. Essas funções também abrem espaço para a participação em conselhos municipais, importantes instâncias deliberativas da dinâmica público-privada local. Como exemplo do crescimento das atividades públicas e privadas desenvolvidas pelas mulheres, a atual Câmara de Vereadores, em sua última disputa eleitoral, teve como marca histórica a eleição de três mulheres, evidenciando o crescimento efetivo e permanente da participação feminina em instituições públicas e privadas e na sociedade como um todo. Vereadoras Maria de Lourdes Scopel Gregol, Adriane Parise e Mara Lourdes Garib Guzzo na posse da Legislatura 2021-2024, Veranópolis, jan. 2021 (autoria de Clovis Moraes, acervo da Câmara Municipal de Vereadores) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 74 | Para Franco e Prado (2013, p. 194), a [...] política não se restringe à esfera do Estado e de suas instituições. Ela atravessa os domínios da vida cotidiana e se encontra presente nas relações variadas que se estabelecem entre os indivíduos. Incluindo aquelas entre homens e mulheres. Assim, para além da política, existem outros espaços de poder tradicionalmente ocupados por homens e que, nas últimas décadas, foram sendo conquistados por mulheres, mesmo que de formas pontuais. Nesse sentido, destacam-se as atividades profissionais de Helena Beilfuss Santana, que foi a primeira comandante mulher dos destacamentos da Brigada Militar de Veranópolis e de Nova Prata, além de chefe da companhia regional da corporação, tendo sob seu comando dezessete munícipios. Sua formação militar ocorreu em Santa Maria e Porto Alegre, tendo exercido a maior parte de sua carreira na capital do estado. Sobre suas experiências como integrante da Brigada Militar e as relações de gênero decorrentes, Helena Beilfuss Santana (2024) relata: Eu vejo que evoluímos, na verdade, como um todo a mulher vem alcançando seu espaço, evoluímos sim. Mas era nítido o preconceito, totalmente ligado ao fato que se tratava de uma mulher, de uma mulher numa função de comando, de uma mulher policial e isso segue acontecendo, com certeza. Nós temos muito a evoluir. Muitas vezes as pessoas chegavam aqui na Brigada Militar, Nova Prata, Bento Gonçalves, pra falar com a comandante. Então quando me viam, era nítido o olhar, a surpresa nos olhos dos homens, porque eles esperavam encontrar... já sabiam que eu era uma mulher, mas talvez uma mulher alta, com um tom de voz diferente, mais masculino. E até depois de uma conversa, confessavam. [...]. Inclusive e eu ouvi de policiais mais velhos que trabalhavam comigo, homens: ?Capitã, a senhora mostra muitos os dentes pros civis, pros paisanos?. E é a minha forma de ser, isso não mudava a tomada de uma providência diante de um fato incorreto, de uma infração, de um crime cometido pelas pessoas, nunca, sempre presei por agir da forma legal. A pesquisa também registrou a atuação feminina no terceiro setor da sociedade, com destaque para a Associação Comercial, Cultural e Industrial de Veranópolis (Aciv). Desde sua fundação em 1916, a Aciv teve sua primeira presidente mulher somente em 2011, quando Suzana Gabrielli Spanhol foi eleita, sendo sucedida posteriormente por Rubia Cenci Freitas, que exerce seu segundo mandato à frente da entidade. Spanhol (2024) destaca duas das principais atividades executadas pela Aciv durante sua gestão: a tramitação público-privada para a cessão do terreno da nova sede da entidade, com o início das obras ainda no fim de seu mandato; e a participação na instalação da Escola do Serviço Moção de Reconhecimento conferida a Helena Beilfuss Santana por ser a primeira mulher a dirigir o 3º Pelotão da Brigada Militar de Veranópolis e demais serviços prestados na área da segurança pública, Veranópolis, 26 fev. 2011 (autoria não identificada, acervo privado de Helena Beilfuss Santana) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura74 | Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 75 Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) em Veranópolis, com a criação do projeto Menor Aprendiz. Quanto à participação da mulher na Aciv e na economia local, ela aponta: Por exemplo, do comércio, a grande maioria sempre foi mulher que puxou toda linha do comércio e fazer as promoções das lojas, sempre foi mulher. [...]. A Aciv sempre teve mulheres que trabalhavam, Secretaria de Comércio eu nem me lembro se teve algum homem, normalmente eram mulheres, porque a grande maioria, que controlam as lojas, que tem lojas em Veranópolis, são mulheres [...] ficaria até estranho colocar um homem, então elas têm que ser mesmo diretoras do comércio (Spanhol, 2024). Ainda no setor privado, com destaque para a indústria, percebeu-se a inserção das mulheres em cargos de liderança dentro de tradicionais grupos empresariais de Veranópolis, especialmente em empresas de gestão familiar, ocupando posições de diretoria de importantes setores. Entre essas lideranças, destacam-se: Francisca Mazzarolo Rigo, Gioconda Dal Ponte, Jucelia Cenci Parise, Manoela Baldissera Amantino, Rubia Cenci Freitas, Rubianne Freitas Baldissera, Simone Bavaresco Tedesco, entre outras. Durante as entrevistas realizadas, Gioconda Dal Ponte e Manoela Baldissera Amantino destacaram, a partir de suas experiências, algumas das principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres para inserção no setor industrial: A gente como mulher, a gente ainda enfrenta esse desafio na sociedade, então dizer que isso não existia, não era uma verdade, eu taria te mentindo. A gente tinha algumas líderes, mas a gente tinha poucas supervisoras [...], apesar de a empresa ter, em sua maioria, mulheres. Mas sim, os homens sempre tiveram uma posição de líder mais acessível. [...]. Ser filha do dono sempre, por um lado, te desqualifica. No sentido ?Ah! Você só está aí por ser da família?. [...]. É uma situação um pouco difícil pra gente, por tu estar toda hora provando. E para potencializar isso tem a questão do sexo ainda, ser do sexo feminino, ser uma mulher. Eu acho que a gente tem grandes conquistas, vem conquistando. Mas isso era uma coisa que existia e acredito que ainda exista (Dal Ponte, 2024). Não é fácil! Como eu cresci aqui dentro, eles me viam pequenininha, então tipo, ?É uma guria, não sabe nada. Só tá aí porque é filha do dono?, essas coisas. O segmento de armas é um segmento machista, o segmento metalúrgico é um segmento machista, historicamente machista. [...]. Inclusive dentro do sindicato metalúrgico, das indústrias metalúrgicas a gente tá com um movimento de mulheres dentro da indústria metalúrgica, inclusive esse ano a gente vai tá fazendo cursos e tá fazendo propaganda, engajamento pra trazer as mulheres pra dentro da indústria metalúrgica e mostrar as mulheres em cargos que antigamente eram de homens e que a mulher tem a capacidade de assumir esse tipo de cargo (Amantino, 2024). Em seus discursos, embora ainda destaquem a presença do preconceito, muitas vezes velado, e a necessidade constante de autoafirmação, as mulheres entrevistadas ressaltam o orgulho por suas conquistas pessoais. Além disso, consideram que, para além das realizações individuais, seus postos em espaços de liderança devem servir como exemplos para outras mulheres, sobretudo meninas, incentivando-as a também almejarem ocupar funções de comando ou de poder político. migrações, culturas e diversidade étnica Anthony Beux Tessari Veranópolis Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 79 O município de Veranópolis tem sua história marcada por fenômenos migratórios, tanto no passado quanto no presente. Fundado em 1886 como Colônia Alfredo Chaves e distrito do o municípiomunicípio de Lagoa Vermelha, o processo de ocupação do território teve início com a chegada de imigrantes europeus, predominantemente do norte da Itália, além de algumas famílias de imigrantes poloneses e alemães, que moldaram sua formação populacional até meados do século XX. Outro fenômeno observado no município é o das migrações internas, com a chegada de pessoas deslocadas de outras regiões do estado do Rio Grande do Sul. Esse processo se intensificou na década de 1970, quando a indústria local passou a atrair trabalhadores de regiões economicamente afetadas por crises de produção e escassez de emprego. Esse fluxo migratório se estende até os dias atuais, consolidando Veranópolis como um município brasileiro de caráter multiétnico. No contexto de desenvolvimento econômico e social das últimas décadas, a cidade se tornou destino de muitos migrantes de outras partes do país, especialmente do eixo Norte-Nordeste, bem como de nações estrangeiras, sobretudo latino-americanas, como Argentina, Venezuela, Colômbia, Cuba e Haiti, além de países africanos, como Senegal e Marrocos. Destaca-se que, devido à ausência de estatísticas oficiais quantitativas sobre o número de migrantes em Veranópolis e sua microrregião, optou-se por uma abordagem de análise qualitativa, baseada em histórias de vida e memória oral. Assim, a escolha de tratar das trajetórias desses migrantes, desde meados do século XX até o presente, visa representar as histórias de diversas outras pessoas que deixaram suas regiões ou países em busca de melhores condições de vida. A Colônia Alfredo Chaves e a imigração de europeus Olhando para o passado, entre os fatores determinantes da emigração de italianos para o Brasil, destacam-se as dificuldades que os camponeses enfrentaram para ter acesso à terra em suas regiões de origem, somadas à crise agrária e econômica pela qual a Itália passava, intensificada nas últimas três décadas do século XIX. Além disso, a partir da segunda metade daquele mesmo século, o país iniciou um processo de reorganização política com a libertação de regiões que estavam subjugadas a outros reinos, como o austríaco e o francês, evento conhecido como ?Unificação Italiana?, que se tornou custoso para o país. Nesse contexto, a situação econômica e social era de pobreza para boa parcela Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 80 | da população, levando muitos a optar por migrar para pátrias estrangeiras, com a América sendo um dos destinos mais buscados. O Brasil foi um dos países que mais receberam italianos emigrados no século XIX, com grandes levas chegando ao país a partir de 1874. Eles ocuparam principalmente as províncias do Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O país oferecia aos imigrantes alguns benefícios atrativos, como a possibilidade de se tornarem proprietários de terras ? algo que ocorreu fortemente na região nordeste do RS. No âmbito governamental, a imigração era de interesse recíproco entre Itália e Brasil: para a Itália, a diminuição populacional significava um alívio para a economia, enquanto, para o governo brasileiro, que vivia sob o regime político do Império, a mão de obra branca e europeia era vista como uma substituição para os negros escravizados, em um país marcadamente racializado. Em outras palavras, buscava-se o ?branqueamento? da população (Giron; Herédia, 2007). Estima-se que, entre 1875 e 1914, entre 80 e 100 mil imigrantes italianos tenham chegado ao RS. Espalhados pelas Família de Antonio Zanin (italiano) e Catarina Maculewicz Zanin (lituana), Alfredo Chaves, 1910 aprox. (autoria de Adolpho Giovanini, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 81 variadas regiões do estado, grande parte desses imigrantes se concentrou na região nordeste, onde foram criadas colônias para recebê-los como colonos, com o propósito de ocupar e trabalhar a terra. Focando nos dados da Colônia Alfredo Chaves, em 1886 chegaram à localidade 1.564 imigrantes, dos quais 1.237 eram italianos, 249 alemães, 65 austríacos, 6 poloneses, 4 belgas e 3 franceses. Pouco tempo após, em 1888, a população já havia saltado para 3.272 habitantes, com a entrada contínua de migrantes estrangeiros naquele período (AHRS, 1997, p. 15-16). Entre as origens dos imigrantes italianos que chegaram no RS, cabe pontuar que a maioria vinha de regiões do norte do território do país peninsular, como o Vêneto, a Lombardia e Trento. Eram ?camponeses que viviam em pequenas povoações, com características e línguas próprias? (Costa, 1998, p. 52), constituídos culturalmente em um período pré-unificação da Itália, o que significou serem tributários de um sentimento de pertencimento muito mais forte às suas regiões de origem do que a uma identidade italiana única. Essa ?italianidade? se fortaleceria mais tarde, após o estabelecimento dos imigrantes no Brasil, com um papel importante da imprensa escrita, de publicações e de sociedades organizadas na difusão desse sentimento étnico e indentitário. No álbum intitulado Cinquantenario della Colonizzazione Italiana nel Rio Grande del Sud (1925, p. 169-184), a antiga Colônia Alfredo Chaves é celebrada como um dos berços da imigração italiana no estado, ao lado de diversas outras localidades. No Vista panorâmica dos moradores da Colônia Alfredo Chaves em frente à sede da Comissão de Terras e à Igreja Matriz São Luiz Gonzaga na solenidade de inauguração do templo, 15 de agosto de 1888 (autoria não identificada. Álbum Recordação das Colônias Conde D?Eu, Dona Isabel, Alfredo Chaves, Antonio Prado e Caxias, Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 82 | capítulo dedicado ao município, a trajetória de alguns imigrantes italianos é abordada com o intuito de destacar sua contribuição à economia, à cultura e à sociedade local, com tom ufanista. Nesse sentido, são destacadas as biografias de imigrantes que a publicação julgou relevantes nas áreas da medicina, do comércio e da indústria, nomeadamente: ? Doutor Giulio Del Prete, de Lucca (Toscana), estabelecido em Alfredo Chaves em 1921, foi responsável pela criação da Casa di Salute no município; ? Doutor Salvatore Caruso Mac-Donald, de Palermo (Sicília), estabelecido em 1911, além de médico no município também integrou o Conselho Municipal; ? Vittorio Dal Pai, de Asolo (Treviso), chegou em 1890, tornou-se comerciante e industrial no ramo da erva- mate, alcançando reconhecimento com a premiação de uma medalha de ouro em exposição estadual; ? Giovanni Antoniolli, chegou com sua família em 1886, foi inicialmente agricultor, depois instalou um curtume, mudou-se para abrir um hotel, mas retornou a Alfredo Chaves para dirigir a agência do Banco Nacional do Comércio no município; foi também presidente da Società Italiana Principe di Piemonte; ? Fiorindo Dalla Coletta, de Treviso, veio para o Brasil no início do século XX, tornando-se conhecido em Alfredo Chaves como industrial e inventor, também contribuindo para a vinda das Irmãs da Congregação de São José para o município; ? Marcello Giordani, de Verona, emigrou em 1882, inicialmente para Bento Gonçalves, anos depois fixou residência em Alfredo Chaves, onde foi comerciante e montou uma serraria a vapor; ? Alfredo Casarin, nascido em Alfredo Chaves em 1887, filho de Battista Casarin, emigrante italiano vicentino; foi comerciante, com estabelecimento celebrado como um dos que tinham ?maior reputação? no município; ? Vittorio Faè, filho de um trevisano, montou uma fábrica metalúrgica em 1919, empregando a quantidade de oito operários em 1925; ? Luigi Busatto, também vicentino, atuante em Alfredo Chaves como comerciante, dedicado à venda de tecidos e sortimento de itens coloniais; ? Guglielmo Giordani, natural do município, filho de imigrantes, também era comerciante de ?secos e molhados?, fundou seu estabelecimento em Alfredo Chaves em 1899, instalado em um imponente sobrado de alvenaria de estilo eclético; ? Primo Antonio Zanchetta, filho de italianos, instalou um mercado e café em Alfredo Chaves em 1924, equipado também com mesa de bilhar, sendo de grande frequência entre os moradores; ? Giuseppe Zanetti, comerciante e industrial, dedicado a plantação, compra e venda de trigo, instalado no 2º Distrito (Monte Vêneto) de Alfredo Chaves; ? Della Pasqua, Duvina & Cia., sociedade formada por Giuseppe Della Pasqua, Guido Duvina, Pietro Breda, Eugenio Medicheschi, Giuseppe Zanetti e Pietro Soccol, fundadores da fábrica de alimentos (embutidos, salames) Sul-Americana, criada em 1916; ? Lunardi, Scandroglio, Sottili & Cia., sociedade da qual faziam parte Giovanni Lunardi, Angelo Scandroglio, Amilcare e Primo Sottili, da fábrica ?Sul Brasil?, também dedicada à produção de embutidos. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 83 Quanto à diversidade de etnias que coexistiam na então Colônia Alfredo Chaves, ao se observar o aspecto religioso, nota- se a presença, desde o final do século XIX, de padres italianos e franceses da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (católicos), estabelecidos inicialmente na Colônia Conde D?Eu (Garibaldi), de onde partiam para dar atendimento religioso aos moradores de Alfredo Chaves, depois também se estabelecendo no município (Costa; De Boni, 1996). Além disso, estavam presentes as irmãs francesas da Congregação de São José de Chambéry. Concomitantemente, o município sediava um templo da Igreja Metodista, erigido em 1891, sendo inclusive o primeiro do gênero inaugurado no Rio Grande do Sul (Dalla Chiesa, 2023). Além dos italianos, um exemplo marcante de outra etnia presente no território foi a dos imigrantes poloneses, cuja presença marcou a história da ocupação da colônia. Esses imigrantes também tiveram entrada a partir da criação do núcleo de Alfredo Chaves, ocupando principalmente lotes rurais às margens do Rio das Antas. A principal razão da vinda de poloneses ao Brasil foi o longo processo de instabilidade política na Polônia, cujo território foi desmembrado entre Rússia, Prússia e Áustria ainda no século XVIII, resultando em posteriores períodos de perseguição e opressão à população local (Stawinski, 1976). A situação dos primeiros poloneses emigrados para Veranópolis pode ser observada em uma interessante carta remetida do Brasil por Antoni Czerwinski para seus familiares em Zyrardów, na Polônia, em 3 de março de 1891, na qual o imigrante relata a trajetória de sua viagem, as condições das terras recebidas para cultivo, o trabalho necessário para pagar pela propriedade e as dificuldades iniciais: A travessia do oceano levou 19 dias. No Rio de Janeiro paramos um dia e de lá em navio menor viajamos durante uma semana para chegar a Porto Alegre. Aqui descansamos 3 dias. [...]. Levamos quatro dias para chegar à Colônia Dona Isabel [Bento Gonçalves]. Aqui, as bagagens das mulheres passaram para o lombo de muares, e os homens continuaram a pé até a vila de Alfredo Chaves, aonde chegamos no dia 23 de novembro. Recebi um lote rural com cerca de 25 hectares, todo coberto de mato cerrado. Já fiz a derrubada de um pedaço de mato. Mas, para semear, temos de esperar três meses. Eu trabalho na estrada e estou ganhando mil e duzentos réis por dia. Leon saiu daqui, porque não tinha com que viver. Até o presente, ainda não vimos, aqui, nem batatas nem pão. Estamos sem dinheiro. Em Zyrardów, não imaginávamos que aqui a situação seria tão penosa. Tivemos um Natal triste, porque nem sequer tínhamos um pedaço de carne. [...] eu e a mulher sentimos o nosso coração despedaçar-se de dor. É verdade que o Brasil é país católico. Mas que importa isso, se a gente não entende a língua daqui e mora longe da vila? Já consegui construir a nossa casa. Agora, estou ajudando a construir as casas dos outros. [...]. Se vós tencionais vir para o Brasil, deveis economizar o dinheiro e não gastá-lo, inutilmente, como nós fizemos. Trazei toda espécie de sementes de cereais e hortaliças [...] (Czerwinski, 1891 apud Stawinski, 1976, p. 197). A entrada de imigrantes no território de Veranópolis prosseguiu durante o princípio do século XX, impulsionada também por conta de conflitos mundiais, como as duas grandes guerras (1914-1918 e 1939-1945), que forçaram o deslocamento de milhares de pessoas para diversos países, incluindo o Brasil. Nesse contexto, estabeleceram-se em Alfredo Chaves os imigrantes húngaros e judeus Imre Herlinger e Lenke Josipovits, com seus três filhos Martin, Ignez e Eva. Posteriormente, outros húngaros também migraram para a localidade, como Margit Josipovits e o casal Niklós e Margit Radó, ele dentista e ela pianista. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 84 | Família de Pedro Kaczalla e Leopoldina Wons Kaczalla, Veranópolis, década de 1950 (autoria não identificada, acervo privado de Fabiano Kaczalla) Ignacio Wons, imigrante polonês e balseiro, 1920 aprox. (autoria não identificada, acervo do Mumver) Família de João Reschke (polonês) e Carolina Fürrer (suíça), Veranópolis, 1915 (autoria de Luiz Fiori, acervo privado de Ana Regina Reschke Dalla Coletta) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 85 Veranópolis, terra de muitos gaúchos Os processos migratórios de diversos munícipios do Rio Grande do Sul para Veranópolis se intensificaram em meados do século XX e continuam até a contemporaneidade. Dessa forma, serão destacadas, na sequência, as vozes de alguns migrantes que escolheram o município como local para viver. Buscou-se, portanto, evidenciar suas histórias de vida, trajetórias e deslocamentos, as situações enfrentadas, suas perspectivas de permanência e a diversidade de suas culturas. A industrialização do munícipio, acrescida pelas inúmeras obras públicas de infraestrutura viária implementadas nas décadas de 1950 e 1960, com destaque para a Ferrovia Tronco Principal Sul e a RST-470, atraiu um contingente significativo de mão de obra de várias cidades, sobretudo das regiões norte e nordeste, como Passo Fundo, Lagoa Vermelha, Ibiraiaras, Vacaria, entre outras. Foi nesse contexto que Irineu Machado dos Santos migrou para Veranópolis em busca de emprego. Nascido em 1948 no Distrito de Boqueirão, zona rural de Lagoa Vermelha, RS, em uma família de agricultores, foi criado pelos irmãos mais velhos, pois ficou órfão de pai e mãe muito cedo. Caçula de oito irmãos, precisou trabalhar desde muito jovem, ainda criança, primeiro em casa e, logo em seguida, na casa de outra família, onde permaneceu por quatro anos. Seus irmãos também trabalhavam, tanto na agricultura familiar quanto para fazendeiros da região. Quando completou 14 anos de idade, essa também passou a ser a ocupação do lagoense: [...] com seis, sete anos, já estava ajudando meu irmão a fazer palanque, serrar. [...]. Serrote grande, pegava um em cada ponta. Eu já tinha que ajudar o meu irmão mais velho a fazer esse trabalho. Também eu comecei muito cedo, com sete, oito anos, a lavrar, com os bois. Meu irmão ia com os bois mais novos na frente, eu ia com duas juntas de boi lavrando (Santos, 2024). Devido à necessidade de trabalhar, Irineu praticamente não teve acesso aos estudos, frequentando a escola por cerca de dois anos apenas, dos 7 aos 9 anos de idade. Mais tarde, aos 16 anos, foi ser safrista na colheita da uva em Bento Gonçalves, juntamente com um de seus irmãos. Como o trabalho era sazonal, precisou buscar outras fontes de renda, encontrando serviço em empresas dedicadas ao asfaltamento da rodovia RST-470, no trecho entre Bento Gonçalves e Nova Prata, conforme relata: ?Naquela época, eles pegavam de menor, as firmas terceirizadas, e fiquei trabalhando ali?. O trabalho era pesado e ainda sem mecanização, como ele recorda: Naquela época que eu trabalhei, ainda de menor, ali no trecho do Rio das Antas, não existia máquinas que nem tem hoje, era tudo a braço. O que fazia? A gente ganhava por produção, a gente era em dois, tinha que trabalhar nos barrancos, fazendo terra, piconando, e depois descer lá embaixo e carregar a tombeira, a braço. Ganhava por produção. [...]. Só recebia se trabalhava, e em dias de chuva, não recebia. Às vezes, recebia pagamento em dinheiro, às vezes, em vale (Santos, 2024). Aos 17 anos, ele voltou à Lagoa Vermelha, mas logo precisou migrar novamente para conseguir emprego na indústria, que era quase inexistente em seu município de origem: Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 86 | Quando eu vim para cá [Veranópolis], eu senti que aqui eu poderia conseguir coisas melhores, porque lá no interior não tinha essa oportunidade. Aí foi que eu decidi vir para cá, assim como outras pessoas que eu conheci lá, que vieram para cá, começaram a trabalhar. Lá na região de Lagoa são pessoas muito trabalhadoras, só que a dificuldade é muito grande, então eles tinham que sair para um lugar que tivesse mais oportunidade (Santos, 2024). Já em Veranópolis, Irineu foi atuar na indústria, sendo montador de espingardas na fábrica E. R. Amantino, Boito & Cia. Entre as dificuldades que enfrentou, ele comenta que, embora nunca tenha sofrido discriminação explícita, ouviu muitas brincadeiras a respeito de sua origem e cor de pele: ?Uns dizeres que o pessoal dizia, porque eles achavam que eu era um cara bom: ?esse nego é da alma branca??. O lagoense acredita que sua inserção na comunidade local se deu principalmente devido à sua carreira como músico: [...] fui me tornando conhecido, e o pessoal foi tendo confiança em mim. Porque, na verdade, hoje melhorou bastante, mas sempre existia muito preconceito com as pessoas de cor, pessoas que vinham de fora. Porque eram dois tipos de preconceito: primeiro [contra] a cor e, segundo, [contra] as pessoas que vinham de fora (Santos, 2024). Em 2008, Irineu foi eleito vereador, sendo o terceiro candidato mais votado no município e o primeiro e único vereador negro da história da cidade. Também natural de Lagoa Vermelha, Roni Vieira de Barros, nascido em 1957, migrou para Veranópolis. Filho de agricultores, começou a trabalhar na roça ainda Irineu Machado dos Santos e Adão Rodrigues, Veranópolis, anos 1970 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 87 jovem. Concluiu até o quinto ano do primário, interrompendo os estudos para se dedicar integralmente ao trabalho: Se cultivava milho, feijão, trigo [...]. Às vezes, dava, às vezes, não dava. Se pegava uma safra boa, tudo bem; se pegava uma safra meio ruim, já não tinha [...]. Eu e minhas irmãs tínhamos que trabalhar na roça. Nós colhíamos mais de trezentos sacos de trigo por ano, mais de quatrocentos quintal de milho por ano, mas nós não via o dinheiro. Eu ia para o colégio de calção e tamanquinho, aqueles tamanquinhos de madeira. [...]. Nosso livro ia no saquinho de plástico, o caderno, o livrinho, lápis. Às vezes, de pé no chão, no meio da geada (Barros, 2024). Ainda na adolescência, Roni foi para Bento Gonçalves para trabalhar em uma empresa dedicada a construção de túneis, terraplanagem e pavimentação. Em 1974, aos 17 anos, estabeleceu-se em Veranópolis, onde conseguiu um emprego na E. R. Amantino, Boito & Cia., permanecendo na empresa por nove anos como furador de canos utilizados na produção de espingardas. Após trabalhar em outras empresas, ele se aposentou e reflete sobre as razões que o levaram a migrar, principalmente em busca de oportunidade no mercado de trabalho: Era uma vida não assim que nem Veranópolis. Veranópolis é outra coisa. A gente veio embora para cá porque aqui é lugar de trabalho. Lá tu tinha que trabalhar de dia para comer de noite. E trabalhar na roça o ganho era pouco, tu trabalhava o dia inteiro por dez, quinze pila por dia. Achava que era demais, peguei as coisas e vim embora. Faz quarenta e nove anos que moro aqui, me sinto muito bem aqui. É uma cidade que não falta serviço. Tanto quando eu vim morar para cá, até me aposentar, nunca fiquei sem trabalhar (Barros, 2024). Roni de Barros (2024) conhece diversas famílias que migraram em busca de emprego e melhores condições de vida, muitas delas provenientes de Lagoa Vermelha. Da mesma forma, Noeci Alves da Silva, uma veranense nascida no bairro Santo Antônio, mas filha de migrantes, testemunhou desde a infância o crescimento da localidade com a chegada de muitas pessoas de municípios vizinhos a Veranópolis. Filha de um sargento da Brigada Militar, natural de Soledade, e de uma dona de casa, Noeci recorda que, a partir de 1970, o bairro onde reside começou a se expandir: Todas [as famílias ] praticamente vieram de fora, veio mais de Lagoa Vermelha. De lá veio muita gente. O prefeito era o Seu Ruas Amantino, e ele fez a Cohab, como diziam. Ele fez as casas e trouxe o pessoal de Lagoa Vermelha para cá, ele ia buscar [...]. Geralmente, as pessoas de Veranópolis tinham suas moradias, e ele foi buscar as pessoas de lá pra preencher as casas que tinha feito, aí veio muita gente de lá (Silva, 2024). No princípio, o bairro não dispunha de saneamento básico (esgoto e água) nem de energia elétrica: ?Eles vieram com a cara e a coragem para cá. Teve muitos que vieram com uma sacolinha, com a roupa do corpo. Vieram e aqui começaram a se reestruturar? (Silva, 2024). Duas grandes fábricas instaladas no município atraíam a mão de obra das cidades vizinhas: o curtume Galeazzi & Cia. Ltda. e a fábrica de armas E. R. Amantino, Boito & Cia. Além disso, havia migrantes empregados em fábricas de bolas e de palhas. Com atuação na Pastoral da Criança, Noeci da Silva (2024) recordou do trabalho realizado na instituição assistencial, revelando a situação social de muitas famílias migrantes ao chegarem ao município: Como veio muita gente de fora, tinha muita criança desnutrida, e nós fazíamos o que chamávamos de ?farelo?, uma multimistu- ra, e assim foram salvas muitas crianças... a gente fazia trabalho de banho nos idosos, de passar a noite... cuidando de idosos, de crianças, de adolescentes. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 88 | Vista do bairro Santo Antônio, Veranópolis, 2024 (autoria de Rafaela Ribeiro, acervo do Arquivo Público Municipal de Veranópolis) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 89 Também em relação ao bairro Santo Antônio, mas por iniciativa privada, foram estabelecidas moradias pertencentes ao curtume Galeazzi & Cia. Ltda. Neivo Farias de Godoi e Mariza Vieira de Godoi, naturais de Ibiraiaras, migraram para Veranópolis na década de 1990. Ambos, filhos de agricultores, iniciaram a trabalhar ainda jovens para auxiliar no sustento da família. O casal, que não conhecia Veranópolis, veio a convite da cunhada que já morava na cidade. Conforme recorda Godoi (2024): Eu vim em noventa e quatro [1994], daí tinha uma cunhada minha que morava ali, trabalhava no curtume [Galeazzi & Cia. Ltda.]. [...]. Daí eles falaram: ?Tão precisando gente aí no curtume, tá difícil [arrumar] funcionário, não quer trabalhar aí??. Daí que acabei pegando. No início a gente morava na casa da empresa, do curtume, daí a gente trabalhava aí, então não precisava pagar aluguel, só pagava luz e água. Após se estabilizar em Veranópolis, o casal trouxe alguns membros da família para residirem no município, como o sogro e o cunhado. Godoi (2024) aponta que diversas famílias conhecidas da região de Lagoa Vermelha e Ibiraiaras também migraram em busca de emprego e melhores condições de vida, pois ?lá na colônia, não dava mais?. Outras regiões do estado também são origem de migrantes que escolheram Veranópolis para tentar uma nova vida. É o caso de Magna Terezinha Lima Neves, nascida em 1957 na cidade de Alegrete, RS. Filha de pai que atuava em curtume e mãe cozinheira, Magna vem de uma família numerosa, com nove irmãos, e tem lembranças desde cedo dos pais dedicados ao trabalho para sustentar os filhos: ?A minha mãe e o meu pai sempre trabalhando, sempre; meu pai, principalmente, dele ter férias, eu não lembro?. E o trabalho, para os filhos, iniciava desde muito cedo. Para Magna, começou ?quando tinha de nove para dez anos?, assim como para seus outros irmãos, que também começaram por volta dessa idade ou um pouco mais velhos. O trabalho foi a principal razão para a alegretense migrar para Veranópolis ? ou, mais precisamente, a falta de emprego na sua região de origem. Por ter gostado da cidade serrana, decidiu ficar e trouxe consigo boa parte da família: Eu queria trabalhar. Primeiro, eu gostei da cidade. Foi numa seca, acho que em 2004, mais ou menos, que eu vim, e eu achei essa cidade muito linda. Já tinha dois sobrinhos meus morando aqui, e eu achei essa cidade muito linda. Pensei: ?Eu vou para lá!?. E a gente veio, toda família; meu marido, a minha filha e um netinho, que eu tinha na época, mas eu amei, e amo essa cidade (Neves, 2023). Em Veranópolis, Magna inicialmente atuou como auxiliar de limpeza em uma empresa prestadora de serviços, permanecendo por menos de um ano na função. Com o adoecimento do marido, precisou buscar outro emprego que permitisse conciliar os horários. Soube, então, de uma vaga para costureira, uma atividade para a qual não tinha nenhuma formação, mas logo deu um jeito de aprender: [...] precisavam de uma costureira e eu não tinha curso de costureira, aí eu fui atrás. Na [Secretaria de] Assistência Social tinha um curso de costureira, e eu fui fazer. Fiz o curso um ano, depois eu dei oficina como professora dois anos, de voluntária. Eu fiquei esses dois anos depois, e eu não parei mais. A Prefeitura de Veranópolis me contratou, e eu não parei mais (Neves, 2023). Como artesã, Magna atualmente trabalha com artes manuais e artesanato em geral: ?Geralmente, eu trabalho com Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 90 | os CRAS [Centro de Referência de Assistência Social], com as oficinas do CRAS, e com isso já trabalhei em Veranópolis, em Protásio Alves, Cotiporã, Fagundes Varela e Vila Flores? (Neves, 2023). Ela atua com grupos de crianças e mulheres, bem como com pessoas em situação de vulnerabilidade social, retribuindo à cidade o acolhimento inicial que recebeu. Também oriundo de Alegrete, Quenide Marcelino Damacena e sua família migraram para Veranópolis por volta de 2005. Autodeclarado negro, Quenide nasceu em 1985 e fez toda a sua trajetória escolar básica na rede pública de ensino, formando-se, em seguida, como Técnico em Informática pelo Instituto Federal de Alegrete. Embora tenha nascido na área urbana da maior cidade da Fronteira Oeste gaúcha, foi criado na zona rural. Desde jovem, auxiliava na economia familiar, trabalhando no comércio da família, um bolicho. Além de comerciantes, os pais de Quenide tiveram outras ocupações: a mãe foi professora do ensino fundamental e de educação infantil, enquanto o pai trabalhou em fazendas, foi agricultor, arrozeiro e alambrador. O principal motivo da migração para Veranópolis foi a condição socioeconômica da família, que residia em uma região com poucas oportunidades de emprego: [...] o nosso contexto não foi tão fácil, por isso também que o pai veio, entre 2001 e 2002. Ele veio embora para Veranópolis para trabalhar aqui, de carteira assinada. Ele recebeu um convite de um amigo, foi na época que estavam montando as usinas hidrelétricas. Ele não conhecia Veranópolis, nunca tinha ouvido falar. Ele veio para cá, para poder auxiliar no nosso orçamento, na renda. [...]. Ele trabalhou uns 45 dias, e depois recebeu um convite para trabalhar na Alpargatas (Damacena, 2024 ). Em Veranópolis, a família foi encontrando outros migrantes da mesma região de origem, vindos de Alegrete, assim como de Uruguaiana, Itaqui, São Borja, Santiago, Santa Maria, São Sepé, Rosário do Sul, Santana do Livramento, Cacequi, entre outras cidades. Segundo Damacena, isso ajudou a família a se adaptar à nova região, pois a cultura era diferente, como ele observa: [...] quando nós chegamos aqui, quem nos acolheu melhor, num núcleo de família, foram pessoas que eram lá da fronteira. [...]. O que mais nos impactou foi essa questão das diferenças culturais. Às vezes, parece que o pessoal aqui é um pouco mais ?fechado? para as pessoas que vêm de fora (Damacena, 2024). Magna Terezinha Lima Neves em seu atelier de artesanato, Veranópolis, 2023 (autoria de Rafaela Ribei- ro, acervo do Arquivo Público Municipal de Veranópolis) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 91 Ao ser questionado se essas diferenças se manifestaram em forma de preconceito por ser migrante ou em razão da sua cor de pele, Quenide afirmou que o pai passou, sim, por situações desse tipo: O meu pai contava algumas questões que às vezes parecia ser um pouco preconceituoso, por exemplo: em 2015, eu fui trabalhar no hospital, na área de Recursos Humanos, pela minha formação [ensino superior em Gestão de Recursos Humanos]. [...]. O meu pai às vezes comentava com pessoas aqui da cidade: ?O meu filho trabalha no hospital!?. Ele gostava muito de dizer onde os filhos trabalhavam, que os filhos dele tinham buscado uma formação, e geralmente diziam assim: ?Ah, o teu filho trabalha na recepção, trabalha na portaria??. O meu pai, como tem aquele jeito meio grosso de ser lá da fronteira, respondia: ?Não! Porque a gente é moreno, ele tem que trabalhar na portaria?? (Damacena, 2024). Apesar disso, o alegretense radicado em Veranópolis afirma que a cidade lhe trouxe oportunidades que sua região de origem não tinha mais condições de oferecer: ?questão de educação, segurança, saúde, oportunidades, a gente está num lugar onde temos tudo isso, para os meus filhos, a minha esposa, para mim. Então, por isso, a gente permanece aqui até hoje? (Damacena, 2024). Ele também percebe o mesmo sentimento em outros migrantes que conheceu na cidade: [...] pessoas que chegam e dizem: ?Bah, lá a gente não tinha o básico que a gente tem hoje aqui?. Algumas pessoas nos trazem que o salário nem se compara ao que recebiam lá, que os benefícios que eles conseguem adquirir trabalhando aqui na região são maiores (Damacena, 2024). Atuando em uma congregação religiosa evangélica intitulada Aliança com Deus ? Resgate e Restauração, na qual desempenha funções voluntárias, Quenide se reúne frequentemente com outros migrantes da Fronteira Oeste do RS, além de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Amazonas e diversos estados do Nordeste. Ele atribui à atuação social sua recente eleição para o Conselho Tutelar de Veranópolis, o que fortaleceu ainda mais seu vínculo com a cidade. Geograficamente localizado na mesorregião noroeste do estado do Rio Grande do Sul, encontra-se o município de Vitória das Missões, local de nascimento da migrante Helena Beilfuss Santana, de 49 anos. Filha de pai agricultor e mãe dona de casa e confeiteira, Helena cresceu em uma família de cinco irmãos, todos criados na zona rural do pequeno município, que conta cerca de 3.500 habitantes. Para continuar os estudos além do ensino básico, ela precisou sair de casa, pois a comunidade em que residia oferecia somente a escola primária. Helena cursou magistério, seguindo a tendência das mulheres de sua família. No entanto, fez carreira em uma profissão tradicionalmente masculina: ingressou na Brigada Militar como soldado, realizando sua formação em Santa Maria e atuando por muitos anos em Porto Alegre. Helena se mudou para Veranópolis, uma cidade que não conhecia, por questões de trabalho, para assumir o comando da companhia da Brigada Militar local e de Nova Prata. Ela recorda: ?Eu vim pra Veranópolis com uma mochilinha nas costas, para conhecer a cidade. Eu não conhecia, e vim aqui no pelotão, conversei com o Sargento Cortelini, na época, com o pessoal, e disse que em alguns dias eu estaria chegando para comandar o pelotão? (Santana, 2024). Assim, tornou-se a primeira mulher a comandar os destacamentos da instituição militar na região, com Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 92 | um número significativo de municípios sob sua responsabilidade e uma grande quantidade de subordinados: ?Eu tinha sob meu comando dezessete municípios, então se tratava de uma companhia grande, muito grande [...], porque realmente é uma companhia maior que um batalhão, então esse foi o grande desafio? (Santana, 2024). Na Brigada Militar, uma das instituições mais antigas do estado, após anos de dedicação, Helena se aposentou com a patente de major e continua residindo no município de Veranópolis. Também da região do Alto Uruguai, no noroeste do estado, vieram inúmeros migrantes, destacando-se o casal Werno Kuster, nascido em 1956, e Norma Holz Kuster, nascida em 1964. Ambos são naturais de São José das Missões e foram criados em famílias de agricultores, descendentes de imigrantes alemães e de confissão luterana. Migraram em busca de melhores oportunidades, pois o trabalho no campo já não atendia mais às suas necessidades. Assim como eles, conheceram diversas famílias na mesma situação, que venderam propriedades rurais para migrar para cidades industrializadas. Alguns exemplos de municípios de migrantes que o casal mencionou em sua fala são: Constantina, Palmeira das Missões, Giruá e Horizontina. Conforme Norma Holz Kuster (2024), sua família trabalhava com plantação de grãos e criação de suínos. Com 8 anos de idade, ela já desempenhava funções na lavoura, dividindo a atividade com a frequência na escola, concluindo o grau primário. Ao sair de São José das Missões para Veranópolis, Norma explicou o impacto da mudança para ela e seu companheiro: ?Lá a gente plantava soja, criava porco, a mesma função dos pais. Quando a gente veio aqui, foi da água para o vinho? (Kuster, 2024). A mudança ocorreu após a vinda do esposo, que já conhecia o novo destino, escolhido para buscar emprego: Eu fiquei para resolver o resto das coisas lá, porque ele saiu assim: ?Hoje estou indo e ponto, vou procurar emprego?. Eu tive que me virar com as coisas da mudança, vender as bicharadas que nós tínhamos ainda, e dar um jeito em tudo. Vinte dias depois, nós viemos? (Kuster, 2024). Em Veranópolis, o casal conseguiu rapidamente se estabelecer economicamente, primeiro com o emprego do marido e, em seguida, com a ocupação de Norma na indústria local: Emprego não foi difícil, porque aqui não tem problema de emprego, a gente conseguiu logo começar a trabalhar. [...]. Eu, dois anos fiquei em casa, porque a filha mais nova era pequena, era bebê. Depois, eu comecei a trabalhar fora também. [...] no setor calçadista, na Alpargatas, trabalhei em ateliês de costura, e agora estou aposentada, mas ainda costuro, em casa (Kuster, 2024). O casal chegou a trabalhar junto na mesma fábrica de calçados na cidade. Antes disso, Werno Kuster passou por outras atividades, inicialmente em uma fruteira e depois como servente de pedreiro. Sua infância foi semelhante à da esposa, trabalhando na roça desde os 8 anos e concluindo a escola até o nível primário. A manutenção das atividades na lavoura, que os pais desempenhavam, não foi possível, levando-o a buscar oportunidades em uma nova região, ainda no final da década de 1990: Era difícil, nos últimos tempos era difícil; por isso nós saímos, porque estava muito difícil. [...] a gente cansou da lavoura, porque estava muito ruim naquele tempo. Nós viemos em 1999 para cá. A Aline [filha do casal] já tinha se formado [no Ensino Fundamental], e ela quis estudar um pouco mais. Lá era longe, dava 30km mais ou menos, até à cidade de Palmeira das Missões. Daí resolvemos vir morar para cá (Kuster, 2024). Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 93 Quando chegou à região, Werno Kuster (2024) encontrou emprego rapidamente, o que motivou a trazer toda a sua família em seguida: ?Cheguei num fim de semana, e na terça-feira eu já comecei a trabalhar. Vinte dias depois, veio o restante [esposa e as filhas]?. Não são apenas razões de empregabilidade que motivam pessoas a buscar uma nova vida em Veranópolis. Por exemplo, foi o que ocorreu com Fernanda Ribeiro Garbinato, nascida em 1967 em Porto Alegre, a capital do estado. Filha de um empresário e de uma professora, todos os filhos do casal tiveram acesso ao ensino superior, sendo Fernanda formada em Odontologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, uma das maiores instituições universitárias privadas do estado. Já casada, Fernanda e seu marido, técnico em prótese, realizaram uma avaliação de mercado na região da Serra Gaúcha com o objetivo de instalar um consultório e um laboratório próprios. Durante uma visita a Veranópolis, a qualidade de vida em uma cidade muito mais calma em comparação com a capital chamou a atenção, principalmente do esposo de Fernanda: Passando por aqui em viagem, em uma ocasião, ele disse para mim: ?eu moraria nesta cidade?. Mas eu e ele estávamos estabelecidos em Porto Alegre, já trabalhando, enfim... eu pensei: ?não, nem pensar!? Mas aí o tempo foi passando, e a vontade morar num lugar mais pacato foi chegando (Garbinato, 2024). O casal concluiu sua pesquisa por um novo local para seus negócios e decidiu mudar-se para o novo município: ?A cidade se mostrou muito propícia, tanto para o meu trabalho, como cirurgiã dentista, quanto para ele, com laboratório de prótese. Então, nós viemos para cá? (Garbinato, 2024). Trajetórias, caminhos e experiências de migrantes do Nordeste brasileiro em Veranópolis A construção dos complexos energéticos nos vales do Rio das Antas e do Rio da Prata na primeira década do século XXI e a consequente demanda por mão de obra em diversas especialidades trouxeram novas ondas migratórias para Veranópolis, especialmente do Nordeste brasileiro. Conforme aponta Ana Regina Reschke Dalla Coletta (2024), então secretária municipal de Assistência Social, a chegada de um grande número de migrantes gerou problemas sociais no município, que não estava preparado para receber tantas famílias em tão pouco tempo, enfrentando dificuldades relacionadas a moradia, alimentação, adaptação ao clima e empregabilidade. Muitas dessas famílias acabaram permanecendo em Veranópolis após a finalização das usinas hidrelétricas, e outras chegaram posteriormente. Entre os exemplos selecionados, encontram-se três nordestinos que escolheram Veranópolis para fixar residência por diferentes razões, seja em busca de novas oportunidades de emprego e educação, qualidade de vida ou relacionamentos: são os casos de Marcia Ferreira Condori, Maria Aparecida Cardoso Valna e Adrissil Campos Ferreira. Iniciando por Marcia Condori, nascida em 1985, natural da cidade litorânea de Alhandra, na Paraíba, ela cresceu em uma família que se dedicava à colheita de acerola. Todos os irmãos começaram na atividade desde cedo para garantir o sustento e o alimento diário: ?Dependendo de quantas caixas colhíamos, teríamos o sustento da semana? (Condori, 2024). Eles trabalhavam Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 94 | pela manhã e frequentavam a escola à tarde. Criada pela avó, Marcia relembra a simplicidade da infância que viveu: A minha avó me criou. Eu com meus três outros irmãos, junto com seus outros filhos. Ela não era casada, e se submeteu a trabalhar sozinha, em trabalho na terra. De onde eu venho, o trabalho é na terra, com plantações e colheitas. E lá ela trabalhava sozinha, para ter o que nos alimentar. E assim, eu nunca cheguei a passar necessidade, mas também não foi uma vida de fartura (Condori, 2024). Devido às condições financeiras da família, Marcia precisou trabalhar desde muito cedo, começando ainda na pré-adolescência: Eu comecei a trabalhar nova, aos doze anos já fui trabalhar na casa de pessoas para ajudar a minha mãe. Como eu disse, a gente nunca passou necessidade, mas também não tínhamos uma casa em chão de piso; fomos criados num lar humilde (Condori, 2024). Assim, migrou para o Sul, primeiramente com as duas filhas, e depois seu esposo se juntou a elas. Marcia conheceu Veranópolis por intermédio do cunhado, que é natural do município. Entre as razões para migrar, além de oportunidades de emprego, estava a possibilidade de oferecer uma melhor educação para suas filhas: Ele [esposo] sempre falava em vir aqui para o Sul, desde que a gente se casou. Logo após que ele perdeu os pais, a gente não tinha mais motivo para ficar lá. E daí eu vi que minhas filhas estavam crescendo numa cidade onde não tem um desenvolvimento, e eu pensei nelas. Eu disse para ele: ?Vamos tirar nossas filhas daqui, dessa cidade, que é limitada?. Agora é hora de levar elas para outros lugares, para conhecer outros lugares, e talvez crescer profissionalmente, dar uma melhor educação?. E foi isso o que fizemos (Condori, 2024). A mudança para o novo destino foi facilitada pela existência de apoio familiar já estabelecido na cidade, visto que o cunhado de Marcia já residia em Veranópolis e auxiliou sobretudo na questão de moradia. No princípio, o que mais chamou atenção de Marcia foram as diferenças de clima e cultura em comparação à sua região de origem, onde a temperatura média é de 24ºC e as formas de expressão são distintas. Ela também sofreu com episódios de preconceito na cidade, pelo seu modo de falar e pelo local de seu nascimento: Sempre que as pessoas falavam do Rio Grande do Sul, só me falavam do frio, que o frio era muito insuportável. [...]. E eu cheguei aqui e me apaixonei, eu gostei do frio bem mais do que o calor da minha cidade. [...]. Ela não é uma cidade grande, mas ela é uma cidade acolhedora. Quando as pessoas vão para lá, quando você chega você se sente acolhido, algo que eu não tive quando eu cheguei aqui. [...]. Logo ali no início, quando eu cheguei, tinha uma colega de trabalho que ela dizia que não conseguia ouvir a minha voz, que me achava insuportável pelo jeito que eu falava. [...]. E quando eu percebo que as pessoas falam ?vocês lá de cima?, eu vejo um tipo de preconceito [...]. As pessoas não conhecem os lugares e julgam todos por um (Condori, 2024). No aspecto cultural, o relato de Marcia sobre as diferenças entre os alimentos e pratos típicos da sua região e os da Serra Gaúcha é interessante, pois evidencia a diversidade existente no país e que se encontra na região: Nós somos acostumados de manhã a comer batata, inhame ou macaxeira, [...] não pão ou bolacha. [...]. Lá, o nosso churrasco é totalmente diferente daqui. Lá a gente faz espetinho pequenininho, e aqui eles colocam uma peça toda de carne no fogo. Quando eu vi o pessoal comendo polenta, eu achei estranho, porque lá polenta para nós é uma outra comida feita com milho, a qual chamamos de canjica, só que é doce (Condori, 2024). Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 95 As oportunidades desejadas na cidade escolhida para migrar foram aparecendo logo, principalmente para o caso da educação das filhas de Marcia. Da mesma forma, a migrante encontrou emprego na indústria alimentícia instalada no município, trabalhando em uma cozinha industrial. Sobre a educação da filha mais velha, que chegou a Veranópolis aos 15 anos, Condori destaca: Inscrevi ela no CIEE [Centro de Integração Empresa Escola do RS], e lá na minha cidade não tem isso. Com dezesseis anos, cha- maram ela para trabalhar na Caixa Econômica Federal, onde ela trabalhou por dois anos como aprendiz (Condori, 2024). Atualmente, a filha reside em Porto Alegre, cursa Odontologia e trabalha em um escritório de contabilidade: ?Coisas que, se nós estivéssemos lá, não estariam acontecendo? (Condori, 2024). A trajetória da paraibana acabou incentivando outras pessoas de sua região a buscarem Veranópolis, tanto amigos quanto familiares: ?Veio meu cunhado, com sua esposa e duas filhas, depois veio os amigos, depois veio outro amigo do amigo... as pessoas começam a vir, e tem umas quantas pessoas da minha cidade que moram aqui? (Condori, 2024). Maria Aparecida Cardoso Valna, de 31 anos, nasceu em Teresina, no Piauí. Criada em um bairro periférico da capital, cresceu no conjunto populacional conhecido como Mocambinho. Vinda de uma família de três irmãos, a principal renda da casa era proveniente do pai, gerente de uma microempresa, enquanto a mãe era dona de casa e se dedicava aos cuidados de um dos filhos, que é pessoa com deficiência. Maria teve a possibilidade de estudar da educação infantil ao ensino médio em escolas privadas confessionais de valores mais acessíveis: ?A mãe fazia das tripas coração pra pagar uma escola, pra que a gente pudesse ter melhores oportunidades? (Valna, 2024). Depois, concluiu a sua formação no ensino superior com uma graduação em Comunicação Social ? Habilitação em Jornalismo, pela Universidade Estadual do Piauí, tornando-se a primeira integrante da família a alcançar esse nível de formação. A opção por mudar de local foi motivada principalmente pelo estilo de vida da capital, incluindo desafios relacionados ao trânsito, à violência e à distância entre moradia e trabalho. Além disso, a principal razão para a mudança para Veranópolis foi a união com o companheiro, com quem se casou: Eu digo que eu sempre pensei muito fora da caixa e não sei explicar como, mas eu sempre... eu amo minha cidade, eu amo minha terra, gosto de ir lá visitar, mas eu sempre tive uma inquietação de que eu não pertencia àquele lugar, como se faltasse algo, como se talvez meus pensamentos não convergissem com os pensamentos da maioria, eu precisava de algo diferente. Então eu sempre tive aquela coisa de ?Eu vou tentar fora!?. [...]. E eu estava me formando, faltava mais ou menos um ano para eu me formar, e eu conheci meu marido. Ele é natural daqui do RS, é nascido no município de Salto do Jacuí, mas ele morava aqui em Veranópolis (Valna, 2024). Na nova cidade, as condições de vida chamaram logo a atenção da migrante, que também percebeu que, por ser uma cidade menor, as pessoas têm mais tempo e são mais próximas, cumprimentando quem passa pela rua: Quando eu cheguei aqui em Veranópolis, a questão da qualidade de vida é muito grande, então foi uma das coisas que mais me encantou no lugar. Primeiro de tudo, o lugar é lindo! Mas o fato de que tu passa na rua... nos primeiros dias, pra mim foi um pouco assustador, porque em Teresina tu passa, tu não dá bom dia, boa tarde, não dá nada, pelo fato que as pessoas estão sempre correndo, [...], tu não se sente à vontade. [...]. E quando eu cheguei aqui, as primeiras vezes que eu andei pelas ruas da cidade, as pessoas paravam, olhavam e diziam: ?Oi!?. E eu pensava: ?A pessoa nem me conhece e está me dando um oi!??. Então, essa questão da receptividade, de tudo ser muito próximo e de qualidade de vida, qualidade de salários também, essa questão da remuneração é muito boa aqui, comparada inclusive a Teresina (Valna, 2024). Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 96 | Apesar disso, Maria Aparecida enfrentou dificuldades nos primeiros tempos na nova cidade, sobretudo para se inserir no mercado de trabalho em sua área de formação. Com isso, começou a atuar no setor industrial. Ela destaca o que segue: E foi a questão de chegar, de tu ser uma pessoa de um lugar diferente, tu não conhecer ninguém e inclusive e um desses lugares surgiu uma vaga, que precisava que a pessoa falasse inglês, tivesse um nível de ensino e aí eu disse: ?Poxa, eu tenho todas as qualificações, por que vocês me colocaram na produção ao invés de me aproveitar para esse setor que eu posso ajudar muito mais??. [...]. Então, acho que, para mim, essa foi a principal dificuldade, não conhecer ninguém não sentir as coisas muito abertas para uma pessoa recém-chegada (Valna, 2024). Além dessa dificuldade inicial, Maria Aparecida relatou ter sofrido preconceito, algumas vezes velado ou disfarçado: Eu passei por algumas situações pontuais, disfarçadas de brincadeira, na questão do meu cabelo, na questão da minha cor. A pessoa chegou para mim e disse: ?Pra branca tu não serve? [...]. Uma outra vez uma pessoa chegou, pegou no meu cabelo e disse: ?tu sente?? (Valna, 2024). Como forma de se integrar à comunidade, ela começou a se envolver na área cultural, participando de um grupo musical: Uma outra coisa que a gente percebeu na cidade, foram os eventos culturais, então a gente recém tinha chegado, era aí por volta de setembro, e em seguida teve a Feira do Livro. Eu me lembro que eu fiquei muito encantada com aquilo, por que era a cultura muito próximo da comunidade, e nisso a gente conheceu o trabalho do grupo de teatro, que na época era o Tem Gente no Palco, e também conhecemos o trabalho dos coros da Associação Musical. [...]. Ingressamos no Coro Adulto da Associação Musical de Veranópolis, e participamos até hoje. Isso nos trouxe essa proximidade, e eu gosto muito de estar envolvida na cena cultural, porque foi um grupo que não quis saber classe social, de onde tu vem, o que que tu faz: ?Vem cantar com a gente! Aqui a gente precisa da tua voz?. E é um grupo que é uma família, então eu me sinto muito acolhida, tanto por parte da igreja da qual a gente faz parte hoje dia, como também pelo grupo do Coro Adulto (Valna, 2024). Maria Aparecida Cardoso Valna em seu estúdio de produção audiovisual, Veranópolis, 2024 (acervo privado de Maria Aparecida Cardoso Valna) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 97 Dois anos após chegar à cidade, a piauiense finalmente conseguiu um emprego na área de jornalismo, mais condizente com sua formação. Atualmente, Maria convive com outros migrantes nordestinos na cidade, pois, em seu cotidiano, encontra muitas pessoas identificadas primeiramente pelo sotaque inconfundível: Acho que de início, tu procura, é uma coisa que tu tem uma ânsia de encontrar: ?Ai, tomara que eu encontre alguém do meu estado, que entende a minha realidade, que entende o que a gente passa, que entende o porquê de nós termos saímos da nossa terra natal?, acredito que é uma forma de se identificar, por mais que tu não tenha saído da mesma cidade, ou do mesmo estado, mas tu cria, é uma coisa que une a gente, uma identidade nordestina no Sul (Valna, 2024). Também em razão de um relacionamento, entre outros motivos, o baiano Adrissil Campos Ferreira, nascido em 1996, mudou-se para Veranópolis. Natural de Porto Seguro, ele é filho de um eletricista e de uma empregada doméstica. De uma família numerosa, com oito filhos, morando em um bairro periférico da cidade, Adrissil começou a trabalhar desde cedo. Aos 19 anos, deixou sua cidade natal e passou a viver em diversos estados: Desde que eu me entendo por gente, eu sempre quis sair de lá, eu acho até que pela questão da minha sexualidade também. Eu sempre quis conhecer o mundo a fora, o que eu poderia alcançar, até onde eu poderia chegar com os meus próprios esforços. [...]. Desde que eu comecei a pensar em trabalho e estudo, e ver a importância dessas coisas, eu quis sair de lá, porque eu sabia que não ia ter as oportunidades que eu poderia querer. [...]. Sempre quis conhecer o sul do país, eu sempre quis vir para cá. Eu estudei, passei na universidade federal, joguei a nota lá para Foz do Iguaçu, e comecei a estudar lá, só que, como meus pais não tem uma situação financeira tão boa para poder me ajudar, e federal tem que se dedicar pra caramba, eu acabei tendo que trancar o curso, porque eu não conseguia achar um trabalho que permitisse conciliar as duas atividades. Eu tive que trancar a matrícula, e depois eu acabei vindo para Veranópolis (Ferreira, 2024). Outros membros da família de Adrissil também migraram para Veranópolis, incluindo um irmão e uma prima. Ele considera que arrumar emprego na nova cidade foi rápido, conforme observou: Na primeira semana eu já tinha entrevista marcada, e na segunda eu já comecei a trabalhar. Lá em Porto Seguro, a minha prima está lá tem quatro meses, e até agora ela não arrumou trabalho. Lá realmente é difícil, a maior parte de trabalho que você vai encontrar é mercado, é hotel, e mais em temporada (Ferreira, 2024). Em Veranópolis, ele pôde até mesmo escolher onde trabalhar, recebendo convi - tes para vagas em um posto de gasolina e em uma indústria metalúrgica. Optou pela segunda, atuando primeiramente como montador de válvulas e depois passando por outros setores da fábrica: Em relação a estrutura na empresa, era maravilhosa, eu não queria sair de lá, de verdade, era um lugar que eu gostava de trabalhar, o serviço era tranquilo, eu estava satisfeito com o salário também (Ferreira, 2024). Ele também destaca que o trabalho lhe trouxe muitos benefícios, como plano de saúde e acesso a profissionais como psicólogos, algo que não tinha na Bahia. No emprego atual, Adrissil vislumbra novas possibilidades de crescimento profissional, além de desenvolvimento pessoal, graças às oportunidades que a Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 98 | região oferece de forma ampla. No entanto, ele relata ter sofrido preconceitos, tanto por sua orientação sexual, ao escutar piadas a respeito, quanto pela sua origem e cor de pele: Apesar de ter muitas coisas positivas, tem outras coisas que são presentes também... eu comentei isso com uma colega de trabalho minha, que também é negra: eu fui cortar o cabelo, o cara chegou pra mim, mexeu no meu cabelo e falou: ?Nossa, o seu cabelo é difícil!?. Na hora, eu levei na graça, não entendi em que sentido ele queria falar. Depois que eu comentei com minha colega, ela falou que ele estava sendo preconceituoso com meu cabelo. Em relação à xenofobia, a gente parecia que... que eu era um animal exótico. Eu me sentia assim... quando eu andava na rua, todo mundo parava, ficava olhando para mim, parecia que eu, sei lá... que eu estava vestido de palhaço (Ferreira, 2024). Do mundo para Veranópolis: migrações, nacionalidades e culturas Entre os migrantes vindos de nações estrangeiras, pessoas de diversos países, como Argentina, Colômbia, Cuba, Haiti, Marrocos e Venezuela, contribuíram com suas histórias de vida para a elaboração deste capítulo. As razões que os levaram a deixar seus países de origem são diversas, embora a busca por emprego e melhores oportunidades se destaquem, bem como as condições políticas, econômicas e sociais. Salienta-se que há também um número considerável de imigrantes senegaleses residentes em Veranópolis que, ao serem convidados a participar do projeto, preferiram não conceder entrevistas. Amin Ait Tahmidit, nascido em 1996, é natural da capital do Marrocos, Rabat. Seu pai é confeiteiro e possui uma grande loja na capital, especializada em festas de casamento, onde conta com o auxílio de sua esposa, Badia Moujjane. Quando vivia no Marrocos, Amin ajudava seu pai na loja, mas decidiu realizar o sonho de conhecer e morar em outros países. Passou por alguns lugares até chegar ao Brasil e se estabelecer em Veranópolis, influenciado por um amigo que já residia na cidade. Vindo ao Brasil em 2022, o marroquino ficou impressionado com a quantidade de vagas de emprego que encontrou em Veranópolis. A seguir, apresenta-se parte do seu relato: Ibra Mboup, Mbaye Mbengue, Abdou Salam e Abdou Cisse (imigrantes senegaleses), na festividade muçulmana Magal Touba, Veranópolis, 2024 (autoria não identificada, acervo do Arquivo Público Municipal de Veranópolis) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 99 Eu saí dois anos atrás. Eu era o único irmão que gostaria de conhecer outros países. Não foi o Brasil o primeiro país que eu morei. Eu morei em vários países. O último país que eu fiquei foi na Turquia. Eu fiquei um pouco tempo lá. Então conheci um amigo que mora aqui em Vera [Veranópolis]. Ele é casado com uma moça aqui de Vera. Aí ele me convidou para vir aqui. Eu falei ?Espera um pouco, vamos ver?. Ele me ensinou sobre os lugares: a praça, o parque da Maçã... vim então só visitar. Não tinha o pensamento de vir morar aqui. [...]. Mas eu aceitei, e falei ?Eu acho que eu vou ficar aqui?. Um pouco depois eu voltei para o Marrocos, trouxe a minha mulher [Wissal Ait Bargaz], e depois vieram dois irmãos meus também [Khalil Ait Tahmidit e Karim Ait Tahmidit]. Foi a mesma coisa, eu mostrei a cidade para eles, que a cidade tem muito serviço. Se for ver, emprego aqui, tem mais de cem vagas aqui. Quase todos têm serviço e precisa de gente. O pessoal, quando vêm aqui, não vai ficar parado (Ait Tahmidit, 2024). Antes de chegar a Veranópolis, Amin passou por alguns estados brasileiros, como São Paulo, que, segundo ele, ?não é igual aqui no Sul?. Quando chegou ao estado gaúcho, pensou estar ?em outro país, porque o pessoal é diferente, é mais ?colonial? [rural] aqui, de cultura italiana?. Para aprender o idioma português, fez um curso online, estudando à noite, e sentiu- se acolhido e auxiliado pelas pessoas locais, o que facilitou sua adaptação: O Brasil é um país não é igual aos outros países. O povo brasileiro é bem simples. O pessoal que ajuda não tem aquele racismo. São pessoas bem legais. Eles gostam de ajudar as pessoas. Se tu não sabe, eles vão contigo, te ensinam as coisas. Poucos países que são assim. A maioria, lá na Europa, não é igual. Aqui no Brasil, tem festas com vizinhos, o pessoal conversa... lá não, cada um fica em casa, o pessoal é um pouco fechado. Mas no Brasil, a cultura é uma maravilha. Por isso que o pessoal vem bastante aqui. [...]. O país tem liberdade também (Ait Tahmidit, 2024). Conforme Amin, a diferença mais acentuada que encontrou no país que escolheu viver foi no âmbito religioso. Ele é muçulmano e observou que, embora muitas pessoas pratiquem o islamismo no Brasil, constituindo algumas mesquitas, o número é expressivamente menor em comparação com os praticantes das religiões católica e evangélica. Amin relata que os muçulmanos ainda sofrem bastante com o preconceito religioso, embora o acesso à informação e a realização de grandes eventos esportivos em países árabes estejam auxiliando a melhorar a percepção das pessoas sobre o islamismo. A principal nacionalidade representada nesta pesquisa, refletindo sua significativa presença no município, foi a de haitianos. A migração dos haitianos para o Brasil está fortemente relacionada ao terremoto que atingiu o Haiti em 2010, bem como aos acordos diplomáticos subsequentes que facilitaram a entrada de pessoas daquele país no Brasil. Em seus relatos, migrantes haitianos também mencionam descontentamento com o governo e falta de emprego, segurança e qualidade de vida. Para esse grupo, a migração tem sido de permanência, com muitas pessoas trazendo suas famílias ? geralmente, os homens migram primeiro e, depois, trazem suas esposas e seus filhos. Foram entrevistados para este projeto: Abel Pierre, Andre Aurelus, Fritz Ralph Desir, Noelcie Exil, Gabriel Antoine, Gusmane Jacquet e Lesly Saint Louis. Abel Pierre, haitiano radicado em Veranópolis desde 2021, nasceu em 1993 na cidade de Cabaré, cujo nome no Haiti está associado à ideia de festividade. Seu pai é caminhoneiro e sua mãe, costureira. Ele estudou em escola pública até chegar à faculdade, formando-se em Ciência da Computação em uma instituição Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 100 | privada. Iniciou sua carreira como professor de informática, ensinando também línguas estrangeiras, mas precisou pensar em migrar devido à situação econômica e política do Haiti nos últimos anos, que impediam seu crescimento profissional: Eu estava ensinando inglês, francês e informática também. E depois o país ?virou mal?, muito problema na rua, manifestações, pneu queimado... Um grupo que queria quebrar [depor] o governo daquele tempo. Então, eu ficava três meses sem trabalhar, porque escola e igreja, loja, tudo estava fechado. Eu tinha amigo no Brasil, e me falavam do Brasil. Falavam: ?Abel, Haiti não é estável. Tu pode trabalhar um mês, dois meses, depois ?bloquear?, então é melhor se tu viajar, tem mais oportunidade no Brasil do que no Haiti?. [...]. Eu posso dizer que foi esse amigo que me falou sobre o Brasil. E depois [no Haiti] tinha banditismo também (Pierre, 2024). Inicialmente, Abel passou três meses em São Paulo, SP, onde enfrentou dificuldades para se adaptar devido ao idioma, não encontrando vagas de emprego na sua área. Durante esse período, atuou como servente de pedreiro e panfleteiro na rua, recebendo por dia. Em seguida, deslocou-se para o Sul, escolhendo Veranópolis por encontrar na cidade mais vagas de emprego. Rapidamente encontrou ocupação em uma indústria local, embora em uma função que considerava muito aquém da sua formação. Atualmente, trabalha como frentista em um posto de gasolina. Abel acredita que muitas situações que enfrentou tenham relação com o preconceito contra migrantes estrangeiros e relatou ocasiões em que também sentiu discriminação pela cor de sua pele: Eu posso dizer que tem cliente que fica assustado. A primeira vez que eles veem um ?cara preto? assim, que vai abastecer o carro deles, parece que vai... Um cliente não queria dar a chave para eu abrir a tampa. Às vezes acontece, mas não falam, o cliente não fala. Mas do jeito que ele se assustou, demonstra, e fica olhando ?assim?... eu fiquei quieto, não quer dar a chave, eu fiquei quieto. Mas tem que dar, para poder abrir a tampa (Pierre, 2024). Mesmo diante dessas situações, Abel deseja continuar residindo na cidade, onde se sentiu acolhido ao receber auxílio na Secretaria de Assistência Social e na unidade do Ministério do Trabalho. Ele tem se esforçado para se adaptar ao clima e pretende, em breve, trazer a esposa e um irmão para viverem juntos no Brasil. Diferentemente de Abel, o migrante haitiano André Aurelus vive em Veranópolis com sua esposa e filha. André também é natural da capital do Haiti, onde nasceu em 1989, mas cresceu no interior, trabalhando na agricultura junto com o pai. De uma família de seis irmãos, três optaram por emigrar do país: além de André, que hoje vive no Brasil, uma irmã foi para os Estados Unidos e outra para o Chile. O motivo de deixar o Haiti foi a situação econômica e política, o que se tornou comum para muitos haitianos. André acredita que a situação não deveria ser assim e destaca o impacto emocional que a escolha de emigrar representa: Comum, não é comum, porque é um sofrimento. Eu nunca viajei ou passei um tempo fora longe dos meus pais. Eu estou aqui faz nove anos, e eu comecei a me sentir triste todos os dias. Às vezes, eu tentei fazer uma chamada de vídeo para eles, mas piora a saudade, sabe? Porque tu vai enxergar uma pessoa que tu não consegue nem tocar nela, uma pessoa com quem tu te criou, que te educou, que sempre esteve ao teu lado. [...]. Como eu sou o mais novo, eu sempre estive ao lado deles (Aurelus, 2024). Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 101 Ao sair do Haiti, André passou um tempo na Venezuela antes de chegar ao Brasil. Entrou pelo estado de Roraima e foi para Manaus, AM, para trabalhar no setor da construção civil, onde ficou apenas um mês. Em seguida, voltou a Roraima, onde passou a atuar em uma serraria. Em seis meses, sofreu um grave acidente que resultou na perda de um rim: As coisas começaram a piorar, porque naquela época a empresa não me ajudava... eu tinha que conseguir me virar com o que eu tinha guardado. Daí complicou um pouco a situação, porque eu não sabia de nada naquela época, e eu não conseguia nem conversar com ninguém, não sabia nada em português. Eu passei muita dificuldade. Eu não consegui mais voltar na minha terra. A minha esposa estava lá, e ela estava grávida naquela época, quando eu viajei. Ela ganhou neném em agosto de 2015 e eu acabei me acidentando em dezembro 2015, depois de três meses de nascimento da minha filha. Eu me acidentei, e daí eu não consegui mais ajudar a minha família que estava lá no Haiti (Aurelus, 2024). Naquela condição, André cogitou retornar ao Haiti, mas foi incentivado pela esposa a permanecer no Brasil. Após alguns anos, conseguiu trazê-la ao país, junto com a filha: ?Eu passei uns dois anos trabalhando, e eu consegui trazer a minha família aqui, depois de três anos? (Aurelus, 2024). No Rio Grande do Sul, estabeleceram-se em Veranópolis, onde ambos trabalham e a filha estuda, já bem adaptada ao idioma: ?A mãe dela conversa direto com ela no nosso idioma [...], mas ela mais conversa em português em casa, porque eu falo direto com ela em português?. André disse gostar de morar no local atual, por ser uma cidade tranquila, embora tenha passado por algumas situações ?incômodas?: Antigamente, eu estava incomodado um pouco, porque às vezes eu encontrava muita injúria racial. Mas agora, graças a Deus, eu me sinto um pouco mais confortável, porque às vezes as pessoas podem julgar uma pessoa sem saber quem é ela. Mas depois que eu comecei a conversar com as pessoas, eles me conheceram melhor (Aurelus, 2024). Com a família ? esposa e filha ?, também reside em Veranópolis outro migrante haitiano: Fritz Ralph Desir, nascido em 1982. Órfão de pai desde os 11 anos, Fritz lembra que era um sonho do seu genitor que os filhos tivessem uma educação que permitisse exercer uma profissão diferente da dele, que era agricultor. Com o auxílio da mãe, Fritz conseguiu alcançar esse objetivo, formando-se em um curso na área de Construção Civil. Embora seu desejo fosse permanecer no país em que nasceu, a crise política e social que o Haiti enfrenta há décadas forçou sua saída em busca de novas oportunidades: Antes, quando eu era criança, eu gostava muito do Haiti. Até agora eu gosto do Haiti, porque é o meu país, está no meu sangue, e vou morrer como haitiano. [...]. Mas, quando o país está em crise política, bastante problema, o país não está avançado, o país fica atrás, é problema, guerra, bandido. Antigamente, o Haiti era um paraíso de país para viver, mas, em 2001, o país começou com problemas. Eu deixei o Haiti em 2018, o país estava grave. Agora é pior, porque todos os bairros viraram favela. Eu posso falar honestamente, agora o jovem que fica, é porque não pode sair. Qualquer jovem que pode sair tem que ?vazar?, porque não há esperança (Desir, 2024). A primeira opção de destino de Fritz foi o Chile, onde tinha um amigo já estabelecido. Contudo, precisou mudar de ideia e escolheu o Brasil, pois possuía visto para o país. Fez uma pesquisa a respeito do destino, inclusive com a preocupação em ?saber se o Brasil era um país racista?. Também começou a estudar o Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 102 | idioma português por conta própria. Desembarcou de avião em São Paulo, SP, e logo pegou um ônibus com destino ao estado de Santa Catarina, onde permaneceu por cerca de um ano e meio, na cidade de Caçador. Em seguida, mudou-se para Veranópolis, onde está há quatro anos. Ele brinca que hoje é ?quase um veranense?. Encontrou emprego rapidamente na indústria de óleo vegetal do município. Sua esposa também está empregada na cidade e a filha estuda em uma escola pública. Ele reconhece que ter a família por perto é uma grande vantagem: ?Tem muitos haitianos que têm dificuldade. A sorte que eu tenho é que minha família já está comigo, mas tem muita dificuldade para os haitianos trazerem a família para cá? (Desir, 2024). Essa dificuldade é relatada pelo migrante haitiano Lesly Saint Louis, nascido em 1982 em uma pequena cidade interiorana do país caribenho. Começou a trabalhar junto com o pai, principalmente na plantação de bananas. Embora as bananas sejam o produto mais rentável para a agricultura na região, a atividade não tem sido suficiente para manter os jovens. Foi o que ocorreu com Lesly, que resolveu emigrar depois de manifestar o desejo ao pai e de providenciar o visto e os recursos financeiros para comprar a passagem. Ele é o primeiro e único filho da família que decidiu emigrar do Haiti até o momento. Chegou ao Brasil em 2016, instalando-se inicialmente em Bento Gonçalves. Após ficar sem emprego na cidade, mudou-se para Curitiba, estado do Paraná, onde ficou por cerca de três anos. Posteriormente, retornou para a Serra Gaúcha, para Veranópolis, onde está desde 2022. Sua esposa chegou ao Brasil em 2018 e também conseguiu emprego na cidade. Casaram-se no Brasil, na Igreja do Evangelho Quadrangular, têm três filhos, mas moram apenas com uma filha, estando os demais no Haiti. Essa situação é o que mais preocupa Lesly, que deseja trazer os filhos para viver com ele, enfrentando dificuldades burocráticas para concretizar esse desejo: Ajudo a família no Haiti todos os meses. [...]. Eu sou haitiano aqui no Brasil e estou aqui trabalhando, mas não tenho tudo. A gente está trabalhando, comprei um carro, eu tinha uma casa quase pronta, mas a gente está trabalhando. Minha mulher está comigo aqui, tem uma filha aqui, eu tenho todos os documentos. O governo tem que dar uma autorização para eu trazer os filhos. Os filhos foram lá na embaixada do Brasil, no Haiti, três vezes, para conseguir um visto, mas não dá nada. A cada vez que ele foi para fazer o agendamento para pegar o visto, sempre tem uma coisa que falta para dar o documento. [...]. A mãe, está sempre chorando. A gente está sofrendo aqui por isso. Eu queria uma possibilidade para trazer para cá meus filhos, e se não tiver como, terei que voltar. Vender as coisas e voltar lá. Quando tu é pai, tu tem uma responsabilidade. Os pais têm que acompanhar os filhos até eles morrerem. Lá no Haiti, é assim (Saint Louis, 2024). No contexto de estabelecimento de convênios entre governos, chegaram a Veranópolis, através do Programa Mais Médicos, desde 2013, quatro médicas cubanas: Anailys Alfalla Montenegro, Maria Tereza Rey, Mildrey Diaz Diaz e Yaima Ferrer Puentes. Atualmente, somente Mildrey e Yaima ainda atuam na saúde local. Destaca-se a trajetória de Yaima Ferrer Puentes, nascida em 1980 na Província de Pinar del Río, região mais ocidental de Cuba. Filha de pai mecânico e mãe professora, cresceu em uma família humilde, junto de seus dois irmãos. Os três tiveram oportunidade de estudar, concluindo do ensino básico ao superior na rede pública cubana. Após concluir a formação, Yaima iniciou a carreira como médica, atuando por nove anos na cidade onde nasceu. Depois, emigrou para o Brasil em 2017, através do Programa Mais Médicos, e atuou por dois anos em Joinville, SC. Com as mudanças Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 103 ocorridas nesse programa durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), ela optou por permanecer no Brasil e aderiu às reformulações profissionais exigidas pelo governo, que incluíam a revalidação do diploma e a legalização da situação no país. Durante esse período, trabalhou como atendente de farmácia e cuidadora de idosos. Chegou a Veranópolis em 2019 para atuar na rede pública municipal de saúde, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Sobre a opção de migrar e a escolha de uma nova cidade para ver seu filho crescer, ela afirma: Foi uma escolha minha emigrar, porque entendi... para este país especificamente, porque entendi que aqui eu ia ser feliz. [...]. Eu estou sendo muito feliz aqui em Veranópolis, porque mesmo profissionalmente evoluí muito, foi aqui que consegui revalidar o diploma, é aqui onde estou evoluindo profissionalmente, estou fazendo minha especialidade em endocrinologia. É aqui que estou fazendo acontecer o que sonhei em toda minha vida. Eu perguntei para meus amigos brasileiros e eles pesquisaram a história de Veranópolis, como que eram as condições de vida, como era o desenvolvimento daqui, como era a questão de violência que me preocupava muito. Meu filho não estava comigo na época ainda e eu precisava procurar um lugar onde eu me sentisse segura com meu filho. E foi assim, eu escolhi Veranópolis (Ferrer Puentes, 2024). Yaima relata ter sentido alguns impactos culturais, desde questões linguísticas até alimentares e comportamentais: Sim, impactou em tudo, a cultura muito diferente. O cubano é um latino, uma pessoa que é bastante comunicativa, as pessoas do trabalho... somos amigas, minha melhor amiga é minha amiga do trabalho, minha enfermeira, por exemplo. Aqui não, aqui a gente percebe que a cultura, as pessoas são um pouco mais fechadas, que tem que te conhecer muito bem, para depois se abrirem pra ti (Ferrer Puentes, 2024). Sobre sua nacionalidade e o fato de ser negra, reflete: Eu me achava um pouco leiga nesse assunto, porque em Cuba isso não se vê [racismo], todo mundo lá é igual, sendo médico, sendo enfermeira, sendo... E como o próprio processo de transculturação, que todo mundo é quase igual, eu não conhecia essa palavra, eu não tinha contato muito com essa palavra preconceito (Ferrer Puentes, 2024). Mesmo sem perceber questões de preconceito racial, seus colegas de trabalho relatavam algumas situações, como, por exemplo, as indagações: ?Mas aquela que está ali é a médica? Mas ela é médica mesmo??. Além de atuar no serviço público, Yaima trabalha também no setor de saúde privado. Hoje, considera-se financeiramente estabilizada e trouxe o filho para viver com ela no Brasil. Yaima Ferrer Puentes, Veranópolis, 2024 (autoria não identificada, acervo privado de Yaima Ferrer Puentes) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 104 | Em 2009, em meio a uma região marcada pela violência, Daisy Herrera Diaz e sua família optaram por emigrar da Colômbia. Na época, ela já era casada com Jaime Ruiz e tinham uma filha de um ano. Ao longo do caminho, passaram pelo Panamá e pelo Equador, sobrevivendo com trabalhos informais e ambulantes, que geravam pouca renda. Nascida em 1984, na cidade de San Pedro de Urabá, departamento de Antioquia, Daisy é filha de agricultores e pecuaristas. Ela contextualiza o cenário de conflitos que sua família enfrentava na Colômbia e que motivou a saída do país: É uma terra bastante difícil, de conflito armado, por causa mesmo do estado... de muitos anos que meu país vive em conflito. [...]. Quando eu nasci era bem tranquilo lá, eu lembro que até os nove, dez anos, pra mim era tranquilo. Tinha muito conflito, porque a Colômbia é um país que chega a seis décadas de conflito armado, por questão dos governos, das FARC, do narcotráfico, então neste tempo estava bem mais tranquilo. Só que chegou um momento que escapou das mãos do governo e foi mais ou menos ali dos meus dez anos pra frente, começou a haver muita violência nas colônias, antes não havia, era tranquilo, vivia em paz, tu podia cultivar e era tudo de bom. Eu lembro que quando eu tinha por onze, doze anos, começaram outros grupos armados que eram diferentes das FARC, que são os paramilitares. Porque as FARC... é uma história bem difícil de contar, mas como as pessoas que trabalhavam, que tinham fazendas estavam cansados de ser extorquidos, aí se criou outro grupo que se chama paramilitar. Aí quando esses dois grupos começaram a combater entre si, as pessoas civis ficaram no meio, e o governo também. Muitos deslocamentos, muitas famílias... meu avô teve que sair, meu avô era fazendeiro, de muitas terras, muito gado e meus tios também, todo mundo tinha uma vida boa, no campo, mas boa (Herrera Diaz, 2024). Por intermédio da Organização das Nações Unidas (ONU), a família ingressou em um programa de auxílio a refugiados, optando pelo Brasil como destino: O Brasil foi o primeiro que falou que nos aceitava, aí foi uma comissão da ONU daqui para o Equador pra nos entrevistar, ver nossos perfis, pra ver onde iam nos enviar, que a gente pudesse ter uma vida tranquila, começar de novo (Herrera Diaz, 2024). Assim, o Rio Grande do Sul foi escolhido devido à proximidade com países de língua espanhola. Após contato com o poder público de Veranópolis e a aprovação para receber refugiados, a família chegou ao município em 2012, juntamente com outras duas famílias colombianas. Daisy considera que, exceto pela questão do idioma, não tiveram maiores dificuldades, pois receberam total suporte da ONU por meio da Companhia de Jesus. Sobre o estabelecimento em Veranópolis, emprego e visão do novo lugar, ela reflete: Tu tinha um ano pra achar emprego, mas aqui como tem bastante emprego... eu acho que com dois dias em casa... o primeiro dia a gente saiu, bem estranho, como que é uma cidade tão bonita, tão organizada e não se vê gente na rua, como que se trabalha? Porque tu vem dos países como o nosso, que as pessoas estão na rua, sabe? É muito movimento. Aqui era tudo calmo, como era de manhã... e dois dias bateram na porta do apartamento e pediram pro Jaime se ele queria trabalhar e ele falou que sim, então ele começou logo, não tinha uma semana aqui em Veranópolis, ele já estava trabalhando (Herrera Diaz, 2024). Desde a chegada, a família atuou em vários setores da indústria local. Atualmente, Jaime é motorista de caminhão, enquanto Daisy trabalha no Grupo E. R. Amantino. A colombiana Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 105 considera que a família foi bem acolhida e amparada, tanto pelos órgãos humanitários quanto pelos órgãos públicos municipais, encontrando em Veranópolis um sentimento de pertença: ?Eu não sei se os veranenses me querem, mas eu me acho veranense, me acho gaúcha, então se tem preconceito, não me interessa, porque eu gosto. [...]. Se eu estou aqui é porque Deus quer, então eu me sinto veranense? (Herrera Diaz, 2024). Na cidade, ela constituiu novas redes de amizade, encontrando acolhimento nas atividades culturais do município: ?Pra mim o coro e o teatro é tipo a minha família, um lugar onde me sinto segura, um lugar onde desfruto muito também? (Herrera Diaz, 2024). Em uma situação semelhante à de outros migrantes, encontra-se a família de Beatriz Arreaza Sansobrino e Keni Prieto Freite, venezuelanos que deixaram seu país em busca de melhores condições de vida, sobretudo para seus dois filhos. Beatriz nasceu em 1981, em uma família de classe média urbana, que também possuía uma pequena propriedade rural voltada para agricultura e pecuária, o que complementava a renda familiar. Ela teve a oportunidade de estudar e formou-se em Direito. Iniciou sua carreira na administração pública como assistente de um deputado. Após, tornou-se advogada consultora da prefeitura de sua cidade natal. Já seu esposo, Keni, nasceu em 1985 na cidade de Bolívar, capital do estado de Bolívar, Venezuela. Criado em uma família trabalhadora, seu pai era pedreiro e sua mãe, dona de casa. Após concluir o ensino médio, ele ingressou no exército. Quanto às condições políticas, econômicas e sociais da Venezuela, ele explica: [...] ao longo dos anos se foi sentindo o peso da má gestão do governo que tava acontecendo. Aí tivemos que deixar de trabalhar em firmas, normalmente como fazem as pessoas, e começar a trabalhar em particular. Eu comecei a trabalhar particularmente, com meu carro, fazer viagens, fazer o que chama aqui de Uber [...], pra ganhar um sustento melhor e sustentar o carro. Mas igual, da mesma maneira, chegou um tempo que não pude continuar... pra sustentar minha casa e sustentar o carro, aí eu tive que vender o carro pra poder sustentar um tempo meu lar, minha família. [...]. Trabalhei de tudo um pouco, até garimpeiro um tempo, trabalhar procurando ouro (Prieto Freite, 2024). O casal deixou a Venezuela em 2019 e se estabeleceu em Boa Vista, RR, em um acampamento para venezuelanos. Na sequência, eles optaram por ser encaminhados ao Rio Grande do Sul. Não encontraram dificuldades para entrar e permanecer no Brasil, pois foram amparados por um programa da Igreja Assembleia de Deus do Brasil, que facilitou a entrada de 150 famílias venezuelanas no país. Inicialmente, foram para Jaguari, depois para Coronel Pilar, até se estabeleceram em Veranópolis, sempre com apoio da referida igreja. Sobre as dificuldades de migrar, Beatriz aponta: Quando nós viemos para o Brasil, não tínhamos amigos aqui, familiares, contatos, ninguém. Nem sabíamos falar o idioma nada. [...]. Eu tava grávida, eu nem sabia de quantos meses, nem tomei medicação para controle pré-natal, eu não sabia nada. Então aí o sustento foi Deus. [...]. É uma bênção muito grande sabe, chegar a um país estrangeiro, sem conhecer ninguém e te dar esse bem-vindo, esse acolhimento, eu abençoo todos os funcionários do abrigo, que estavam lá trabalhando, eles ficaram como nossa família (Arreaza Sansobrino, 2024). Estabelecidos em Veranópolis, eles consideram que foram bem acolhidos e que a cidade oferece ótima infraestrutura de Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 106 | serviços públicos e oportunidades de emprego. No entanto, passaram por dificuldades de ordem financeira. Conforme Keni relata: ?Por enquanto eu só que tô trabalhando. Ela, pela condição de saúde não tá trabalhando, então tem muitas pessoas que tão ajudando nós. A escola também é muito legal aqui, tem o transporte e tudo pras crianças?. Keni Prieto Freite (2024) enfrentou desafios para conseguir emprego, pois suas referências profissionais eram todas da Venezuela: No começo quando eu procurei emprego, em muitos lugares, como motorista, não me abriram as portas. Primeiro me perguntavam onde que eu tinha trabalhado antigamente, ou anteriormente, [...], muitas pessoas me pediram recomendações ou onde que eu tinha trabalhado e como não tinha trabalhado em nenhuma ainda. Atualmente, ele trabalha em um depósito de hortifrúti, o que oferece melhores condições socioeconômicas à família. Beatriz afirma que faz questão de ensinar espanhol aos filhos, especialmente ao caçula, que nasceu no Brasil, e que também costuma cozinhar pratos típicos da Venezuela, adequando-os aos ingredientes disponíveis no mercado local: Eu cozinho arepas com farinha de polenta, essa farinha de polenta é desidratada aqui no Brasil [...]. Ela é desamidonada [tirado o amido], então é muito difícil pra eu cozinhar, eu tenho que botar farinha de trigo, eu tenho que botar água quente, amassar, esperar que ela esfrie um pouco, misturo bem, amasso, aí eu faço a arepinha e frito. Esse é o café da manhã de nós. No Natal eu faço o que é... sabe a hallaca? É um bolinho pequeno, com a mesma farinha de milho, com carne, o frango desfiado dentro, e azeitonas, alcaparras e fica um prato típico venezuelano. Então aí faz também um molho de alho, com salsinha, que sempre tá na mesa nossa. É Venezuela, aqui nunca saímos da Venezuela para comer (Arreaza Sansobrino, 2024). Veranópolis recebeu também inúmeros migrantes argentinos, que, a partir das histórias de vida registradas, apresentam um perfil diferente das demais nacionalidades mencionadas até o momento. Apesar da crise socioeconômica enfrentada pelo país vizinho na última década, esses migrantes deixaram a Argentina por questões de relacionamento ou em busca de melhores oportunidades de emprego e empreendedorismo. Foram entrevistados os seguintes argentinos: Jorge Ezequiel Paez, Yamila Cao López, Ludmila Hermanowyc e Matias Prokopow. Além desses, há outros argentinos residindo no município. Há quinze anos, o casal Ludmila Hermanowyc e Matias Prokopow escolheu Veranópolis como novo lar. Ambos são descendentes de imigrantes ucranianos, foram criados em famílias de classe média urbana e tiveram oportunidade de cursar o ensino superior. Ludmila nasceu em 1989 na cidade de La Plata, capital da província de Buenos Aires. Seu pai era operário e sua mãe era professora, jornalista e bibliotecária. Matias nasceu em 1979 em Buenos Aires, capital do país, onde seu pai atuava na área de contabilidade e sua mãe era bibliotecária. O casal se conheceu através de atividades que desenvolviam em grupos de cultura ucraniana e se casou na Igreja Greco-Católica Ucraniana na Argentina. A migração para o Brasil esteve relacionada às atividades profissionais de Matias como engenheiro industrial, conforme seu relato: Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 107 Eu trabalhava na empresa Welen, no setor de engenharia de produto, aí foi que 2005, 2006, fizeram uma parceria com aqui, com a Micromazza de Vila Flores. Então aí, entre as duas empresas criaram uma empresa Wenmazza. E eu desde a Argentina, eu era o encarregado de preparar toda a engenharia, preparar os desenhos, preparar todos os cálculos e enviar aqui para o Brasil. Chegou um ponto que a empresa cresceu muito e precisavam de um engenheiro fixo aqui, para criar um departamento de engenharia na Wenmazza, então me convidaram em 2009 pra... nós recém-casados, como contava a Ludi, aí nos ofereçam uma oportunidade de vir pra cá, para trabalhar nesta empresa, já desde 2009 (Prokopow, 2024). Para Matias, o Brasil e o Rio Grande do Sul não eram locais estranhos, pois seus avós residiam na província argentina de Misiones, a região mais próxima do Brasil, e era costume da família cruzar a fronteira em momentos de lazer. Além disso, sua avó era brasileira, natural da cidade de Passo Fundo. Em contrapartida, Ludmila enfrentou muitos desafios na adaptação ao novo local, sobretudo relacionados à língua: Ele já conhecia Veranópolis, tinha vindo para ver questões de onde íamos morar, visitar a fábrica [...]. Foram muitos desafios, eu era nova, não sabia nenhuma palavra na língua, não tinha estudado. Ele tinha feito vários cursos de português, eu não tinha feito nenhum curso, tinha pego somente algum livro para aprender os dias da semana e alguns tipos de cumprimento. A questão da língua, por mais que sejam muito parecidas, estrutura gramatical é a mesma, foi uma dificuldade. E outra coisa que... quinze anos atrás não tínhamos WhatsApp, não tínhamos Facebook, Instagram, queríamos conversar com alguém, tínhamos que ir até o telefone lá no Hotel Princesa dos Vales, conversar com a nossa família meia hora, uma hora. Hoje o contato é contínuo. Então foi um momento difícil (Hermanowyc, 2024). Embora cite algumas dificuldades iniciais, Ludmila afirma que teve uma experiência muito positiva, destacando a hospitalidade das pessoas em Veranópolis: As pessoas não nos conheciam e de braços abertos nos receberam. Já desde o primeiro dia, [...] conhecemos, por exemplo, um casal de amigos que até hoje são amigos [...], que desde o início nos acolheram, nos abriram as portas da sua casa, sem nenhum medo. Durante os quinze anos residindo no município, o casal teve dois filhos, que possuem dupla nacionalidade. A família participa de diversas atividades na comunidade local, o que contribui para sua integração, como as desenvolvidas pela Associação Atlética Veranópolis e pelo Grupo Escoteiro São Luiz Gonzaga. Conforme aponta Ludmila, os filhos: São super brasileiros, adoram comer feijão preto, eu ainda tenho que acertar na receita, eles são muito apegados aos colegas na escola, nas atividades nas quais eles participam, eles se sentem em casa aqui, porque esta é a sua casa, esta é a sua identidade (Hermanowyc, 2024). Jorge Ezequiel Paez, nascido em 1988 em Puerto Belgrano, um distrito federal militar em Buenos Aires, escolheu Veranópolis entre muitos outros locais do mundo pelos quais teve a oportunidade de viver. Filho de médicos com carreira militar, mudou-se com a família ainda criança para Ushuaia, na Patagônia, onde viveu até os 18 anos. Crescido em uma família de classe média, ele e seus irmãos tiveram a oportunidade de estudar e concluir o ensino superior. No seu caso, formou-se em Gastronomia pelo Instituto Argentino de Gastronomia, com especialização em confeitaria. Após concluir os estudos, ele fez Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 108 | um estágio na França, onde morou por dois anos e trabalhou no restaurante Mirazur. Em seguida, migrou para a Espanha, onde passou um ano e meio em Ibiza, trabalhando na área de confeitaria. Ao finalizar suas experiências profissionais na Europa, mudou-se para o Brasil, primeiramente estabelecido em Santa Catarina e depois em Rio Grande, onde conheceu um veranense que o convidou para abrir um restaurante em Veranópolis: Um dia ele me convidou para abrir um restaurante aqui em Veranópolis, uns dez anos atrás, abrimos um restaurante chamado Alfredo, que era aí na frente da prefeitura e ficamos trabalhando um tempinho ali também e depois eu decidi começar com a padaria. Eu vi que era algo que em Veranópolis, era algo que estava... não diria faltando, porque tem muitas boas padarias, mas eu vi que eram receitas mais de raiz, receitas, receitas mais daqui, um pouquinho mais básicas, não enquanto sabor, mas enquanto técnica, eram receitas mais de famílias, de avós (Paez, 2024). Jorge considera Veranópolis uma boa cidade para empreender, destacando seu desenvolvimento socioeconômico e o potencial de crescimento dos profissionais locais. Com base em sua formação e na análise do mercado, criou um empreendimento de sucesso que evoluiu ao longo dos anos, começou em um espaço simples e afastado e, hoje, opera em uma localização central. Contando com o apoio de sua companheira, Luana Ribeiro, uma veranense que conhece bem as pessoas e os negócios locais, além de dominar o idioma, sua padaria comercializa algumas receitas tradicionais da Argentina, como os sorvetes conhecidos como helados e os folhados chamados medialunas. Com uma experiência de vida semelhante, mas por razões diferentes, Yamila Cao López migrou para o Brasil em 2013. Nascida em 1988 na cidade de Oberá, estado de Misiones, Argentina, vem de uma família de classe média, em que o pai era empresário e a mãe, professora. Estudou o ensino fundamental na rede pública argentina e o ensino médio em uma escola adventista, denominação cristã professada por sua família. Ela também cursou Nutrição por dois anos na Argentina e completou os últimos dois anos em São Leopoldo, na Unisinos, onde concluiu o ensino superior. Sobre a escolha por migrar, ela destaca: Jorge Ezequiel Paez em frente à sua confeitaria em Veranópolis, 2024 (acervo privado de Jorge Ezequiel Paez) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 109 Bom, aqui é um pouco diferente, geralmente o pessoal vem pra buscar oportunidades, mas eu fiquei apaixonada por um brasileiro e eu conheci ele na Argentina, ele estudava lá. A gente namorou quatro anos lá, a gente casou na Argentina. Mas quando a gente começou a namorar, o sonho dele sempre foi voltar pro Brasil. Então eu comecei a namorar com ele, mas eu já sabia que eu ia vir morar no Brasil. Ele tinha um Gol, a gente colocou nossas roupas no porta-malas e viemos para o Brasil, no outro dia depois do casamento. [...]. Eu vim pro Brasil em 2013, novembro de 2013, então a situação da Argentina já estava indo pra... não estava muito bem, mas não era a realidade de hoje (López, 2024). Casada com Fabrício Cardozo Vicente, que exerce a profissão de médico, Yamila inicialmente se estabeleceu em Flores da Cunha, a partir da primeira turma do Programa Mais Médicos. Posteriormente, o casal viveu em várias cidades, como Porto Alegre, Curitiba e Bento Gonçalves, sempre por questões de estudos ou do trabalho de Fabrício. Yamila lembra que Veranópolis sempre foi uma cidade conhecida pelo casal, visto que os sogros residiam em Bento Gonçalves, mas relata que: Nunca na vida nós imaginamos vir pra Veranópolis, porque tem essa serra [...], então nós falamos: ?Imagina subir e descer isso todo tempo, cada final de semana. Não, a gente não vai?. Nun- ca pensamos em vir morar em Veranópolis (López, 2024). Contudo, com o tempo, o casal reavaliou a situação de residir em uma cidade grande e optou por se estabelecer em Veranópolis, realizando um antigo desejo de criar os filhos no interior, em uma área rural. Assim, em 2020, eles se estabeleceram definitivamente no município: Achamos linda a cidade assim, calma. Chegava sete, oito da noite... eu lembro um dia que saímos passear, era quieta a cida- de, ainda não tinham feito o passeio [revitalização da Rua Júlio de Castilhos], então era bem quieto (López, 2024). Desde a chegada, Yamila se sentiu muito acolhida pelas pessoas e pelos vizinhos: O que fez a gente amar a cidade foi as pessoas, as pessoas aqui não têm... E cada vez que alguém me pergunta eu falo a mesma coisa, não existe mais gente como aqui, eu pensava que isso acontecia há cem anos atrás, mas aqui ainda vocês têm isso. No trabalho do meu marido também, receberam ele muito bem, pessoal sempre foi muito querido. Então a gente falou: ?Esse é o nosso lugar!? (López, 2024). Ao encerrar este capítulo, espera-se ter contribuído para o conhecimento histórico sobre a formação do município de Veranópolis, de modo especial sobre os processos migratórios que marcam seu território. Almeja-se também que tenha sido possível evidenciar a diversidade cultural que hoje se faz presente na cidade. Sem dúvida, a contribuição das nacionalidades, culturas e etnias que compõem Veranópolis pode tornar este município brasileiro um local ainda melhor para se viver, tanto para os nativos quanto para os migrantes, principalmente se essa convivência for baseada no respeito às diferenças. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 111 um olhar para a história da indústria Anthony Beux Tessari Veranópolis Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 113 A história de Veranópolis também se expressa em seu significativo patrimônio industrial, composto pela trajetória das indústrias, pelos espaços das ffábricas, pela memória dos trabalhadores e pelos acervosos que servem como fonte para narrar e compreender o processoso de desenvolvimento local e regional. Este capítulo busca evidvidenciar essa história, apresentando uma síntese que combicombina relatos sobre as empresas constituídas no município, imagens que registram momentos marcantes, publicações de variadas épocas e depoimentos orais que revelam lembranças e construções sobre o passado. O texto foi organizado cronologicamente e dividido em três períodos, abrangendo do final do século XIX até o presente. Da colônia ao município de Alfredo Chaves: trabalho, indústria e economia Nas primeiras décadas de sua existência, Alfredo Chaves tinha a agricultura como principal atividade econômica. O processo de colonização da região foi baseado no regime de pequenas propriedades, e os imigrantes estabelecidos na encosta superior nordeste do estado do Rio Grande do Sul extraíam da terra e da criação de animais os produtos para sua subsistência. No final do século XIX, destacava-se o cultivo de milho, trigo, feijão, linhaça e uva, além da criação de vacas, porcos e galinhas, com a produção de leite, manteiga, carne, banha e ovos. Conforme o Almanak Litterario e Estatistico da Provincia do Rio Grande do Sul de 1891 1 , um dos principais problemas enfrentados pela Colônia Alfredo Chaves era a ausência de boas estradas até a sede do município de Lagoa Vermelha e para a capital do estado, Porto Alegre, o que prejudicava as exportações. Naquele ano, por exemplo, o valor total dos produtos exportados foi de apenas 15.000 réis, composto por pequenas quantidades de banha, salame e feijão. De outro modo, a produção interna para consumo era muito maior, evidenciando o potencial produtivo existente. Em 1891, foram produzidos 3.584.000 litros de milho, 2.320.000 litros de trigo, 153.000 litros de feijão, 332 litros de linhaça, 18.240 litros de vinho, 675 quilos de manteiga, 5.000 dúzias de ovos, 6.684 quilos de banha, 56.323 quilos de salame, 3.215 chapéus de 1 Almanak Litterario e Estatistico da Provincia do Rio Grande do Sul, 1891, p. 304. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 114 | palha, e 29.428 quilos de diversos gêneros 2 . Ainda de acordo com o almanaque, a criação de animais naquele ano também era expressiva, com 315 mulas, 800 cavalos, 2 mil cabeças de gado vacum, 5 mil porcos e 62,3 mil aves. À medida que a colônia produzia gêneros alimentícios e o comércio se desenvolvia, surgiam estruturas auxiliares à produção. Foram construídos moinhos para o beneficiamento dos grãos colhidos, serrarias para extração de madeira e construção de casas, além de ferrarias para a produção de ferramentas como arados, enxadas e peças para carretas e carroças. Nos fundos da residência de Antônio Farina, duas pequenas oficinas estavam instaladas: ?uma dedicada à produção de móveis, esculturados, estilo clássico; e outra, especializada em artefatos de ferro forjado, grades, portões, cruzes, etc.? (Farina, 1992, p. 90). Algumas dessas oficinas já utilizavam equipamentos considerados modernos para a época, auxiliando na produção crescente. Em 1909, por exemplo, o imigrante Sante Meneghetti informava, em uma carta publicada no jornal Stella D?Italia, que sua serraria ?Italia?, localizada em Alfredo Chaves, era equipada com um locomóvel estacionário da marca Heinrich Lanz, de oito cavalos de força, cuja utilização remontava ao menos a 1898, ano da emancipação política de Alfredo Chaves. 2 Foi mantida a forma de apresentação dos dados conforme o original, por isso ?litros? ao invés de quilogramas para o caso do milho, trigo, feijão e linhaça. Outras serrarias e madeireiras foram instaladas em Alfredo Chaves, local que, segundo Abruzzi (Costa, 1998), possuía a maior reserva florestal do estado do RS. Ali se encontravam madeiras nobres como canela, cedro, angico, guajuvira, peroba e ipê, com predominância do pinheiro de araucária. O uso dessas madeiras era principalmente voltado para a construção de casas, depósitos e galpões, bem como para a produção de tabuinhas (chamadas de scàndole), que, justapostas e enfileiradas, eram utilizadas como telhas para coberturas. No início, pouca madeira era exportada, devido à dificuldade de escoamento, que dependia dos períodos de cheia do Rio das Antas, além da ausência de boas estradas e meios de transporte motorizados. No período inicial da emancipação, o município experimentou um contínuo crescimento econômico e demográfico. De acordo com o recenseamento de 1901, a população do município era de ?20.120 almas? 3 . Nos relatórios da intendência, observa-se a preocupação do poder público municipal em realizar investimentos para construção e manutenção das estradas vicinais e de ligação com outras cidades. Por exemplo, um relatório apresentado ao Conselho Municipal 4 afirmava que o desenvolvimento do comércio, da 3 Almanak Litterario e Estatistico da Provincia do Rio Grande do Sul, 1903, p. 213. 4 Municípios de Alfredo Chaves. Relatório apresentado ao Conselho Municipal pelo Intendente João Leivas de Carvalho. Porto Alegre, 1906, p. 18-20. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 115 Serraria Chiaradia, primeira metade do século XX (autoria não identificada, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 116 | indústria e da agricultura dependia principalmente das boas vias de comunicação e que estas não estavam ?descuradas na esfera das finanças do tesouro municipal?. No mesmo relatório, entre as principais receitas municipais, destacavam-se justamente as advindas do setor de ?indústria e profissões?, categoria que incluía a agricultura, a qual era a principal atividade econômica de Alfredo Chaves na época. As atividades fabris continuavam a ser realizadas em pequenas oficinas, que se multiplicavam e cujos produtos eram cada vez mais expostos em todo o estado. Na exposição estadual de 1901, realizada na capital Porto Alegre, diversos expositores de Alfredo Chaves representaram o município tanto no setor da agricultura quanto na incipiente indústria. A maioria dos expositores foi premiada, dentre eles os seguintes: ? Antonio Ignacio da Silveira, expôs amostras de café em grão, recebendo menção honrosa; ? João Chiomento, apresentou amostras de casulos de seda; ? Giacomo Griggio, expôs ferraduras e foi premiado com medalha de bronze; ? Egydio Farina, apresentou um armário guarda-roupa, recebendo medalha de bronze; ? Giulio Rifosco, exibiu farinha de trigo e trigo in natura, sendo premiado com medalha de bronze; ? Tercilio Casonato, apresentou um guarda-roupa preto e foi condecorado com medalha de bronze; ? Antonio Farina, expôs linho e amostras de madeiras, recebendo menções honrosas (Reinhardt, 1901). Entre as oficinas existentes na vila, destaca-se como exemplo a de Fiorindo Dalla Coletta, imigrante italiano estabelecido em Alfredo Chaves em 1886, que instalou uma pequena oficina de carpintaria, dedicada à produção de escalas métricas e réguas de madeira, bastante utilizadas em lojas de tecido. Posteriormente, ele montou uma ferraria que também oferecia serviços de fundição e fabricava bombas manuais para a extração de água de poços (Farina, 1992, p. 108). Ao longo de sua trajetória, Fiorindo realizou uma série de invenções, contribuindo para facilitar a vida dos colonos e produtores da região. Entre suas contribuições, destaca-se a montagem da primeira fábrica de torneiras para uso enológico no Brasil. Sua oficina era equipada com maquinário trazido da Europa, para onde viajou em duas ocasiões. | 117 Fiorindo Dalla Coletta trabalhando em sua oficina, Alfredo Chaves, 1915 (autoria não identificada, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 118 | Reinaldo Lusa incandescendo metal à brasa na Ferraria Lusa, Linha Ernesto Alves, Veranópolis (Foto Parise, acervo do Mumver) Ferrarias voltadas para a produção de instrumentos utilizados na lavoura, como arados, foices, enxadas, machados, picões e picaretas, assim como ferramentas para construtores, como martelos, marrões, marretas, ponteiros e talhadeiras, eram outros tipos de empreendimentos presentes na sede do município e nos distritos. Ao mesmo tempo, em regiões propícias à extração de barro, inúmeras famílias instalaram olarias para a produção de tijolos e telhas. Destaca-se a fábrica da família Ceccato, na localidade de Linha Aimoré, atualmente Vila Flores, que iniciou suas atividades no princípio do século XX, com a participação de sócios das famílias Zugno, Martini e Grison. Naquele período inicial, a produção de tijolos era ainda artesanal, com o barro amassado com os pés. A Olaria Ceccato manteve suas atividades até o início do século XXI, contando com um considerável parque industrial. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura118 | Abel e Ampilio Affonso junto à atafona de tração animal da Olaria Affonso, Veranópolis, 1954 aprox. (Foto Parise, acervo privado de Ampilio Affonso) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 120 | Outra história ligada às origens da indústria em Veranópolis é a da fabricação de acordeões, atividade empreendida por Tulio Veronese, imigrante de Vicenza. O ofício era uma tradição familiar que Veronese aprendeu ainda na infância, realizando consertos e montagens do instrumento. Por volta de 1900, foi fundada a empresa Tulio Veronese & Filho, Fabricantes de Gaitas, cuja especialidade era a fabricação de acordeões de escala cromática com teclado de botões. Além do filho, Tulio contava com a ajuda de seu irmão, Riciere Veronese 5 . 5 Museu Municipal de Veranópolis. Acervo Acordeões Veronese S.A. Tulio Veronese na Indústria Veronese S.A., após a tranferência da fábrica para Porto Alegre na década de 1940 (autoria não identificada, acervo do Mumver) No início da década de 1910, o município de Alfredo Chaves contava com 25.053 habitantes, sendo 8,9 mil residentes na sede, e os demais distribuídos pelos outros quatro distritos dentro dos limites municipais. Os dados populacionais encontram-se em um relatório da intendência municipal, datado de 1911, que também traz um levantamento referente às profissões existentes naquele período 6 . Destacam-se algumas ocupações relacionadas ao tema da economia: havia 78 negociantes, 53 carpinteiros, 52 ferreiros, 49 moleiros, 49 sapateiros, 40 industrialistas, 28 curtidores, 16 seleiros, 15 alfaiates, 11 pedreiros, 7 funileiros, 6 açougueiros, 6 marceneiros, 5 cervejeiros, 4 ourives, 4 padeiros, 3 mecânicos e 1 escultor. Entre as demais ocupações, a de agricultor era a mais numerosa, pois a agricultura empregava, de alguma forma, quase todos, inclusive os próprios profissionais antes listados, além de mulheres e filhos (Farina, 1992, p. 80-81). Um acontecimento marcante nos primeiros anos da década de 1910 foi a instalação da usina hidrelétrica, comemorada festivamente e motivo de orgulho para as autoridades e os moradores locais, por ter ocorrido antes mesmo de Caxias do Sul, a principal ex-colônia das cinco criadas no período imperial. Algumas famílias passaram a usufruir da luz elétrica, e a novidade também chegou a alguns comércios e oficinas (Farina, 1992, p. 76). No ano seguinte à chegada da luz elétrica, o desenvolvimento e a contribuição de Alfredo Chaves para a economia do Rio Grande do Sul foram reconhecidos pelo 6 Municípios de Alfredo Chaves. Relatório apresentado ao Conselho Municipal pelo Intendente Achylles Taurino de Resende. Porto Alegre: 1911, p. 18-20. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 121 (Costa, 1922), há um capítulo inteiramente dedicado a Alfredo Chaves, no qual se explica que o desenvolvimento do município estava determinantemente ligado à origem de seus moradores e às suas atividades econômicas. Entre os dados apresentados, o álbum traz que a ?principal riqueza? do município seguia sendo a agricultura, com ênfase na cultura da uva e na produção de vinho. Além disso, o comércio era descrito como ?forte e próspero?, com a existência de 128 casas comerciais, a maioria delas no modelo de armazéns de ?secos e molhados?. No ramo fabril, a indústria da madeira passava a despontar, e a publicação afirma que: Uma das maiores riquezas do município de Alfredo Chaves é a florestal. Das matas do município sai toda a madeira de lei neces- sária às construções da localidade, bem como milhares de me- tros cúbicos para exportação, anualmente (Costa, 1922, p. 462). A indústria de produtos suínos e laticínios e a erva-mate de sistema barbaquá também contribuíam para a economia local. Ainda em relação à indústria da madeira, as exportações eram destinadas a centros consumidores do estado, como a capital Porto Alegre, realizadas através do Rio das Antas, principalmente nos períodos de cheia da via fluvial. Cabe reforçar que a fonte citada tem caráter propagandístico e comemorativo, o que pode implicar na supervalorização de alguns aspectos. De qualquer forma, a publicação histórica evidencia o discurso de enaltecimento da economia local, notadamente durante os anos 1920, com um destaque maior para a indústria. O associativismo também já se fazia presente na economia local, contando com ao menos três associações no formato de cooperativas: Cooperativa de Alfredo Chaves, Laticínios Trabalho e Progresso de Monte Vêneto e União das Serrarias. vice-presidente do estado, Salvador Ayres Pinheiro Machado. Ele afirmou que, em 1913, 38.708 famílias dedicavam-se ao plantio de trigo em todo o estado, ?sendo a maior parte das culturas existentes nos municípios de colonização italiana, destacando-se o de Alfredo Chaves? 7 . Nesse período, surgiu também no município a União Commercial de Alfredo Chaves, entidade criada em 1916 voltada à defesa dos interesses dos comerciantes e industrialistas locais. Posteriormente, a entidade mudou a denominação para Associação Comercial Cultural e Industrial de Veranópolis (Aciv). O início dos anos 1920, em Alfredo Chaves, foi amplamente registrado. Pelo menos três publicações de caráter comemorativo e propagandístico se dedicaram a ilustrar e difundir dados do desenvolvimento econômico do município. São elas: o álbum O Rio Grande do Sul: completo estudo sobre o estado (Costa, 1922), a Revista Máscara ? número comemorativo ao Centenário da Independência do Brasil 8 e o Diccionario Historico, Geographico e Estatistico do Municipio de Alfredo Chaves: indicador commercial e profissional (Pimentel, 1987[1923]) 9 . Os dados apresentados pelas três publicações são semelhantes e se complementam em diversos aspectos. No álbum O Rio Grande do Sul: completo estudo sobre o estado 7 Mensagem enviada à Assembleia dos Representantes do Estado do Rio Grande do Sul pelo presidente Antonio Augusto Borges de Medeiros em 20 de setembro de 1914. Porto Alegre: Oficinas Gráficas d?A Federação, 1914. 8 Revista Máscara. Número especial comemorativo ao Centenário da Independência do Brasil-Rio Grande do Sul, 1822-1922, n. 19, Porto Alegre, 1922. 9 Trata-se da reedição da obra publicada em 1923, sob organização da Posenato Arte & Cultura. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 122 | Em uma das imagens que ilustram o capítulo, há um destaque para a fábrica Casarin, Frainer & Cia., com suas instalações em uma edificação de madeira de quatro pavimentos. Conforme a legenda da publicação: Possuem o principal estabelecimento industrial da vila de Alfredo Chaves. Fábrica de caramelos, chapéus de palha, bebidas, aguardente, álcool e "Nubian". Torrefação e moagem de café. Os seus produtos têm a marca "Cascata" e já foram premiados com 4 medalhas de ouro na Exposição Estadual. A firma é constituída pelos srs. Baptista e Luiz Casarin, Jacintho, Luiz e Natal Frainer e João Galeazzi, sendo sócio-gerente o Sr. Luiz Casarin. Com um capital de 300:000$000, fazem um movimento anual de 800:000$000 (Costa, 1922, p. 464). Editado originalmente em 1923, o Diccionario Historico, Geographico e Estatistico do Municipio de Alfredo Chaves: indicador commercial e profissional (Pimentel, 1987[1923]), impresso originalmente sob responsabilidade da Livraria Selbach, de Porto Alegre, apresenta muitas informações e dados semelhantes aos de publicações equivalentes, com o mesmo tom laudatório. No entanto, como ?indicador comercial e industrial?, a segunda parte da publicação inclui uma extensa e interessante lista de comércios e fábricas então existentes no município, tanto na sede quanto nos distritos, além de uma seção dedicada a anúncios de diversos negócios comerciais e industriais, ilustrando a diversidade de itens produzidos naquele período de gênese da indústria alfredochavense.Instalações da fábrica Casarin, Frainer & Cia. e os produtos fabricados (Costa, 1922, p. 464) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 123 Anúncios de estabelecimentos industriais de Alfredo Chaves, 1923 (Pimentel, 1987[1923], p. 75-122) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura| 123 Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 124 | Novas fábricas e uma nova Veranópolis: os anos de 1930 e 1940 O início de novos setores e empreendimentos industriais marcou os anos de 1930 e 1940. É nesse período que cresce a indústria de palhas de milho, representada pelas fábricas Andreoni & Boito e Moraes & Cia., sediadas na localidade de Vila Azul, além de outras empresas do ramo nos distritos (Farina, 1992, p. 76). A atividade de produção, em escala artesanal, já era comum nas famílias, que aproveitavam os dias chuvosos, que impediam o trabalho na roça, para cortar e empacotar as palhas, utilizadas na fabricação de cigarros. Uma empresa dessa mesma atividade que se destacou no município foi a fábrica Palhas Satélite, originalmente denominada Fioravante Pessin, Frainer & Cia., surgida ainda nos anos 1920. Duas décadas depois, a fábrica inaugurou sua nova sede em uma edificação de alvenaria, onde eram realizados os trabalhos de compra, seleção, corte, empacotamento e comercialização das palhas de milho. No local, muitas mulheres trabalhavam como forma de complementar a renda familiar. Em notícia publicada no Jornal do Dia, em 18 de agosto de 1947 10 , a fábrica Palhas Satélite era mencionada como sendo ?a maior fábrica de palhas para cigarros existente no município?. Além disso, o periódico ressaltava que os seus produtos gozavam de ?extraordinária reputação em todos os estados do Brasil?, e que sua exportação anual era ?enorme, contando a fábrica com um grande número de operários, empregados na manipulação e beneficiamento?. 10 Veranópolis no cenário econômico do Rio Grande do Sul, Jornal do Dia, 18 ago. 1947. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Funcionários da fábrica Palhas Satélite, Veranópolis, década de 1940 (autoria não identificada, acervo do Mumver) Fábrica Palhas Satélite, Veranópolis, década de 1950 (Foto Bridi, acervo pessoal de Fernando Pessin) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 125 Funcionários da fábrica Palhas Satélite, Veranópolis, década de 1940 (autoria não identificada, acervo do Mumver) Fábrica Palhas Satélite, Veranópolis, década de 1950 (Foto Bridi, acervo pessoal de Fernando Pessin) Outra história que evidencia o desenvolvimento industrial do município ocorreu na passagem dos anos 1920 para 1930. É nesse período que inicia o trabalho conjunto de Attilio Todeschini e Benvenuto Dal Ponte, que mais tarde se transformou em uma sociedade e deu origem a uma nova fábrica de reconhecimento nacional. A relação de Todeschini e Dal Ponte remonta ao final da década de 1920, quando ambos possuíam experiência de trabalho em curtume e selaria, na fabricação de arreames para carroças, e resolveram montar um negócio próprio nesse setor. Primeiramente, Todeschini esteve à frente da empresa, enquanto Dal Ponte era empregado. Eles também realizavam pequenos consertos em bolas de couro, aprimorando a técnica e produzindo os seus próprios produtos, inicialmente bolas feitas com doze gomos de couro, conforme relatos dos irmãos Elio Dal Ponte (2024) e Lidio Dal Ponte (2024). Desde meados do século XX até o início do século XXI, a empresa passou por diversas mudanças em sua razão social e na formação societária, tendo períodos de prosperidade e outros de crise. A marca Dal Ponte sempre teve como principais produtos bolas e calçados. Ao longo de sua trajetória industrial, trouxe inovações para o mercado brasileiro, como a bola sem costura, que antes só existia no país mediante importação. Segundo afirmam os irmãos Elio e Lidio Dal Ponte, filhos de Benvenuto, o processo de fabricação desse produto inovador foi realizado a partir de conhecimentos trazidos do Uruguai, e o novo ciclo produtivo ajudou a empresa a crescer e a alcançar um mercado muito mais amplo a partir dos anos 1970. Sob a denominação Dal Ponte & Cia. Ltda., a empresa produziu bolas com a marca Guardian, exportadas para pelo menos oito países. 11 A década de 1940 marcou a instalação de novas fábricas, uma delas que fez ressurgir e intensificar uma antiga cultura agrícola outrora desenvolvida no território: a do linho. A retomada do cultivo do linho é explicada pela instalação da usina de beneficiamento da matéria-prima pela fábrica Renner, Beltrami & Cia. A empresa era uma sociedade entre o industrialista Antônio Jacob Renner e Carlo Beltrami, imigrante de Pordenone, Itália. A matriz da fábrica foi instalada no município de Farroupilha e logo expandida para Veranópolis. O processo de constituição da empresa e seu desenvolvimento foram detalhados em entrevista por Remardo José Beltrami: Não temos dados para saber se partiu do meu avô Carlo a ideia de uma sociedade e acatada pelos Renner ou vice-versa. Mas a verdade é que, para a época, nascia uma grande empresa em Farroupilha, que se tornou logo um sucesso, já que a Renner não precisava mais comprar o tecido de linho no exterior ou com importadores no Brasil, exigindo com isto uma nova fábrica. Esta nova fábrica foi construída em Veranópolis, iniciando as suas obras em 1940 e terminando-as em fins de 1942. O fio de linho era vendido somente para a Renner, não havendo outro comprador (Beltrami, 2024). Em um discurso proferido por A. J. Renner no Rotary Clube de Porto Alegre, em 1950, encontram-se informações complementares sobre o surgimento daquela sociedade e a industrialização do linho em Veranópolis. O seguinte trecho é interessante porque o industrialista fala sobre os investimentos na cultura e a organização em sua fase inicial: 11 Anuário de Veranópolis, ano 3, n. 3, 1972. Acervo do Mumver. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 126 | [...] importávamos da Holanda sementes [de linho] selecionadas, e apropriadas para fibra. Com elas, iniciamos as culturas no município de Farroupilha, em cuja sede estabelecemos contato com a então firma Carlos Beltrami & Filho Ltda. [sic]. Em 1944 foi iniciada a cultura de linho para fibra também em Alfredo Chaves, onde foi instalada uma usina de beneficiamento. A esta atribuímos o papel de distribuir as ditas sementes aos agricultores da região, de prestar-lhes assistência técnica quanto ao cultivo, e de controlar a colheita. Nisso valemo-nos dos conhecimentos do Dr. Grossmann [José Grossmann], especialista em genética, atuante no Instituto Borges de Medeiros, estado do RS, mandando-o publicar um folheto elucidativo de sua autoria, impresso este que distribuímos aos colonos mencionados. Mais tarde associamo-nos à firma Beltrami, tendo em vista possibilitar um maior desenvolvimento da produção. Foram importadas modernas máquinas para o beneficiamento da fibra bruta, ampliando-se e aperfeiçoando-se as instalações para a maceração da palha bruta. Ultimamente, diante da impraticabilidade de se fazer importações, temos construído máquinas em nossas próprias oficinas, as quais vêm trabalhando da maneira mais satisfatória. Os resultados de todas as providências tomadas foram ótimos. A qualidade da fibra melhorou paulatinamente e no mesmo compasso aumentou a quantidade. Atualmente a produção da fibra têxtil é regular (Renner, 2000, p. 252). Remardo José Beltrami recorda-se do espaço físico da fábrica instalada em Veranópolis, que era formado por pavilhões e casas auxiliares, e acrescenta informações sobre as características da mão de obra: Parque produtivo da Renner, Beltrami & Cia, Veranópolis, 1945 (autoria não identificada, Boletim Renner, 1945) 12 12 Boletim Renner, Coleção Mansueto Dal Pai, p. 4, ago. 1945. Mumver. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 127 Era composto por um grande depósito, um depósito grande de madeira, a fábrica propriamente dita, o pavilhão de penteação a pás, o pavilhão de geração de energia, um prédio da caldeira, uma cisterna muito grande de concreto, casas dos funcionários, casa do diretor e prédio de estacionamento dos caminhões. [...] penso que eles deveriam ser em torno de trinta, sendo que, na colheita, durante a descarga de caminhões, e no depósito da palha, aumentava o contingente. Com exceção dos próprios donos e de técnicos, os quais, de tempos em tempos, vinham para trabalhar no local, os trabalhadores eram de Veranópolis. O contingente era formado por homens e mulheres, havendo períodos que se equilibravam em números (Beltrami, 2024). Cerca de dez anos após sua instalação, em 1954, a fábrica sofreu um incêndio e precisou ser reconstruída. Entre os anos de 1960 e 1970, em meio à crise ocasionada pelo surgimento dos fios sintéticos, que se tornaram a matéria-prima mais utilizada na indústria têxtil, a empresa entrou em declínio, culminando no encerramento das suas atividades (Beltrami, 2024). A indústria de bebidas gaseificadas também intensificou suas atividades nesse perído, com destaque para a Irmãos Zanettini & Cia. Ltda., que produzia bebidas com a marca Maracanã, e a Ovidio Guzzo & Irmãos, que inciou produzindo o Guaraná Cacique e, posteriomente, diversifou a linha de bebidas com a marca Guzzo. Fundada em 1948, a empresa Ovidio Guzzo & Irmãos destacou-se por décadas na produção e distrtibuição no contexto microrregional. Conforme aponta Ademir Guzzo (2024), a produção começou com Ovidio e Isolino Guzzo, que aprenderam a produzir bebidas gaseificadas a partir das experiências de trabalho em uma pequena cervejaria, onde eram funcionários. Após um incêndio na cervejaria e a perda do emprego, eles adquiriram o maquinário remanescente do sinistro e iniciaram Rótulos das bebidas produzidas pela Ovidio Guzzo & Irmãos, com datas variadas (acervo do Mumver) a produção própria de bebidas em um pequeno galpão situado ao lado da casa dos pais, Valentin e Carolina Guzzo. A sociedade contava também com os irmãos Noedi, Irani, Ermenegildo e Alsemiro Guzzo, cada um com funções específicas dentro da fábrica. Produziam refrigerantes nos sabores guaraná, laranja e limão, além de água tônica e água de soda. Com uma receita simples, os refrigerantes eram compostos por uma calda densa de açúcar (xarope), aromatizantes, conservantes e água gaseificada. A empresa dispunha de mão de obra familiar, incluindo esposas e filhos dos proprietários, e utilizava pouca tecnologia, produzindo em média 250 litros diários de bebidas. Na década de 1980, Ademir Guzzo (2024) adquiriu da família a fábrica e a marca Guzzo. A empresa passou então por gradativos processos de modernização produtiva, envolvendo tecnologia, Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 128 | receitas, crescimento do parque industrial e, por consequência, aumento da escala de produção e distribuição das bebidas. No final da década de 1990, foi lançada a linha de refrigerantes com a marca TopSet, que passou a ser envazada em garrafas PET e distribuída em todo o território nacional. Um importante empreendimento industrial também estabelecido nesse período foi o curtume Galeazzi e Cia. Ltda., cujo primeiro contrato social data de 10 de janeiro de 1948, tendo como sócios fundadores: Orlando, Vitorino, Otilia, Nelson e Livino Galeazzi. Conforme relata José Galeazzi (2024), o negócio familiar começou como um pequeno curtume destinado ao ofício da sapataria, em que eram produzidos tamancos, chinelos e sapatões, contando principalmente com mão de obra de adolescentes em contraturno escolar. As primeiras instalações da empresa e o cotidiano produtivo são descritos por Galeazzi (2024): ?Era um barracão de madeira, [...], quando pegava o inverno, muita chuva, cansaram de trabalhar com lama no joelho, não existia maquinário, era tudo artesanal, era tudo um trabalho artesanal, porque não tinham ainda entrado num processo produtivo?. O curtimento vegetal era feito através de tanino, um químico derivado da casca de acácia. Com o uso de tanques, os couros de origem suína e bovina eram mergulhados no tanino, demorando de uma semana a quinze dias para finalizar o processo. A partir de 1969, a empresa passou a adotar um novo re - gime societário, sendo gerida pelos irmãos Breno, Livino, Otilia e Carmen Galeazzi, e estendeu suas atividades até aproximada - mente 2007. Foi nesse período que a fábrica começou a ser mo- dernizada, com a ampliação do parque produtivo e a aquisição de maquinários que aceleraram e aumentaram a produção. Esta passou a ser voltada para as indústrias de estofados e vestuário, com a totalidade destinada aos mercados de São Paulo. A partir da década de 1970, a empresa também iniciou a exportação de seus produtos, tendo como principal destino a Iugoslávia. Nesse período, produzia camurças, vaquetas ou atanados (parte exter - na do couro) e raspa (parte menos nobre do couro, utilizada em materiais de segurança, como luvas e aventais). Complexo produtivo do curtume Galeazzi & Cia., Veranópolis, 1970 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 129 Setor produtivo do curtume Galeazzi & Cia., Veranópolis, 1980 aprox. (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 130 | Os casos apresentados exemplificam aspectos do processo de industrialização no município. Dados mais abrangentes sobre aquele contexto histórico, especialmente sobre o final dos anos 1940, estão presentes em uma publicação de estatística industrial 13 Departamento Estadual de Estatística. Estatística industrial (1948). Serviço de Estatística de Indústria e Comércio. Instituto Memória Histórica e Cultural da Universidade de Caxias do Sul. do Departamento Estadual de Estatística do IBGE no Rio Grande do Sul 13 . O relatório, datado de 1948, registrava as informações apresentadas a seguir, com um recorte que mostra as espécies de indústrias existentes e o número de trabalhadores empregados. Espécie da produção N. de estabelecimentos N. de operários (homens, mulheres, maiores e menores) Indústria da alimentação ? açúcar, álcool, melado, rapadura, balas, chocolates, caramelos, arroz, erva-mate, café, farinhas (trigo, milho, centeio, cevada), pecuária, sorvete, vinho e derivados da uva 45 176 Indústria da borracha e do couro ? artefatos, calçados, oficinas e curtumes 18 28 Indústria da cerâmica e calcários ? artefatos de cimento e produtos cerâmicos (olarias)10 28 Indústria das construções ? construções em geral, revestimentos e instalações em geral4 9 Indústria da energia elétrica 4 6 Indústria metalúrgica ? consertos e afiação, ferrarias, funilarias, máquinas, motores, dínamos e peças acessórias e material bélico 26 58 Indústria de produtos químicos ? explosivos, sabões, sabonetes e saponáceos 2 6 Indústria têxtil ? fiação e tecelagem 1 Não consta Indústria do vestuário ? artefatos de borracha e couro e alfaiatarias 9 14 Indústria da madeira ? artefatos, reparação de móveis, carpintaria, serrarias e tanoarias21 38 Indústrias diversas ? artefatos de palha, brinquedos, estofarias, pedreiras, fibras vegetais, fotografias, lavanderias, produtos não alimentícios (da pecuária), relojoarias, óticas, tipografias e oficinas gráficas 17 83 Total 157 446 Fonte: elaboração do autor, com base no relatório do Departamento Estadual de Estatística de 1948. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 131 Os arcos do desenvolvimento: a inauguração da ponte sobre o Rio das Antas Quando visitou a região, em 1913, o emissário italiano Ranieri Venerosi Pesciolini observou que o então município de Alfredo Chaves carecia de uma via de ligação que pudesse atravessar mais facilmente o vale do Rio das Antas. Em seus escritos, chegou a expor o incômodo que gerou em alguns moradores o gasto da municipalidade com a instalação de energia elétrica, um ano antes, em detrimento da construção de uma ponte sobre o rio: [...] indicava-se justamente como a mais essencial, a construção de uma ponte sobre o rio das Antas onde este é atravessado pela Estrada Buarque de Macedo, a única que serve ao comércio e às comunicações postais do município: atualmente, Alfredo Chaves fica segregado nas estações chuvosas, sem serviço postal, por semanas inteiras, até que a correnteza do rio permita a travessia em chata. Todas estas considerações repetiam-se na cidade, mas no dia da votação do projeto para a luz elétrica, ninguém teve a coragem de expô-las (Pesciolini apud Posenato, 1987, p. 8). Apesar disso, a construção de uma ponte sobre o rio permaneceu sendo apenas um desejo. Durante décadas, a única forma de travessia foi pela via fluvial, por intermédio de balsas, o que tornava o percurso demorado e perigoso, muitas vezes também proibitivo, dependendo do clima e dos períodos de elevação das águas. O pesquisador Gilmar Detogni (2006, p. 42) trata sobre o escoamento da produção da indústria madeireira nesse contexto: Até por volta de 1940, período de forte exploração das araucárias, o procedimento era cruzar de carretas, puxadas por ternos de mulas, transportando tábuas até o rio das Antas, no Passo do Governo. De lá a mercadoria era transportada por balsas até Porto Alegre. [...] O desenvolvimento da produção e a circulação das riquezas estavam na dependência direta do sistema de transportes e comunicações. A ausência de uma ponte era um fator de estagnação econômica, dificultando o transporte de pessoas e mercadorias para os municípios vizinhos, notadamente Bento Gonçalves e Caxias do Sul, e para o grande mercado consumidor, a capital do estado. A situação começou a mudar apenas a partir de 1942, quando foi lançado um projeto oficial para a construção de uma ponte sobre o Rio das Antas, obra executada com recursos federais, no âmbito do Plano Geral de Viação do governo de Getúlio Vargas. Inaugurada em 1952, uma década após o lançamento do edital para sua construção, a ponte sobre o Rio das Antas recebeu a denominação de Ponte Ernesto Dornelles, em homenagem ao então governador do estado. Com um projeto ousado para a época, uma estrutura em arco único com 186 metros de vão livre sobre o leito do rio, a ponte se tornou um ponto turístico da região e passou a contribuir para sua economia, como fator de desenvolvimento. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 132 | Ponte Ernesto Dornelles, Veranópolis, 1972 (Chagas, 1972) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 133 Poucos anos após a inauguração da Ponte Ernesto Dornelles, um marco para a história industrial do município foi o surgimento da empresa E. R. Amantino, Boito & Cia. Assim como muitas empresas locais, essa nova fábrica reunia em sociedade um grupo de empresários com a finalidade de iniciar o negócio com bom capital e compartilhando conhecimento técnico. A história do empreendimento começou em 1921, com a fundação da fábrica pelo imigrante italiano e ferreiro João Boito, que havia se estabelecido no município. Entre outros produtos, Boito produzia armas de forma artesanal em sua ferraria e também realizava consertos de instrumentos em sua oficina localizada em Vila Azul. Pavilhão da fábrica E. R. Amantino, Boito & Cia., Veranópolis, 1958 (acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 134 | João Boito permaneceu à frente da ferraria até 1940, quando seus filhos Arduino e Ricardo assumiram a empresa e formaram sociedade com Isidoro Dall?Agnol e Fiorelo Farenzena. Em 1955, a sociedade foi ampliada, contando com a participação de Elias Ruas Amantino, um ex-empreiteiro do 1º Batalhão Ferroviário que havia se mudado para Veranópolis para executar trabalhos de construção de túneis na região. Com interesse por armas para caça, Amantino encomendou uma espingarda na oficina dos Boito. No entanto, devido ao caráter artesanal da produção, a entrega dos pedidos aos clientes podia levar meses, chegando até dois anos. Amantino, então, propôs uma sociedade com os Boito, tornando-se sócio majoritário com a finalidade de ampliar e intensificar a produção em nível industrial. Nos primeiros tempos, a fábrica contava com oito funcionários, e a área de produção foi instalada em um pavilhão de madeira, conforme recorda Lino Farenzena (2024): O pavilhão, nós trabalhamos construindo ele, inclusive plantar os postes de luz pra puxar a luz, que não tinha. Eu e o Ivo Gasparin, que foi o segundo empregado. Era uma casinha de madeira. No primeiro tempo era pouca gente, nós tava em quatro, cinco que trabalhava lá, era uma mesa cada um, cada um fazia sua parte da... Só tinha arma de um cano, depois de dois anos começaram a fazer a paralela, ali foi o Lidio Lusa que começou a fazer aquela. Com o crescimento da empresa, a fábrica logo introduziu inovações no mercado brasileiro e latino-americano, uma delas em 1962, com o lançamento da primeira espingarda com dois canos paralelos, e outra dez anos depois, com a primeira espingarda de canos sobrepostos. As exportações iniciaram em 1965. Ao longo dos anos, o grupo criou filiais, como a Microvera, fundada em 1977 hoje denominada de E. R. Amantino & Cia. Ltda. Além de armas esportivas, seu produto inicial, a empresa hoje atende também aos segmentos de implementos agrícolas e rodoviários, máquinas têxteis e para calçados, válvulas e conexões, entre outros (Boito, [2024?]). A empresa continua sob administração familiar, sendo liderada por Manoel Dall?Agnol Ruas Amantino (2024), filho do fundador Elias Ruas Amantino, com sua neta, Manoela Baldissera Amantino (2024), como gerente financeira. Na atualidade, cerca de 400 funcionários trabalham nas empresas do grupo. Alguns ex-funcionários que passaram pela fábrica abriram suas próprias empresas na cidade, com a indústria de E. R. Amantino funcionando como uma espécie de escola para sua aprendizagem. O ano de 1976 marca o surgimento da empresa Ildo Parise & Cia. Ltda. A história dessa indústria está ligada a soluções inventadas pelo empresário que a denomina. Ainda na década de 1960, Ildo Parise desenvolveu adaptações para instrumentos de trabalho utilizados diariamente pelos agricultores da região. Entre suas principais criações destacam-se uma motosserra de uso vertical para manejo florestal e uma enxada rotativa movida a motor estacionário. Esta última gerou grande interesse em outro industrialista estabelecido no município: Elias Ruas Amantino, que contratou Parise para trabalhar em sua fábrica. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 135 Trabalhadores na produção da fábrica E. R. Amantino, Boito & Cia., Veranópolis, década de 1970 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 136 | Ildo Parise com o modelo de capinadeira que desenvolveu, Veranópolis, década de 1960 (Foto Parise, acervo da Ipacol) Parise permaneceu lá até que a produção começou a diminuir devido à entrada de herbicidas no mercado, o que tornou menos frequente a utilização do instrumento, conforme relatos de Luis Carlos Parise (2024) e Marildo Parise (2024). Com a saída de Ildo da fábrica E. R. Amantino, Boito & Cia., o ex-funcionário decidiu abrir sua própria empresa, o que realizou em 1976. Primeiramente, dedicou-se ao conserto de enxadas rotativas, das quais já haviam sido produzidas cerca de 5.000 unidades, e logo diversificou sua produção. Contando com apenas dois funcionários no início, a fábrica passou a produzir carretas agrícolas motorizadas, que tinham grande demanda entre os produtores rurais. Posteriormente, de acordo com Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 137 Vista aérea do complexo industrial da Ipacol Máquinas Agrícolas no Distrito Industrial Ildo Parise, Veranópolis, 2023 (autoria de Vanessa Cogo Estivallet, acervo da Ipacol) Luis Carlos Parise (2024) e Marildo Parise (2024), os três filhos, Luiz Carlos, Marildo e Heitor, juntaram-se à empresa. Com o crescimento constante, a partir de 1990, a empresa ampliou sua produção, criando a marca Ipacol ? acrônimo de Ildo Parise Indústria e Comércio de Máquinas Agrícolas Ltda. A fábrica atualmente emprega cerca de 380 funcionários, atende clientes em todas as regiões do Brasil e exporta para países da América do Sul e da América Central. A linha de produtos foi se tornando grande: vagões, colhedoras de forragem, graneleiras, descompactadores, distribuidores, minitransportadores, carretas e acessórios agrícolas, como roçadeiras, garfos forrageiros, pás carregadoras e trituradores de feno. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 138 | Outra empresa que surgiu naquele mesmo ano foi a Union Distillery, embora sua história remonte a 1948. A origem da Union Distillery, fábrica de whisky, está ligada à antiga empresa União Montanhesa de Indústrias Ltda., então fabricante de vinhos finos de mesa e licorosos. Conhecida simplesmente como ?Montanhesa?, a fábrica foi criada em Veranópolis no final dos anos 1940, adquirindo os estabelecimentos da Cantina Mosele, cuja matriz era em Caxias do Sul. A empresa recebia uvas dos agricultores locais para a fabricação de seus produtos e tomava como inspiração a indústria vinícola já consolidada em cidades vizinhas, como Caxias do Sul, Flores da Cunha, Farroupilha, Bento Gonçalves e Garibaldi. Em uma comunicação de 1948 aos viticultores veranenses, a cooperativa conclamava: [...] a União Montanhesa de Indústrias Ltda., surgida para dar a sua cooperação em prol da vitivinicultura, pede e conta com o indispensável apoio dos agricultores e espera que o início das suas atividades signifique mais um passo na senda do labor e do progresso de Veranópolis 14 . O negócio contava com 63 sócios cotistas. No ano de sua criação, faziam parte do conselho deliberativo da Montanhesa: Manuseto Bernardi, Angelo Baldissera e Primo Antonio Zanchetta; do conselho fiscal: Mansueto Dal Pai, Valdomiro Giugno e Leonardo Busatto; e o gerente era Guerino Frainer. Em 1972, as famílias de Angelo Borsato e Lídio Ziero adquiriram cotas e assumiram o controle da empresa, mudando, em pouco tempo, o foco do negócio para a produção de malte whisky. No caso de Angelo Borsato, seu conhecimento técnico 14 Comunicação, União Montanhesa de Indústrias Ltda. Impresso, Veranópolis, 1948. foi adquirido na Itália, de onde emigrou. Vindo para o Brasil no período pós-Segunda Guerra Mundial, ele trouxe do país de origem a técnica de destilação empregada na fábrica, na qual resolveu investir juntamente com seu sócio. Segundo o filho de Angelo, Luciano Sergio Borsato, atual diretor-executivo da empresa: Meu pai, imigrante, já conhecia a destilação, porque ele produzia grappa enquanto estava na Itália. Quando veio para o Brasil, ele trabalhou em destilarias, então já conhecia a arte da destilação, e isso o impulsionou. Por uma necessidade de mercado, viu uma oportunidade, iniciando as atividades voltadas para o whisky (Borsato, 2024). A oportunidade de mercado que Luciano menciona está relacionada ao consumo do produto, que se tornou maior a partir dos anos 1970: Os anos 1970 foram a época do ?milagre brasileiro?, em que se incentivava muito a indústria nacional, então isso criou oportunidades. Com poder aquisitivo melhor, muitos consumidores saíram de algumas bebidas, como conhaque, por exemplo, para o whisky, que sempre tem um status maior dentro do mundo dos destilados (Borsato, 2024). Assim como outras empresas locais, a Union Distillery começou a realizar exportações a partir da década de 1980. Atualmente, conta com uma filial no município de Bento Gonçalves e emprega 32 funcionários, com grande parte do seu processo produtivo sendo automatizada. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 139 Union Destillery, Veranópolis, década de 1980 (Foto Parise, acervo do Mumver) Complexo industrial da Union Distillery, Veranópolis, 2012 (autoria não identificada, acervo privado da Union Distillery) Setor de destilaria da Union Distillery, Veranópolis, 2003 (autoria não identificada, acervo privado da Union Distillery) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura| 139 Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 140 | Um relatório de 1977 15 sobre a composição industrial de Veranópolis listava as principais empresas da época, organizadas por setores: ? E. R. Amantino & Cia., indústria de armas; ? Sauro Cypriano Guindani & Cia., indústria de joias; ? Guardian S. A. e Galeazzi & Cia., indústrias de couro e seus artefatos; ? Marcenaria Marsul, Esquadrias Zardo, Madeireira José Abruzzi, Esquadrias Veranense, Ghelere & Cia., J. Grando, Antônio David Farina, Abruzzi, Sachini & Cia., indústrias de madeira e seus artefatos; ? Union Distillery, Cooperativa Agrícola Alfredochavense e Antônio C. Marson, indústrias de bebidas alcóolicas; ? Microvera, indústria de fundição. Data da década de 1970 também a fundação da Oleoplan ? Óleos Vegetais Planalto, com razão social Siviero S.A. Indústria de Óleos Vegetais, tendo Luiz Siviero como sócio majoritário e a família Costella como detentora das cotas restantes. Por volta de 1977, iniciou-se a estruturação do parque produtivo, para o qual foi contratada uma empresa de Porto Alegre. Em 1979, começou a produção através do processo de esmagamento de soja para obtenção de óleo bruto destinado a refinarias brasileiras e exportação de farelo para países europeus e para a China (Razera, 2024; Siviero, 2024). Na década de 1980, a família Siviero vendeu suas cotas societárias para o empresário Irineu Boff. Atualmente, a empresa emprega 650 funcionários, e 15 Índices componentes do potencial econômico do parque industrial dos municípios da região colonial italiana (1972-1977). Veranópolis, 1977. Acervo do Museu Municipal de Veranópolis. Parque produtivo da Oleoplan S.A., Veranópolis, década de 1980 (Foto Parise, acervo do Mumver) Parque produtivo Oleoplan S.A., Veranópolis, 2024 (autoria não identificada, acervo do Jornal do Comércio) seus produtos continuam sendo derivados da soja: óleo, farelo e lecitina. Em 2007, foi pioneira na produção de biodiesel no Rio Grande do Sul. Hoje, possui quatro unidades de produção do biocombustível: além de Veranópolis, também em Iraquara, BA, Tomé-Açu, PA, e Cacoal, RO. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 141 Um relatório da Prefeitura Municipal de Veranópolis do período de 1977 a 1983 enaltecia que o município tinha uma economia forte e equilibrada. O documento levava em consideração a contribuição de três setores para o resultado econômico local: agricultura; comércio e serviços; e indústria. Na agricultura, destacavam-se a produção de maçã, milho, trigo, soja, tungue, hortigranjeiros e fruticultura. No comércio, o município somava 252 unidades e 666 empresas de prestação de serviços. Na indústria, havia 240 fábricas em funcionamento, com produção em diversos setores: artigos esportivos e de couro, armas de caça, malte whisky, vinho, esquadrias de madeira e metal, cerâmicas, calçados, óleo vegetal, móveis, couros, joias, confecções e componentes musicais 16 . Foi nesse contexto econômico que surgiu, em 1983, a Valdir Rigo ME. A fábrica foi iniciada no porão da residência dos proprietários, o casal Francisca Mazzarolo e Valdir Rigo. Ele era responsável pelo desenvolvimento e produção, enquanto ela cuidava de toda a parte admnistrativa da empresa. Com um torno e uma serra, produziam peças para bicicletas e itens de uso doméstico, como varais e prendendores de roupas. A partir de suas relações com empresários do setor moveleiro, sobretudo de Bento Gonçalves e Caxias do Sul, Valdir Rigo foi incentivado a produzir sistemas com rodízios para abertura de móveis, tornando-se um pioneiro no desenvolvimento de sistemas deslizantes no Brasil. Atualmente, a empresa conta com 486 funcionários e está organizada como Grupo Rometal, que se divide em Rometal Sistemas e Rometal Alumínio, onde são produzidos 16 Prefeitura Municipal de Veranópolis. Relatório da administração: gestão Peruffo (1977-1983). Acervo do Arquivo Público Municipal de Veranópolis. Grupo Rometal ? Unidade Sistemas, Veranópolis (autoria não identificada, acervo do Grupo Rometal) Setor produtivo de injeção plástica junto ao Grupo Rometal ? Unidade Sistemas, Veranópolis (autoria não identificada, acervo do Grupo Rometal) perfis de alumínio para móveis. Conforme entrevistas realizadas com Francisca Mazzarolo Rigo (2024) e Amanda Azevedo Rigo (2024), os produtos são distribuídos em todo o território nacional e exportados para quinze países, principalmente na América Latina e na América do Norte. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 142 | Nos anos 1990, surgiram novas ações voltadas para a indústria no âmbito municipal, além de novos empreendimentos da iniciativa privada. Em 1997, foi criado o Distrito Industrial, por meio da Lei Municipal n. 3.495, de 30 de dezembro de 1997 17 , constituindo-se em uma área planejada e organizada pela administração municipal, com infraestrutura destinada à 17 Lei Municipal n. 3.495, de 30 de dezembro de 1997. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. 18 Informações repassadas pela Secretaria Municipal de Indústria e Comércio. instalação de indústrias de micro, pequeno, médio e grande porte. Em 2011, passou a ser denominado Distrito Industrial Ildo Parise, em homenagem ao fundador da Ipacol Máquinas Agrícolas Ltda. Atualmente, o distrito abriga empresas atuantes nos setores metalomecânico, vestuário, alimentício, moveleiro, estofados e construção civil 18 . Vista aérea do Distrito Industrial Ildo Parise, Veranópolis, 2023 (autoria de William Sigognini, acervo da Comunidade Vila Azul) | 143 Unidade matriz da MGA no Bairro Renovação, Veranópolis, 2024 (autoria não identificada, acervo da MGA) Nesse contexto, inicia-se a história da Metalúrgica Golden Arts (MGA) em 1991, com a iniciativa do empresário Dirceu Tedesco em sociedade com Leonel Rigo. Ex-funcionário do grupo E. R. Amantino, Dirceu viu a necessidade de empreender em um negócio próprio e aplicou seu conhecimento sobre o mercado de válvulas, percebendo uma significativa demanda por qualidade na entrega. Assim surgiu o primeiro produto da MGA: alavancas para válvulas, fabricadas para atender principalmente clientes de São Paulo. Em poucos anos, a lista de produtos aumentou, passando a incluir não apenas alavancas, mas todas as peças que atualmente compõem as válvulas com a marca MGA. Em menos de uma década, a empresa foi responsável por introduzir inovações no mercado brasileiro e alcançar grande produtividade, conforme registrou Dirceu Tedesco (2024) em entrevista: [...] no início dos anos 2000, conseguimos trazer uma fábrica de teflon para o Brasil, o que era algo inovador, só se produzia isso lá fora. Hoje, somos um dos pioneiros na produção de vedações em PTFE [politetrafluoretileno], que é um dos mais nobres plásticos industriais. [...]. E há uns quinze anos, montamos a nossa própria microfusão, e que hoje é uma das maiores do Brasil. Inclusive, estamos ampliando uma das nossas fábricas; estamos produzindo 300 toneladas de microfundido por mês. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 144 | Nesse sistema, a Global Microfusão entrega aos clientes: desenvolvimento de peças, usinagem de componentes, montagem de conjuntos, confecção de moldes, tratamento térmico, acabamento superficial, processos, dispositivos e ligas especiais. Trata-se de uma empresa jovem, com apenas treze anos de atuação no mercado, mas que já alcançou a certificação ISO 9001:2008, estando instalada em uma área construída de 2.000 m². Além disso, possui uma carteira de clientes diversificada, atendendo setores como montadoras de ônibus, indústria farmacêutica, equipamentos hospitalares e médicos, máquinas para bebidas, empresas do ramo agrícola, entre outros. Em sua trajetória, assim como ocorre com tantas empresas existentes no município, muitas com décadas de atividades, reflete-se a história da indústria em Veranópolis. Processo de fundição do aço na unidade Peças Microfundidas da MGA, Bairro Medianeira, Veranópolis (autoria não identificada, acervo da MGA) Também na área da metalurgia, e particularmente no ramo de fundição de precisão, encontra-se instalada no município a empresa Global Microfusão, fundada em 2011 e composta pelos sócios: Amarildo Benetti, Vitor Hugo Geremia e Claudiomiro Kropowski. Com experiências diversas, os três uniram conhecimentos técnicos em diferentes áreas, que vão da produção ao comercial, e montaram a fábrica que atua com o processo de fundição por cera perdida de aço carbono, aço inoxidável e aços de alta liga. Conforme explicação da própria empresa, o processo aplicado não serve somente para a fabricação de micropeças (ou peças pequenas), mas também para a fabricação de peças de dimensões muito justas, ou seja, com variações ou tolerâncias dimensionais muito precisas. A partir de seu trabalho, a empresa, que hoje conta com mais de 500 funcionários, expandiu o negócio para outros centros e, atualmente, possui não apenas as quatro fábricas em Veranópolis, mas também unidades nos estados de São Paulo e Ceará. Conta, ainda, com parceiros em revendas distribuídas pelo Brasil e na América Latina. Segundo Tedesco, a MGA é uma das maiores empresas em fabricação de válvulas no país e, desde 2015, faz parte do Kitz Group, um grupo internacional de origem japonesa, que é o terceiro maior fabricante no seu ramo de atuação no mundo. | 145 Conforme dados recentes da Prefeitura Municipal de Veranópolis, a indústria possui um papel de importância e protagonismo no município. A economia local está percentualmente dividida da seguinte forma: ? indústria de transformação: 69,43%; ? produção e extração animal e vegetal: 9,64%; ? comércio varejista: 8,67%; ? comércio atacadista: 5,47%; ? indústria de beneficiamento: 1,05%; ? indústria extrativa mineral: 0,01%; ? indústria de montagem: 0,01%. Setor de microfusão na Global Microfusão, Veranópolis (autoria não identificada, acervo da Global Microfusão) No percurso histórico apresentado, procurou-se evidenciar a trajetória do setor produtivo da indústria e de empresas que exemplificam o desenvolvimento econômico local. As fontes consultadas na pesquisa demonstram que ainda há muito a ser analisado sobre o tema, como o papel e a atuação das entidades de classe e sindicais no município; a relação da indústria local com a economia do estado e do país; o papel do poder público e de outros agentes na subvenção ao desenvolvimento local; a educação profissional voltada à indústria; e a história da indústria pelo viés da memória dos trabalhadores; entre outros aspectos. Em outras palavras, novas interpretações e abordagens sobre o tema ainda são necessárias, no entanto, espera-se ter contribuído para este que é um capítulo indispensável ao se tratar dos 125 anos do município de Veranópolis: a história da sua indústria. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 147 educação, ensino e culturas escolares Eliana Gasparini Xerri Veranópolis Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 149 ?O s historiadores sabem que o conhecimento que produzem não é mais que uma das modalidades da relação que as sociedades mantêm com o passado? (Chartier, 2007, p. 21). É a partir dessa modalidade, surgida entre sujeitos e suas memórias, que o presente texto busca possibilitar reflexões sobre a educação, sobretudo a formal/escolar, de Veranópolis. Para sua elaboração, percorreram-se caminhos através da revisão de livros e dissertações, além do uso de fontes como fotografias e entrevistas com professores e alunos de tempos históricos distintos. As fontes apresentam várias memórias, como as de Valdemar Barbieri (2023) 19 , que expressam a importância da educação para a constituição do sujeito: Aí um belo dia vem o seu Ruas [Elias Ruas Amantino] lá em casa e diz: ?E o que você faz??. ?Ah, eu digo, estudo e trabalho com balas e mandolates lá no Sangali?. ?Não quer vir trabalhar na Boito [E. R. Amantino, Boito & Cia.]??. Cara, eu tinha doze anos, foi ali no início de março, e aí eu digo: ?Mas nem documento eu não tenho, nada?. ?Não, me leva teu boletim?, ele disse. ?Me leva só teu boletim?. Levei o boletim para ele, ele deu uma olhada, dia 12 de março de 1967 entrei na Boito, fiquei até 1970. Eu entrei como lavador de peça, depois eu fui pras fresas, depois fui furador de cano. Da furação de cano eu fui para a furação de blocos. 19 Mecânico e fotógrafo. Nasceu em 1955 na Comunidade de Vila Azul, área rural, filho de um mecânico e de uma dona de casa. Mesmo sem possuir documentos pessoais, apenas com o boletim escolar, ou seja, o fato de estar estudando credenciou o jovem a iniciar uma profissão. De um dado, que pode parecer simples, nasce a possibilidade de refletir sobre a importância da educação. Assim, escrever sobre a educação formal em Veranópolis é ter presente quais são suas instituições de ensino em 2024, para compreender aspectos de sua constituição ao longo do tempo. Portanto, será apresentada uma breve sistematização das informações institucionais das escolas, incluindo seus nomes, anos de criação/funcionamento e localização. A instalação das escolas públicas municipais ocorreu em locais variados, com predominância de áreas periféricas do município, como bairros e zonas rurais. Desde sua fundação, os prédios passaram por inúmeras readequações e ampliações, em resposta ao crescimento demográfico e territorial das áreas urbanas, bem como às exigências de maior escolaridade, que também incentivaram a criação do ensino noturno. Esses fatores impactaram também em suas nomenclaturas, demonstrando adequações e necessidades de tempos históricos diversos, assim como as legislações educacionais do país, que sofreram variações de acordo com os períodos democráticos e ditatoriais. A descentralização dos prédios escolares e as construções e ampliações realizadas denotam a democratização do acesso e a importância atribuída à educação. Atualmente, a rede pública municipal de ensino é composta pelas seguintes instituições: Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 150 | ? E.M.E.F. Felipe dos Santos: foi fundada pelo governo do estado em 1916, na área central do município. Em 1919, iniciou o curso noturno de alfabetização. Em 1940, passou à denominação de Grupo Escolar Felipe dos Santos, com inauguração do prédio atual em 1943. Em 1979, passou a ser a Escola Estadual Felipe dos Santos ? 1ª a 4ª série. Em 1989, tornou-se a Escola Estadual de 1º Grau Incompleto Felipe dos Santos. A partir de 2010, passou a ter gestão municipal. Seu espaço sediou, entre 1962 e 1983, outras instituições de ensino, como o Ginásio Municipal Dom Pedro II, que em 1971 passou a ser Ginásio Estadual de Veranópolis, e a Escola Estadual de 2º Grau Veranópolis (Costa, 1998, p. 494). ? E.M.E.F. Irmão Jerônimo: foi criada como Grupo Escolar Dom Vital em 1959, na Linha Tomaz Flores. A partir de 1962, passou à denominação de Escola Irmão Jerônimo, sendo inaugurada no bairro Valverde em 1989, como extensão da escola rural. Em 1993, foi intitulada Escola Municipal de 1º Grau Incompleto Irmão Jerônimo (Costa, 1998, p. 452). ? E.M.E.F. Adriano Farina: foi fundada pelo município em 1960, no bairro Santo Antônio. Em 1975, foi construída a nova escola na localização atual. A partir de 1983, passou a oferecer aulas nos três turnos, sendo novamente ampliada em 1985 (Costa, 1998, p. 463). ? E.M.E.F. Senador Alberto Pasqualini: foi criada em 1960 no bairro Renovação, como Grupo Escolar Sen. Alberto Pasqualini. Passou por duas ampliações em 1985 e 1992 (Costa, 1998, p. 444). ? E.M.E.F. Irmão Artur Francisco: foi criada em 1962 no bairro Medianeira. Em 1977, passou à denominação de Escola Municipal Irmão Artur Francisco, com a subsequente construção do prédio de dois andares em 1979. Foi diversas vezes renomeada: Escola Municipal Irmão Artur Francisco ? 1ª a 4ª série, em 1979; Escola Municipal Irmão Artur Francisco ? 1ª a 5ª série, em 1983; e Escola Municipal de 1º Grau Incompleto Irmão Artur Francisco, em 1988. Em 1988, foi novamente ampliada, com a construção de seu segundo prédio (Costa, 1998, p. 454). ? E.M.E.F. Irmã Joana Aimé: foi criada pelo município em 1990 e começou a funcionar em 1992, no bairro Renovação, como Escola Municipal de 1º Grau Incompleto. A partir de 1993, foi implementada a pré-escola. Passou por duas ampliações do prédio entre 1996 e 1997, passando a Escola de 1º Grau Completo Irmã Joana Aimé (Costa, 1998, p. 497). Como resultado de fatores variados, entre os quais se destacam a Constituição federal de 1988 e a Lei de Diretrizes da Educação Brasileira de 1996, as escolas de educação infantil passaram a ser uma obrigatoriedade do poder público municipal, assim como das iniciativas particulares que já existiam anteriormente. As informações a seguir foram fornecidas pelas próprias escolas de educação infantil sob a gestão do município: Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 151 ? E.M.E.I. Irmã Carmelita: criada em 1988, localizada no bairro Santo Antônio. ? E.M.E.I. Anita Dall?Agnol Amantino: criada em 1978 pela Sociedade Assistencial aos Menores de Veranópolis (Sameve), localizada no bairro Santa Lúcia; foi municipalizada em 2006. ? E.M.E.I. Hilda Hoffmann Peruffo: criada em 2009, após o desmembramento da Educação Infantil da E.M.E.F. Irmão Jerônimo, localizada no bairro Valverde. ? E.M.E.I. Irmã Laura: criada em 2011, a partir de um modelo padrão de escolas desenvolvido pelo Ministério da Educação, localizada no bairro Renovação. ? E.M.E.I. Virginia Bernardi: criada como Grupo Escolar Profa. Virgínia Bernardi em 1957, localizada no bairro São Peregrino; foi gerida pelo governo do estado até 2023, ano em que foi municipalizada, passando a ser uma escola de educação infantil. Até a criação do Colégio Estadual São Luiz Gonzaga, Veranópolis contava apenas com escolas privadas para o nível de ensino médio. Assim como ocorreu com as escolas municipais, a mudança na denominação da escola seguiu as normativas federais da educação: ? Colégio Estadual São Luiz Gonzaga: criado como Ginásio Estadual Secundário de Veranópolis em 1970, funcionava na área central do município, junto ao Grupo Escolar Felipe dos Santos. Em 1976, passou a ocupar o espaço do Ginásio Divino Mestre, atual prédio da instituição. Em 1979, passou à denominação de Escola Estadual São Luiz Gonzaga 5ª a 8ª série, sediando também a recém-criada Escola de 2º Grau Veranópolis. Em 1984, com a inclusão das séries iniciais, passou a se chamar Escola Estadual de 1º Grau São Luiz Gonzaga. A partir de 1989, houve a unificação com a Escola Estadual de 2º Grau Francisco de Assis (Costa, 1998, p. 430). ? Escola Estadual Dom Matheus Pasquali: localizada na Linha Afonso Pena, Comunidade de Nossa Senhora do Monte Bérico, foi criada em 1948 como Escola Isolada de Monte Bérico. Ao longo do tempo, passou por inúmeras denominações: Grupo Escolar Monte Bérico, em 1948; Escola Rural Dom Matheus Pasquali, em 1953; Escola Estadual de 1º Grau Incompleto Dom Matheus Pasquali, em 1953; Escola Centro de Demonstração, em 1968; e, finalmente, Escola Estadual de 1º Grau Dom Matheus Pasquali, em 1988 (Costa, 1998, p. 441). As escolas privadas atuaram em Veranópolis desde o início do século XX, estando sob a gestão de ordens religiosas como a Congregação das Irmãs de São José de Chambéry (Escola São José e Colégio Regina Coeli), o Instituto dos Irmãos Maristas (Colégio São Luiz, Ginásio Divino Mestre e Instituto Nossa Senhora Medianeira) e a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (Seminário Seráfico São José), que concentraram suas atividades na área central do município. Atualmente, essa rede de ensino é composta por duas instituições filantrópicas: ? Colégio Regina Coeli: fundado em 1917 como Escola São José, foi renomeado para Ginásio Regina Coeli em 1948, quando foi inaugurado o atual prédio. A Escola Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 152 | Normal Regina Coeli foi criada em 1954 para a formação de professores. A partir de 1969, iniciou-se a unificação entre a Escola Normal Regina Coeli e o Ginásio e Escola Técnica Divino Mestre, passando a ser gerido pelo Centro Comunitário Veranense de Educação e Assistência (Cecovea). Em 1975, passou a denominar-se Escola de 1º e 2º Graus Regina Coeli (Matiello, 2013, p. 57). ? Academia Veranense de Assistência em Educação e Cultura (Avaec): fundada em 1958, com a subsequente criação do Colégio Agrícola de Veranópolis em 1966, do qual ainda é mantenedora. Em 1978, passou a designar- se Colégio Veranópolis ? Escola de 2º Grau. Em 2012, assumiu a gestão da Escola de Ensino Fundamental Evolução. Atualmente, está organizada em Unidade I ? Escola de Ensino Fundamental e Unidade II ? Ensino Médio e Técnico (Avaec, [2024?]). O percurso institucional apresentado até o momento está em consonância com os dados disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ([2023]) e estimula uma reflexão sobre os processos que desencadearam os seus resultados: Em 2010, a taxa de escolarização de 6 a 14 anos de idade era de 99,3%. Na comparação com outros municípios do estado, ficava na posição 71 de 497. Já na comparação com municípios de todo o país, ficava na posição 346 de 5.570. Em relação ao IDEB, no ano de 2021, o IDEB para os anos iniciais do ensino fundamental na rede pública era 6,9 e para os anos finais, de 5,7. Na comparação com outros municípios do estado, ficava nas posições 32 e 65 de 497. Já na comparação com municípios de todo o país, ficava nas posições 172 e 274 de 5.570. Com base em dados positivos, emerge a pergunta: como se constituiu a educação veranense ao longo do tempo? As fontes utilizadas apresentam respostas por meio das representações individuais e coletivas da educação local. Dessa forma, as entrevistas representam aspectos constituídos tanto de forma individual quanto coletiva, permitindo visualizar cenários e compreender relações pessoais nos períodos históricos abordados. Os receptores e os produtores da história educacional de Veranópolis assumem o caráter representativo, uma vez que a escolha dos sujeitos, feita pela equipe do projeto, buscou abranger períodos e sujeitos distintos, bem como instituições de ensino formal, tanto públicas quanto privadas. É essencial salientar que essas representações não refletem a verdade completa e única, mas possibilitam a emergência de novas memórias e narrativas. Assim, das representações históricas que emergem das memórias, surgem aspectos da história local em diferentes espaços temporais e suas peculiaridades, como afirma Izabel Durli Menin (2015, p. 22): Conduzir as diferentes narrativas e suas construções requer um trabalho que tenha um olhar atento às diferentes identidades e memórias contidas em um espaço escolar. As articulações existentes entre as práticas culturais que constituem a construção da memória coletiva, e sua representação no espaço social, necessitam de um olhar de observação sobre o vivido que resultou na narrativa de uma história local. Assim, torna-se imprescindível a sensibilidade analítica às modificações nos dispositivos das representações da cultura escrita, do papel à imagem, da oralidade à internet, dos livros aos meios digitais. As relações estabelecidas entre as bibliografias e as entrevistas conferem significado à história da educação local. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 153 Esta área de conhecimento tem desenvolvido pesquisas e socializado informações sobre os diferentes aspectos da educação, exigindo, portanto, escolhas e recusas. A partir dessas considerações, optou-se por dividir este capítulo em subcapítulos que dialogam entre si. Com a delimitação temporal e geográfica escolhida, é necessário relacionar a história da educação com as diversas escritas possíveis sobre o tema. Nesse sentido, a cultura escolar dialoga com a história da educação de Veranópolis. De acordo com Dominique Julia (2001, p. 10), a cultura escolar: [...] não pode ser estudada sem a análise precisa das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de sua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas: cultura religiosa, cultura política ou cultura popular. Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). As diversas condições vivenciadas pelos veranenses revelam, entre os entrevistados, contextos comuns, como a rigidez dos professores, o respeito pelo profissional docente e o uso de materiais didáticos. No entanto, também evidenciam dificuldades, como a distância da escola e a falta de materiais e uniformes, que contribuem para novos olhares sobre a educação. Assim, foram selecionadas categorias que surgiram das falas de entrevistados para auxiliar na elaboração deste capítulo. Culturas escolares: práticas cotidianas, materialidades e imaterialidades As práticas escolares podem ser compreendidas como ações desenvolvidas nos ambientes educacionais. Nesse sentido, algumas delas foram lembradas pelos entrevistados e selecionadas por serem fundamentais para sua constituição. Entre essas práticas estão: os exames, o rigor disciplinar, as peraltices, as atividades curriculares, as punições e os recursos didáticos. As práticas descritas neste texto não representam uma totalidade, mas sim um caminho de memórias a serem suscitadas. Assim, para a aluna Eliane da Luz Mendes (2024) 20 , as exigências e a disciplina rigorosa perpassam suas lembranças na Escola Adriano Farina: ?Era muito rigoroso, sabe, muito rigoroso, a gente tinha que saber a tabuada décor e salteada, tudo era rigoroso. [...]. A gente tinha que cantar o hino todos os dias, fazer uma fila e cantar o hino?. Questionada sobre o cotidiano escolar permeado por normas e disciplina, a professora Natalina Carrillo Valduga (2024) 21 relembra sua experiência como aluna no Colégio Regina Coeli e também sua atuação profissional no Colégio Estadual São Luiz Gonzaga: 20 Costureira. Nasceu em 1970, em uma família de baixa renda. Seu pai era pedreiro e sua mãe, empregada doméstica; ambos eram migrantes. 21 Professora aposentada. Filha de imigrantes espanhóis, nasceu na cidade de Tupanciretã. Quando criança, sua família migrou para Veranópolis. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 154 | Assim, sempre teve normas, não tão rígidas, mas dos alunos estarem sempre... bem, quando eu comecei pequenininha, quando o professor entrava na aula, a gente levantava, todo mundo levantava, rezava ou fazia o Sinal da Cruz, depois sentava. Daí até o tempo que eu me aposentei, as coisas mudaram muito. E assim olha, o que eu notei na parte da disciplina é assim, que o primeiro lugar, pra tu teres disciplina e ter respeito, tu tem que ter... inclusive pra ter autoridade, a gente tem que ter capacidade, tu tem que tá preparada, tu tem que saber o que está fazendo, que que tu vai dar, onde quer chegar, ter essa segurança da competência de que tu sabes. E se assim: ?O professor não sabe tudo!?, não sabe tudo, nunca vai saber, mas digamos assim, o básico, seria interessante, que daí o aluno também respeita. E eu não sei... às vezes... eu encontro muito meus alunos, e eu pergunto se eu era muito braba, aí eles dão uma risadinha, mas eu era exigente, não era braba. Até uma vez uma aluna disse uma coisa e eu dei uma gargalhada na sala de aula, ela disse: ?Ai que bom ter professora bem-humorada!?. Eu dei uma risada alta, uma bobagem que ela tinha dito assim. Então não é que eu fosse rígida, mas a minha ânsia era de ensinar, de que eles entendessem as coisas, então eu me esforçava bastante nisso, eu não conseguia assim: ?Ah! Eu vou pra aula e eles não entenderam nada, vou fazer outra coisa!?, mesmo que não adiantava fazer outra coisa. As relações entre sujeitos e o ambiente escolar são atravessadas por ações de desobediência, como as lembradas por Denise Zanettini (2024) 22 : As irmãs eram muito rigorosas e a nossa alegria era aprontar na escola, a nossa alegria era aprontar, mas o aprontar era o quê? No magistério a gente era seis, sete alunas só [...], e a gente foi se esconder no banheiro das meninas com o balde de guarda- chuvas, [...] esse era o aprontar sabe, era só pra dar risada, as professoras ficavam furiosas. A gente queria ir ver o quarto das freiras, meu Deus! Quando a gente conseguia entrar lá, era uma satisfação ver como elas dormiam, ver como ficavam, porque era expressamente proibido. 22 Professora aposentada. Nasceu em 1962, em uma família de classe média urbana. Seu pai era empreendedor e sua mãe, exatora estadual. Sobre malandragens e castigos, Isabel Maria Simonato 23 e Clarita Pagnoncelli Gabrielli 24 recordam o seguinte: Um detalhe, por conta desse detalhe levei um baita de um castigo, ainda no tempo de a gente ajoelhar sobre o milho, mas enfim... O governo do estado mandava como merenda leite, leite em pó [...], e toda vez a gente ganhava um copo de leite. E eu desde pequena nunca gostei [...]. E aí então o professor, que também era diretor, me dava um copo de leite e eu fugia, ia atrás da cerca viva e despejava o leite atrás das plantas e voltava sempre com o copo vazio. Um dia ele me pegou, sabe o ele fez? Falou: ?Isabel, vem aqui!?. E me colocou atrás da porta, grãozinhos de milho e falou: ?Tu vai ficar ajoelhada aí pra aprender, porque existem muitas pessoas nesse mundo que morrem de fome e você tá jogando comida fora, o leite é sagrado? (Simonato, 2024). A [professora] ela tomava a tabuada e ela passava com uma régua de madeira e ela batia em cima da mesa e... Se alguém não soubesse, também levava uma reguadinha ali nos dedos. [...]. E aí o [colega] disse que era pra mim, como eu sentava na primeira classe, pra mim pegar a régua dela, que aí ela não teria mais... E eu escondi, realmente, eu peguei e ele me deu de presente um saquinho de bergamotas (Gabrielli, 2024). Em uma cultura em que o castigo físico nas escolas era visto como uma forma de repreensão para atos considerados inadequados, práticas como ajoelhar sobre milho, ser surrado com varas e o uso de palmatórias eram consideradas necessárias para conduzir os alunos a uma vida ordenada. No final de século XX, essas práticas passaram a ser desaconselhadas, principalmente 23 Professora aposentada. Nasceu em 1961, na Comunidade de Nossa Senhora do Monte Bérico, Linha Afonso Pena. Seus pais eram agricultores e comerciantes. 24 Professora aposentada. Nasceu em 1965, na Comunidade de Vila Azul, Linha Carlos Gomes. Seus pais eram agricultores. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 155 com a implementação de políticas públicas voltadas para salvaguardar a integridade de crianças e adolescentes. Os exames admissionais eram comuns ao avançar nos níveis de ensino. A aluna Lourdes Favero Pessin (2024) 25 lembra de seu exame admissional para ingresso no nível ginasial, hoje correspondente às séries finais do ensino fundamental, no Colégio Regina Coeli: Foi muito interessante, porque nós ficávamos ansiosas, a gente nunca tinha passado por um exame oral e escrito também, nós vínhamos de escola pública e o exame era aqui na escola particular. Então da escola pública nós viemos, eu acho que uma meia dúzia, porque só tínhamos o Virginia Bernardi, então as minhas colegas... quando as que já estudavam aqui, já tinham uma vivência, já conheciam as irmãs, eram amigas delas, aqui as professoras todas eram religiosas, então nós vínhamos assim, muito tímidas. Porque a gente via muita diferença na preparação entre quem já estudava aqui e quem vinha de uma escola pública. Além de avaliações admissionais e provas, as práticas cotidianas da educação eram orientadas e supervisionadas, em instituições tanto públicas quanto privadas. Roseli Valduga Dal Pai (2024) 26 recorda o tempo em que foi supervisora da 16ª Delegacia de Ensino, no núcleo situado em Veranópolis, junto ao Ginásio Divino Mestre/Colégio São Luiz Gonzaga. Juntamente com suas colegas de núcleo ? Maria do Carmo Strapazzon, supervisora pedagógica; Ceres Pagliari Menegon, supervisora de informações/estatística; Helia Pompeu e Aldaci 25 Professora aposentada. Nasceu no interior de Fagundes Varela. Seu pai era carpinteiro e sua mãe, costureira. 26 Supervisora de ensino aposentada. Nasceu em Veranópolis, em uma família de classe média urbana. Sassi, inspetoras de ensino ?, elas eram responsáveis pela supervisão de aproximadamente trinta escolas distribuídas em áreas urbanas e rurais, abrangendo os municípios atuais de Cotiporã, Fagundes Varela, Veranópolis e Vila Flores. As visitas às escolas eram realizadas a cada dois meses, aproximadamente. Elas dispunham de fichas avaliativas e livros de registros das visitas, que documentavam as dificuldades das escolas e as áreas que deveriam melhorar. Além das avaliações, também eram responsáveis pelo diálogo com os corpos docentes e de direção das escolas, orientando e ouvindo suas demandas. Posteriormente, Carmen Galeazzi, Oradia Guglielmin Boff e Zenaide Maria Boff ingressaram no núcleo. O conjunto das atividades desenvolvidas no contexto escolar reflete aspectos da sociedade, assim como a escola influencia as ações no contexto social. Permeado por atividades didáticas diversificadas, o ensino tinha dinâmicas diferentes das atuais, conforme recorda Denise Zanettini (2024) sobre suas vivências enquanto aluna no Colégio Regina Coeli: ?A gente tinha Moral e Cívica, técnicas agrícolas, técnicas domésticas, então a gente aprendia a pintar, bordar, a fazer crochê, a fazer tricô?. Lourdes Favero Pessin (2024) também relembra: ?Tinha aula de música, eu me lembro que a primeira nota, a minha primeira nota de música na primeira série ginasial, foi três sobre dez, porque eu não entendia nada?. Para a constituição das escolas e suas práticas, alguns depoimentos apontam para quesitos como a existência de crianças na localidade. Noeci Alves da Silva (2024) 27 afirma: 27 Artesã e líder comunitária. Nasceu em 1958, no bairro Santo Antônio. Seu pai era policial militar e sua mãe, dona de casa. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 156 | Quando começou a escola aqui no bairro Santo Antônio, Adriano Farina, não era aqui embaixo, era na metade do morro, então eram muito poucas crianças que tinham. Então a gente começou muito cedo, pra conseguirem fazer a escola tinha que ter crianças, então eu comecei com cinco, seis anos. Era uma que tinha só duas peças, o banheiro e só [...]. Eram todos juntos, não era assim primeiro, segundo, eram dois períodos e todas as crianças, praticamente juntas. As classes compridas, como antigamente. A relação entre a escola e seu entorno, especialmente no que se refere às condições de acesso, remete a aspectos como a ausência de ruas calçadas. Era habitual que os alunos deixassem seus sapatos do lado de fora das salas de aula e usassem chinelos de pano para circulação interna. O depoimento de Natalina Carrillo Valduga (2024), que reflete sobre sua experiência como aluna no Colégio Regina Coeli e como professora em uma escola municipal, ilustra essa situação: As escolas do município a vida inteira também, tinha sempre o sapatinho pra dentro da sala de aula, os outros ficavam todos ali fora. E aí a gente tinha um calçado, naquele tempo se chamava sete vidas, era um calçado bem simples assim, mas ele era feito... embaixo era de borracha, todo ele e em cima era uma lona, era aquilo. Então no inverno era terrível, a gente chegava lá no colégio e trocava o sapato, tinha o local, largava o calçado da rua e usava aquele. E aí gelava o pé pro resto do dia. Entre as vivências cotidianas frequentemente registradas por fotografias estão as atividades cívicas realizadas em praça pública. Essas atividades eram preparadas pelas escolas como uma forma de mostrar à comunidade seu trabalho e as potencialidades desenvolvidas. O alinhamento dos alunos e a sintonia do movimento demonstram disciplina, também reforçada pelo uso do uniforme. Os desfiles cívicos, que incluíam a participação de escolas e instituições, ocorreram por muitos anos em frente a prédios públicos. É importante associar esse período ao uso da educação como um instrumento de afirmação do patriotismo durante o governo ditatorial de Getúlio Vargas, no Estado Novo (1938- 1945). Nesse período, a escola era compreendida como uma oficina do Estado e assim foi implantada a educação cívica, concomitantemente à obrigação do culto à pátria. Tornaram-se obrigatórios: a entoação diária do hino nacional, o hasteamento do pavilhão brasileiro e o ensino voltado aos vultos e fatos da história do país, além das comemorações das datas nacionais 28 . Os desfiles e outros eventos comemorativos de datas ou vultos nacionais já eram comuns desde 1822, ano da independência política do Brasil. No entanto, a partir dos governos de Vargas (1930-1945 e 1950-1954), essas práticas se tornaram obrigatórias nas escolas e nas cidades, com alguns momentos pontuais de não execução. Enfileirados e desenvolvendo as atividades em círculo, meninas e meninos se apresentavam para a comunidade. As comemorações cívicas sempre atraíram muitas pessoas em Veranópolis, onde as escolas costumavam apresentar suas bandas, sobretudo a partir da década de 1960. 28 Jornal A União, Paraíba, 09 nov. 1938. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 157 Cerimônia cívica, Veranópolis, década de 1940 (autoria não identificada, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 158 | Cerimônia cívica, Veranópolis, década de 1930 (autoria não identificada, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 159 Os contextos em que as fontes são produzidas, bem como as relações sociais, políticas, econômicas e culturais envolvidas, resultam em uma narrativa que não pretende informar sobre aspectos das legislações, mas sim buscar nas relações do convívio o palco das cenas educativas. Essas relações apresentam memórias da materialidade do contexto escolar, tais como os uniformes e materiais escolares. O uniforme, especialmente, corresponde a um dos elementos constituidores dos processos educacionais. Mesmo sem a obrigatoriedade do seu uso, a preocupação em ?bem vestir? os filhos é destacada por Benedita Zandoná Ceccato (2020, p. 15) 29 : Exato, então assim, se tirava aquelas letras, que tava escrito... Aí deixava no quarador. E aí o que que elas faziam? O uniforme para as crianças, então para os meninos faziam a camisa, mas eles faziam o chamado guarda-pó, tanto que a minha mãe virou cos- tureira de guarda-pó de crianças, até hoje tenho na lembrança todos guarda-pós feitos daquela maneira, muito bonitos... Então as crianças iam com aquele guarda-pó, pé-descalço claro, por- que não tinham... Quem tivesse um tamanco já era grande coisa, mas enfim, as crianças se viam bem vestidas, porque andavam muito esfarrapados... Bem vestidos e ali iam pra escola e apren- diam o suficiente. As roupas demarcam espaços e eventos. No relato citado, identifica-se o valor atribuído à roupa de ir para a escola; ainda que simples, o guarda-pó e o tamanco são representantes do ?ser estudante?, representando o reconhecimento e o orgulho de frequentar a escola. Ribeiro e Silva (2012) destacam que, ao estudar uniformes, é importante lembrar que esses foram 29 Professora aposentada e artista plástica. Nasceu em 1950, na Linha Marquês do Herval, Comunidade de São Francisco do Retiro. Seus pais eram agricultores. inicialmente uma orientação de médicos higienistas no início do século XX. Atendendo a diferentes intenções e necessidades, os uniformes são marcadores de espaços temporais e geográficos. Por exemplo, em cidades com temperaturas elevadas durante todo o ano, não há necessidade de tecidos e modelagens mais quentes. Ribeiro e Silva (2012, p. 578) afirmam que: Das intenções iniciais para adoção dos uniformes, outras foram incorporadas e, apesar de eles terem sido descartados em alguns períodos de nossa história, não deixaram de ser adotados, seja como componentes de controle dos corpos, seja como estratégias de visibilidade a projetos institucionais e governamentais. Ainda hoje, tais artefatos constituem-se como elementos importantes na paisagem educacional e são aqui apresentados como expressão ou peça dessa cultura material escolar que continua a necessitar de investimentos e problematização. Teodoro Antonio Kesties (2024) 30 , como aluno de escola do interior, recorda que sua mãe produzia o uniforme em casa e que este era muito simples: ?Era um casaquinho com uma... tipo uma bermudinha, assim a gente ia pra escola. De pé no chão, muitas vezes de pé no chão, porque não se tinha dinheiro pra comprar [calçados]?. Ele também lembra que, em determinadas épocas, o uso de uniforme foi obrigatório, mas depois cada aluno podia usar as roupas que tinha condições de adquirir ou produzir. A ex-aluna do Colégio Regina Coeli e professora Jane Dal Pai Giugno (2024) 31 também relembra o uniforme, os adereços e o frio como elementos marcantes da vivência escolar: 30 Produtor rural e professor aposentado. Nasceu em 1950, na Comunidade de São José da 3ª, Linha Carlos Gomes. Seus pais eram agricultores. 31 Professora aposentada. Nasceu em 1952, em uma família de posses. Seu pai era empresário e sua mãe, dona de casa. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 160 | A partir do primeiro ano sim, nós tínhamos a saia azul marinho plissada, a blusinha branca e cabelo sempre... isso a minha mãe que colocava os adereços... um laço de fita ou alguma coisa assim, franjinha. Meia branca e sapatinho era... podia ser uma conga, podia ser um sapatinho preto, na minha época era conguinha... uma alpargata, eu sou da época da alpargata. Nós não podíamos usar calça comprida, não dava, então a gente no inverno, eu me lembro, que nós usávamos acessórios, as meias... meia-calça, bem pra aquecer... embaixo da meia-calça ainda outra calça comprida do pijama e depois a meinha branca. Então nós tínhamos acessórios assim, complementares, mas não era possível usar calça comprida, isso no meu tempo. Giugno (2024) destaca que, entre as normas da escola, havia uma regra quanto ao comprimento da saia, que devia ser seguido: E ainda eu lembro que nós não podíamos usar a saia acima do joelho, nós tínhamos que usar... e nós tínhamos uma medida, os bancos da capela, então as irmãs nos faziam usar... nos faziam ajoelhar no banco e a saia... a saia deveria encostar e passar um pouquinho o banco após a gente estar ajoelhada. Então o que que a gente fazia, mais tarde quando tava no quinto ano, [...], quando saímos da escola nós virávamos, dobrávamos a saia pra ficar acima do joelho um pouquinho, mas senão era assim, tinha que ser assim. No depoimento citado, é perceptível o desagrado da entrevistada com alguns costumes. No entanto, com o passar do tempo e o avanço da idade e das séries, surgiram maneiras de burlá-los, como dobrar a saia acima do joelho ao sair da escola. Costumes e normas retratados pela fotografia permitem a associação da imagem a uma turma de meninas do Curso Normal. Observa-se a altura da saia, meias brancas, sapatos pretos e cabelos presos. Algumas estudantes usam óculos escuros, e o corte dos cabelos remete aos anos 1960. Como estão em frente ao educandário e todas possuem materiais escolares, denota-se um momento específico para o registro da imagem. O uniforme pode ser compreendido como um objeto escolar e uma fonte de estudo, pois, através de sua confecção, desde a escolha do tecido e do modelo, estão atravessadas relações sociais que demarcam não apenas seu uso, mas também aspectos de tempos históricos distintos. Sobre o uso do uniforme, Noeci Alves da Silva (2024) relata sua experiência na Escola Adriano Farina: Nós tínhamos um avental branco, um aventalzinho branco e gravatinha. E depois quando veio o Adriano Farina pra baixo, que construíram só as duas partes... daquela parte antiga, aí sim já era sainhas de... plissadas, camisa branca e de gravatinha. A gente sempre teve uniforme. Ah! Não esqueça da conga, quem tinha uma conga era rico. E as meias até metade da perna. Normalistas do Colégio Regina Coeli, Veranópolis, década de 1960 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 161 Ao pensar em educação, o imaginário remete a aspectos estruturais, como prédios, composição de jardins, localização da escola. Contudo, a partir de motivações da memória, surgem outros elementos constitutivos daquilo que chamaremos de memórias escolares. A educação em qualquer município é constituída pela cultura material, entendida como os vestígios encontrados nas escolas e que oferecem uma compreensão da materialidade das relações construídas no cotidiano da escola e fora dela (Rabelo; Denski; Câmara, 2010). Porque naquela época assim, era só uma professora com todas as... com todas as turmas. Além disso tinha a merenda também, era muito bom, a gente conseguia assim aprender, porque... por exemplo, naquela época a tabuada era uma coisa que na terceira série a gente tinha que... já tava decorada, então foi muito bom. Era uma escola pequena, tinha aquelas classes antigas sabe? Que daí era de dois a três alunos cada classe e a gente guardava o material embaixo, tinha o lugarzinho (Moro, 2023). Nós estudávamos em uma classe que era... cabiam dois alunos e o material era muito simples, era um caderno, era um lápis que tinha uma borracha acoplada em cima, não podia perder, nem rasgar, então tinha que apagar bem devagarinho. Economizar muito esse caderno porque eu comprava o meu material escolar [...]. Eu ainda tenho cadernos da minha primeira série guardados, porque eles têm um significado, uma memória afetiva muito grande pra mim, porque tudo era muito suado, nós sabíamos que não podíamos extraviar o material. A minha mochila era um saco [...] de cinco quilos de açúcar e que a minha mãe usava, lavava e guardava (Gabrielli, 2024). Alunos do Grupo Escolar Felipe dos Santos uniformizados para desfile cívico, Veranópolis, década de 1950 (Foto Perin, acervo do Mumver) Sala de aula do Grupo Escolar Felipe dos Santos, década de 1950 (autoria não identificada, acervo do Mumver) Segundo Terezinha Reche Moro 32 e Clarita Pagnoncelli Gabrielli, as lembranças escolares transitam entre o material e o imaterial. A seguir, destacam-se trechos de seus relatos sobre esse tema: 32 Professora aposentada e artesã. Nasceu em 1950, na Comunidade de São Luiz, Cotiporã. Seu pai era agricultor e sua mãe, professora. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 162 | É a partir de um conjunto de memórias individuas, formadas em coletivos associados à história da educação de Veranópolis, que emerge a possibilidade de identidade local. Essa identidade implica reconhecer-se como sujeito da e na educação de Veranópolis, permitindo a identificação com os aspectos vivenciados e transmitidos. Assim, de simples espectador/ leitor, é possível transformar-se em integrante dos processos educacionais, o que motiva a criação de mais memórias e identidades. Identidades solidárias, como a de Terezinha Reche Moro (2023) ao mencionar sobre os materiais escolares como livros e cadernos, exemplificam esse processo: Graças a Deus nós sim. Mas a gente tinha colegas que as vezes a gente ajudava, comprava, porque a gente sabia que não tinham condições. E naquela época a maioria das crianças tinham que nem uma pedra, aí fazia os trabalhos naquela pedra, depois apagava pra depois continuar. Tinha que gravar tudo, porque não tinha como depois... e livros, muito pouco. Para Lourdes Favero Pessin (2024), as lembranças refletem as adversidades enfrentadas em termos de oportunidades. Como bolsista no Colégio Regina Coeli, ao ser aprovada no exame admissional para o Curso Normal, deparou-se com uma realidade distinta daquela à qual estava habituada: Aqui as minhas colegas, a maioria, era gente de posses e eu não tinha nem dicionário, eu não tinha revistas. [...]. Então assim, trabalhos de técnicas domésticas, faz tu um trabalho, ilustra e concorre com quem assinava a Revista Cruzeiro e outras revistas, era disparidade de oportunidades. A partir da perspectiva dos materiais escolares, a senhora Santina Abech Mossi (2023) 33 recorda a escassez desses itens e as adaptações necessárias: Naquela época nem lápis e caneta tinha, a gente escrevia em uma pedra [lousa de ardósia] e depois a gente lavava, ia na escola com a sporta... quem não tinha caderno escrevia naquela pedra. Depois, mais com tempo veio. No segundo, terceiro ano a gente pegava o papel de padeiro, costurava e fazia um caderninho para escrever. E não tinha caneta, a gente tinha uma tinta que era dentro de um potinho de vidro... era tipo uma caneta que a gente pociava [mergulhava] lá dentro e escrevia. E se tinha muita tinta a gente tinha um papel, tipo... um papel mais grosso, e a gente botava em cima para não ficar borrado [papel mata-borrão]. Ao ser questionada sobre os materiais escolares utilizados para a alfabetização, Jane Dal Pai Giugno (2024) lembrou alguns detalhes, como o nome da cartilha: Mas nós usávamos sim, Alegria de aprender, acho que era isso mais ou menos, era uma cartilha. E a minha cartilha era bem usada, bem batida. Nós costumávamos comprar a cartilha daquelas que iam pro segundo ano, então era uma prática das irmãs, porque eu acho que era difícil trazer de Porto Alegre, nós não tínhamos como. Enfim, algumas vezes conseguia- se algumas novas, mas na grande maioria a gente comprava cartilhas... então apagava o que tava escrito, tudo direitinho, a gente comprava de segunda mão o livro e tinha que cuidar bem direitinho, pra poder passar pra outros. 33 Aposentada e artesã. Neta de imigrantes sírios, nasceu em 1948, na Linha Visconde de Pelotas, Comunidade Nossa Senhora do Rosário, Fagundes Varela. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 163 Além do nome da cartilha, detalhes como a compra de materiais de turmas que estavam um ano à frente e o ato de apagar as respostas anteriores representam marcas de situações escolares que demonstram a especificidade e a importância do material escolar. O uso de cartilhas foi comum nas escolas brasileiras, recebendo denominações variadas, como cartilha ou carta de alfabetização. Independentemente do nome, elas foram utilizadas ao longo de muitas décadas do século XX e atravessam o século XXI, com características atualizadas. Os materiais escolares pertencem a diferentes tempos históricos, refletindo ações marcadas por contextos também distintos. Assim, nem sempre e nem todos os alunos tiveram abundância de materiais didáticos em suas vivências escolares. Eliane da Luz Mendes (2024) lembrou: ?Material escolar tinha que comprar, a gente dividia o lápis no meio, a borracha no meio, a gente não tinha pasta, a gente usava o saquinho plástico... e o caderno, era tudo que a gente tinha de material?. Com escassez ou abundância, o uso de materiais didáticos auxilia nos processos educativos e, frequentemente, torna-se um marcador de memórias. É comum, por exemplo, recordar o cheiro do álcool das provas mimeografadas, as páginas soltas dos livros didáticos, as canetas que vazavam tinta e borravam os cadernos, bem como o uniforme escolar. Os alunos da segunda metade do século XX conviveram com práticas educacionais que dialogavam com as tecnologias de sua época. Dessa forma, o uso do mimeógrafo e o costume de cheirar as provas ou materiais distribuídos pelo professor foram hábitos constantes, conforme explica a professora Natalina Carrillo Valduga (2024): Olha, bem no começo, como a escola não tinha muitos recursos, nós tínhamos o mimeógrafo a álcool. Aquilo era uma tragédia pessoal, deixava a folhinha da prova toda prontinha, toda... digitada ou até à mão, aí vinha botar... se ia muito álcool, queimava a tal da matriz e não tinha o que fazer, aquela tava morta. Das pequenas escolas rurais aos grandes edifícios urbanos, o espaço físico é um importante modelador das práticas escolares e das memórias daqueles que por ali passaram. Os prédios escolares de diversas localidades foram construídos após a fundação das escolas, dadas as necessidades advindas do número crescente de alunos e dos recursos disponíveis. Costa (1998, p. 476) afirma que: ?Os primeiros trabalhos letivos da comunidade [Capela Nossa Senhora Auxiliadora] foram ministrados na residência de Ângelo Cenci até ser construída uma pequena escola comunitária?. Relatos identificam uma prática comum nas primeiras décadas do século XX, em que residentes disponibilizavam espaços privados para a realização das aulas, a fim de viabilizar a alfabetização no interior. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 164 | Evento na escola rural da Linha Barão do Triunfo, Comunidade de Nossa Senhora do Pedancino, Veranópolis, década de 1930 (Foto Perin, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 165 As relações estabelecidas também estão ligadas ao prédio e às sensações ali sacralizadas. Para Sales (2002, p. 341), ?o valor simbólico do prédio escolar é fruto, portanto, de uma espécie de consenso social, em que as representações desempenham um papel importante no processo de legitimação da instituição de ensino que o prédio escolar encerra?. Nem todas as escolas possuíam prédios estruturados adequadamente, como lembra a professora Natalina Carrillo Valduga (2024): Quando eu lecionei na Alberto Pasqualini não tinha água e não tinha luz no prédio e não tinha banheiro, por conseguinte tinha que ir na chamada casinha [...], eu trabalhava com criança pequena, tinha que ir lá, porque elas tinham medo de usar a casinha, que era a latrina. Daí eu ia no vizinho pegar de manhã, pegar um balde água pra higiene das crianças, pra lavar as mãos e no sábado nós íamos fazer a faxina na escola, porque naquele tempo não tinha faxineira, nem secretária, nada... quem trabalhava ali fazia o trabalho administrativo também, no caso. A educação brasileira, a partir da Constituição de 1934, passou a ser mais considerada e de maior alcance social. Nesse sentido, na década de 1950 e no início da década de 1960, várias ações foram desenvolvidas no Rio Grande do Sul a favor da educação, entre elas a construção de escolas no interior, como as chamadas brizoletas 34 . Mesmo com instalações menos robustas, os prédios escolares são lembrados, tanto por suas instalações internas quanto externas, sendo representativos nas narrativas. De acordo com Sales (2002, p. 340): 34 Modelos de escolas implantadas durante o governo de Leonel de Moura Brizola (1959-1963), que contavam com projetos padronizados para construção de pequenas escolas públicas laicas, especialmente na zona rural, popularmente conhecidas como brizoletas, pela associação ao sobrenome do chefe do Executivo gaúcho (Marinho; Moraes, 2017). O valor atribuído aos diversos tipos de escolas é fruto de um processo sócio-histórico [sic ] de julgamento social, que se estabelece e se manifesta nas representações sociais de escola que os sujeitos compartilham em um determinado contexto. As memórias podem ser acessadas de várias formas, uma delas é por meio das lembranças sobre aspectos acionados em entrevistas orais que remetem à educação. Natalina Carrillo Valduga (2024) narra: ?Eu fiz o ensino fundamental na Escola Regina Coeli, eu tenho uma ligação muito grande com o Regina Coeli porque eu estudei lá, depois eu fui professora e as minhas filhas também estudaram lá?. Para Natalina, o valor simbólico está associado à magnitude do prédio: Grupo Escolar Senador Alberto Pasqualini, Veranópolis, década de 1960 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 166 | Era um monumento na cidade, porque na ocasião tinha a igreja com mais imponência e acredito [...]. Ficou um tempo entre lá e aqui o Divino Mestre, porque os dois prédios... então os meninos estudavam aqui e as meninas estudavam lá. E eu gosto muito de lá, também, lá no Regina porque eu fui muito feliz lá, nossa infância foi muito boa, eu passei por traumas pesados lá, meu pai faleceu eu tinha dez anos só, então foi muito significativo isso. E as irmãs, como eu digo, as religiosas, elas eram muito dedicadas, delicadas, acompanhavam a gente. [...]. Então minhas lembranças lá são todas boas, bem agradáveis assim, aquele silêncio, o prédio bom, só... já que nós estamos falando de uma forma bem simples, eu passei muito frio lá, diz que criança não sente frio, sente frio sim, porque o colégio grande e as salas de aula são todas pro lado sul, então o sol que entrava era pelas janelas laterais, só uma pontinha do sol chegava. Então eu me lembro o frio que eu tinha, a gente usava roupa curtinha, não se usava calça comprida (Valduga, 2024).Das instalações em residências aos grandes prédios escolares de Veranópolis, ganha significado a presença do Colégio Agrícola, localizado em Sapopema, com educação técnica voltada para as necessidades das atividades primárias, uma vez que a região tem na pequena propriedade parte significativa de seu sustento. Conforme Costa (1998, p. 469), as aulas iniciaram em 1966, com autorização para funcionar em 1967. Durante as manhãs, havia aulas de Cultura Geral, e à tarde as aulas aconteciam no Centro de Treinamento Agrícola, o que demandou a implantação de edifícios escolares adequados às atividades do ensino técnico em agropecuária. Colégio Regina Coeli, Veranópolis, década de 1950 (Foto Parise, acervo do Mumver)Colégio Agrícola, Veranópolis, década de 1960 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 167 A presença de ordens religiosas católicas no município é apresentada em obras como de as de Geraldo Farina (1992) e Marina Matiello (2013). A partir de suas contribuições, os prédios escolares que abrigaram as escolas confessionais ganham significado. Esses edifícios possuem estruturas características de seminários e conventos, com plantas em formato de ?U? ou ?L?, de modo que suas paredes protegiam os alunos do mundo exterior, direcionando-os para o pátio interno, assim como deveriam voltar-se a si mesmos e a Deus. De acordo com Matiello (2013, p. 45): [...] em março de 1914, foi possível a abertura de um colégio de Irmãos Maristas. Com o auxílio do Frei Luís e de amigos influen- tes que emprestaram a quantia necessária para a construção do prédio, os Freis Capuchinhos, presentes no município desde 1901, compraram um prédio na parte superior da vila. O prédio, que havia sido utilizado pelo Colégio Brasileiro, foi acrescido de um pequeno pavilhão de madeira e se tornou o Colégio São Luiz Gonzaga. (FARINA, 1992). Não sendo suficiente a quantia arreca- dada por ações, a intendência municipal auxiliou com o restante necessário, hipotecando o imóvel até que a dívida fosse quitada. Centro de Treinamento Agrícola, Veranópolis, década de 1960 (Foto Parise, acervo do Mumver)Colégio São Luiz, Veranópolis, 1928 (autoria de José da Costa, acervo pessoal de Zélia Sartoretto) Construção do edifício do Ginásio Divino Mestre, atual Colégio Estadual São Luiz Gonzaga, Veranópolis, década de 1950 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 168 | A ingerência das ordens religiosas impulsionou a construção de outros prédios escolares para formações vocacionais, como o Seminário Marista Medianeira, o Seminário Seráfico São José e o Seminário Santo Antonio de Vila Flores. Esses prédios suntuosos, que ainda existem, representam processos educativos na cidade, atendendo alunos em regime aberto, de internato e semi- internato. Dessa forma, os prédios escolares podem ser fontes de memórias e estudos, pois a constituição das pessoas que ali estudaram, trabalharam e conviveram está atravessada pela e na arquitetura, nas instalações, nos arredores e nas dinâmicas de cada contexto histórico, seja pelo barulho ou pelos silêncios, pelos trabalhos pendurados nas paredes, pelos escritos em classes ou até mesmo nas portas dos banheiros. Para Escolano (1998, p. 26), o espaço escolar não é uma dimensão neutra do ensino, nem tampouco um simples esquema formal ou estruturas vazias da educação. Uma incursão às escolas rurais Com base nas entrevistas realizadas, as narrativas dos sujeitos representam e simbolizam aspectos, e não a totalidade, da história da educação em Veranópolis. Desde sua constituição como município, como na maioria das comunidades da época, as primeiras ?aulas? eram ministradas por pessoas consideradas mais alfabetizadas. As dificuldades impostas pelas distâncias no início da ocupação do território pelos imigrantes de origem europeia destinavam à educação um espaço ainda a ser constituído. No final do século XIX e início do século XX, conforme Farina (1992), a escolaridade formal, subvencionada pelo Estado, começa a se estabelecer no local. Nesse sentido, Rita Tedesco Parise (2021) 35 exemplifica as diversas culturas escolares presentes no meio rural: Escolaridade, eu quero te contar um pouquinho sobre a escolaridade nossa. Então, a gente não podia ir à escola antes dos sete anos, porque já tinham muitos alunos e tínhamos a escolinha pequena, uma professora só, com quatro classes: primeiro, segundo ano, terceiro ano e quarto ano. Chegava no quarto ano terminava a escola. Em sua entrevista, Rita menciona três aspectos que constituíram a educação formal de muitos veranenses: as escolas no interior do município; a atividade exercida pela professora atendendo várias classes e séries; e o limite de até o quarto ano de escolaridade na comunidade. Desse modo, muitos alunos não continuavam seus estudos, pois isso demandava deslocamento para o centro do município ou para a comunidade mais próxima, onde fossem oferecidos mais anos de escolaridade. O professor Teodoro Antonio Kesties (2024) iniciou suas atividades profissionais assim que concluiu o ginásio, na mesma escola rural em que estudou inicialmente, em São José da 3ª. Posteriormente, lecionou na escola da Linha Conselheiro Rebouças e na Escola João Leivas de Carvalho, Comunidade de São José da 1ª, Linha Barão do Rio Branco. Sempre atuou em áreas rurais, trabalhando com escolas multisseriadas no formato brizoleta. Ele recorda que os alunos eram majoritariamente filhos de produtores rurais e faltavam muito para auxiliar os pais, sobretudo durante a época de colheita. 35 Comerciante. Nasceu em 1936, na Linha Gonçalves Dias, Comunidade de Nossa Senhora da Paz. Seus pais eram agricultores. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 169 A supervisora escolar Roseli Valduga Dal Pai (2024), no exercício de suas atividades, atendia escolas tanto do interior quanto da área urbana. Ela relata que as escolas rurais eram pequenas, com duas ou três salas de aula, e algumas ofereciam residência para o professor anexa. Com o auxílio dos Círculos de Pais e Mestres (CPMs), eram promovidas melhorias estruturais, como a construção de cozinhas e banheiros, além da aquisição de materiais escolares. Conforme já salientado, os filhos, na maioria das vezes, auxiliavam nas atividades primárias da família e enfrentavam a falta de transporte público municipal, o que dificultava a continuidade da escolaridade, especialmente até a formação ginasial. Portanto, as experiências rememoradas não apenas evocam imagens de um tempo distante, mas também refletem aspectos dos períodos históricos educacionais. Mesmo com a existência de escolas no interior, algumas crianças não puderam estudar devido a fatores como a localização das escolas e das residências. Nessa direção, Mirian Mazzarollo Zardo (2023) 36 relata o seguinte: Lá na com unidade a gente tinha escola, mas só tinha aula até o sexto ano. E depois a gente dependia de ir pra cidade, tinha transporte que passava pra vir na cidade, só que nós, como a gente morava fora da estrada, eram três quilômetros de distância, então pra nós chegar aonde passava o ônibus, tinha que sair cinco e meia, quinze para as seis de casa, também não era motivo de não, mas e o inverno? Isso era de noite. E quando chovia? O meu pai não tinha condição de transportar nós até... de levar nós até aonde passava o ônibus, então eu não tive oportunidade de estudar. 36 Artesã e aposentada. Nasceu em 1963, na Linha Campos Sales, Comunidade de Santo Isidoro. Seus pais eram agricultores. Conforme salientado, muitas crianças dividiam suas atividades entre a escola e o trabalho na roça. Como conta Santina Abech Mossi (2023), ?desde o colégio, a gente ia pro colégio meio turno com nove ou dez anos e o segundo turno era na colônia?. Conforme Clarita Pagnoncelli Gabrielli (2024), que atuou na Escola Marina Largura, na Comunidade de Nossa Senhora de Pompeia: O perfil do aluno era essencialmente de filhos de produtores rurais, no contraturno eles trabalhavam na roça [...]. Era um aluno acostumado às lidas na roça, dormir cedo, muitos nem tinham televisão, a notícia chegava lá muito depois, então estudar, ouvir as novidades que nós trazíamos era a coisa mais importante. Ao abordar aspectos da educação veranense em espaços rurais e urbanos, é importante considerar que todos contribuem para o desenvolvimento cidadão. Nesse aspecto, Izabel Durli Menin (2015, p. 55) observa que: Compreender a consciência histórica é entender que o espaço geográfico sofre transformações ao passar do tempo. Possibilitar uma reeducação pelo olhar, pela análise, é compreender que as fontes materiais e imateriais são recursos valiosíssimos. Os luga- res representam muito de nossa história, contam, por intermédio de seu silêncio, as transformações que o tempo traz. Eles contêm rastros do passado, rastros que mantêm a memória e ajudam a construir a identidade local. Essa consciência do local desenvolve no sujeito o sentimento de pertencimento, sentimento esse que dá ao aluno a verdadeira dimensão das permanências. Portanto, peculiaridades e transformações se fazem presentes, mesmo com as modificações nos espaços. Apesar das dificuldades enfrentadas, os pais valorizavam a escola, como relata Benedita Zandoná Ceccato (2020, p. 15): Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 170 | Bom, era difícil quanto a alfabetização das crianças, mas os pais queriam que as crianças tivessem uma pequena escolaridade, queriam que eles soubessem ler, escrever e fazer contas, mas quem ia fazer isso se eram quase todos analfabetos? Então eles tinham que procurar alguém que soubesse ler, escrever e fazer contas e trazer para a comunidade. Escolas simples... A família aqui [Ceccato] se preocupou com isso, por isso que eles davam pousada para os professores, anos e anos e anos, os professores paravam junto com a família, para poder educar os filhos dos imigrantes. Escola rural municipal: ?Aula municipal de Alfredo Chaves dirigida pela senhorita Dorvalina Giugno?, Veranópolis (autoria não identificada, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 171 Como não havia professores em muitas comunidades rurais, aqueles que atuavam muitas vezes precisavam se hospedar nas casas de alunos para exercer a profissão. O reconhecimento pelo trabalho se dava através do acolhimento e da oferta de produtos coloniais: Então era a galiotinha, o burrinho e as famílias enchiam de alimentos, era o queijo, era a banha, era o frango, ovos, salame, cenoura, repolho, ervilha, o que tinham... Os professores ainda iam pra casa com um rancho aqui da comunidade (Ceccato, 2020, p. 15). Narrativas presentes no livro Raízes de Veranópolis (Costa, 1998) testemunham a existência das escolas no interior do município desde o final do século XIX. Em 1890, foi criada a escola na Capela Nossa Senhora das Dores, na Linha Gonçalves Dias. Conforme Izabel Carbonera e José Isidoro Carraro (Costa, 1998, p. 449), essa foi uma das primeiras escolas da Colônia Alfredo Chaves. A construção da escola antecedeu a da capela, e o espaço era utilizado para os encontros de oração da comunidade. Denominada Escola Municipal de 1º Grau Incompleto Henrique Dias, teve como primeiro professor o morador local Vittorio Benedetti. Nesta localidade, existiu também a Escola Municipal de 1º Grau Incompleto Santos Dumont, que foi fundada em 1929 com o nome de Escola Municipal Parreira Horta. Em 1962, passou a se chamar Escola do Plano de Expansão Santos Dumont; depois, em 1977, foi renomeada para Escola Municipal de 1º Grau Incompleto Santos Dumont (Costa, 1998, p. 449). As trocas de nome entre 1962 e 1977 estão associadas às políticas educacionais do período. É importante salientar que, em 1962, o estado do Rio Grande do Sul era administrado por um governo que tinha a educação como um de seus pilares. De acordo com Costa (1998, p. 433), ?o ensino, em Lajeadinho, desenvolveu- se a partir de 1889, no salão da capela?. A Escola Isolada de Lajeadinho, como muitas outras, teve diversas alterações em seu nome. Os nomes das escolas, normalmente, homenageiam a localidade em que elas estão instaladas, podem fazer referência a personagens da história nacional, principalmente aquelas criadas em períodos marcados pela influência do positivismo, ou reverenciam moradores locais e professores, buscando estabelecer uma maior aproximação entre a comunidade e esses sujeitos que representam diversas contribuições para o local. Assim, a Escola Isolada de Lajeadinho foi criada em 1889 pelo município, passando à gestão do estado em 1938, sob a denominação de Grupo Escolar Lajeadinho. Em 1960, passou a se chamar Grupo Escolar Ernesto Bortoli; em 1969, Escola Rural Ernesto Bortoli; em 1979, Escola Estadual de 1º Grau Incompleto Ernesto Bortoli. A Escola Estadual Paulina Lacerda Paludo também se enquadra nesse contexto, pois, conforme Costa (1998, p. 434), a homenagem à professora estabelece o reconhecimento dela pela localidade. Fundada por volta 1918 em Sapopema, recebeu inicialmente a denominação de Escola Municipal de Sapopema, passando posteriormente a se chamar Escola Isolada Tomás Flores e, em 1964, Escola de 1º Grau Incompleto Paulina Lacerda Paludo. Embora a ordem das denominações apresentadas coloque a escola isolada em segundo lugar, historicamente, percebe-se que essa denominação precedeu a municipalização das escolas. Em conformidade com Costa (1998, p. 453), na Linha Barão do Triunfo, Capela Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 172 | São Roque, a situação se repete. Na localidade, por volta de 1917, foi criada a Escola Padre Antônio Vieira, que, em 1967, passou a se chamar Escola Rural Maximiliano Ferronatto; e em 1968, Escola Isolada de São Roque; tornando-se posteriormente, em 1981, a Escola Estadual de 1º Grau Incompleto Maximiliano Ferronatto. A escola da Capela São Roque foi fundada por iniciativa de Maximiliano Ferronatto, um imigrante italiano e autodidata que foi professor na escola comunitária por vinte anos. Para muitas comunidades, a única forma de garantir aos filhos a oportunidade de ler, escrever e contar era através de pessoas da própria localidade que possuíssem tais habilidades, como foi o caso do patrono da escola da Capela de São Roque. A Linha Barão do Rio Branco também dispôs de duas instituições de ensino, um fato atribuído por Costa (1998, p. 457-458) ao crescimento demográfico e à extensão territorial da localidade. A primeira foi a Escola Municipal Barão do Rio Branco, criada em 1930, próxima à Capela de São José da 1ª, que em 1969 passou a funcionar em dois turnos: manhã e tarde. ?Devido à distância da escola, a professora dormia e fazia as refeições na própria escola, indo para casa somente no fim de semana?. A segunda instituição foi a Escola Municipal de 1º Grau Incompleto João Leivas de Carvalho, fundada em 1952. Entre 1956 e 1969, a escola pertenceu a Vila Flores, 4º distrito de Veranópolis, devido ao desconhecimento preciso das divisas distritais. A diversidade étnica também marcou as vivências nas comunidades rurais. Nesse sentido, Fabiano Kaczalla (2024) 37 37 Comerciante. Neto de imigrantes poloneses, nasceu em 1949, na Linha 14 de Julho, Comunidade Nossa Senhora do Rosário, Veranópolis. destaca a relação entre diversas línguas (português, italiano, polonês): Eu não tive dificuldade, porque na minha família se falava o português e o polonês, quando eu fui na aula aos sete aninhos, mais ou menos sete, oito anos, eu tanto entendia já o italiano, o polonês, e o português, não tive dificuldade nenhuma. A lembrança da facilidade em compreender os três idiomas denota a diversidade e as oportunidades que muitas vezes eram consideradas normais, mas que, na verdade, possibilitavam variadas afinidades culturais. Profissão professor/professora A profissão de professor/professora tem apresentado transformações ao longo de cada período histórico. Houve épocas de tamanho reconhecimento que ser casado com um docente era sinônimo de prestígio, sobretudo nas décadas de 1940, 1950, 1960 e parte de 1970. As mulheres percorreram caminhos de formação profissional e se tornaram a maioria nessa profissão durante a segunda metade do século XX, quando a formação no Curso Normal, depois Magistério, era suficiente para ministrar aulas no ensino primário. Conforme Lourdes Favero Pessin (2024): ?A própria profissão do professor ela não é mais tão valorizada, os professores do passado eram considerados uns gênios, bem respeitados. Hoje, coitados dos professores?. Com cinquenta e quatro anos de experiência na área da educação, a professora Jane Dal Pai Giugno (2024) também contribui para a reflexão sobre as mudanças na profissão docente: Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 173 Ser, na época, ser marido de professora, era algo que elevava o status do homem. A mulher professora era muito respeitada, ela era vista de uma outra forma, era uma autoridade da cidade, uma autoridade. O que aconteceu? O salário do professor, com o tempo, veio decaindo, tendo menos poder de aquisição, menos valor, veio decaindo, decaindo, decaindo e começou a diminuir, esmorecer o desejo de ser professor. Porque caminha paralelo, essa... eu não vou dizer endeusamento, mas esse respeito pelo professor, aquilo que... como tu é visto, como tu és também remunerado, porque isso diz muito também da importância da tua profissão. E veio esmorecendo, esmorecendo e hoje nós temos poucos, quase nenhum Curso Normal. As professoras Isabel Maria Simonato e Clarita Pagnoncelli Gabrielli relacionam a questão da profissão à remuneração ao longo do tempo: Quando eu comecei a lecionar no estado, vou te dizer uma coisa, a primeira coisa que eu comprei foi... porque tinha que ir pro Vitorio Costella lá em São Valentin, vai de que? Tinha que ter um carro e eu não tinha carro. Comprei um carro já no segundo, terceiro salário [...]. Era bom, ganhava bem e o Regina Coeli sempre pagou bem também. Agora, faz assim, oito anos que eu estou aposentada, ao invés do meu salário progredir, ele regrediu e está regredindo dia a dia [...]. É uma defasagem extraordinária, é uma defasagem sem comentário, muito grande. Isso no decorrer de todos os governos, não atribua a ninguém (Simonato, 2024). E foi ali [Colégio São Luiz Gonzaga] que eu me dei conta o quanto o salário do professor, até hoje, ele está aquém de outras profissões e das mais simples, mas não menos importantes, quando um aluno meu... A diretora passou entregando o holerite ele disse: ?Profe tu tá rica!?. E eu disse: ?Vamos ver quanto eu recebi!?, eu abri e eu fui e mostrei. E ele me disse: ?Mas vai trabalhar na Boito! Eu ganho mais que isso!?. Até hoje eu me lembro dele, porque ele sugeriu que eu deixasse a profissão de professora pra ir trabalhar na Boito [E. R. Amantino & Cia. Ltda.], porque o nosso salário estava muito defasado. E hoje em dia continua essa luta do magistério por melhores, por melhores salários (Gabrielli, 2024). Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, a formação em curso de licenciatura, em nível superior, passou a ser gradualmente um requisito. Conforme atesta o depoimento de Maria de Lourdes Scopel Gregol (2024): O município sempre nos proporcionou momentos de formação, então até então o que tu tinha como magistério, para administrar uma escola, pra administrar teu grupo de trabalho, pra ti estar numa sala de aula era bom, era por aí. Mas só que as leis foram exigindo que a gente tivesse a formação. Daí eu fiz Pedagogia, logo que eu fiz Pedagogia fiz a pós [graduação], fui em busca de uma pós em gestão e em alfabetização também. Nas palavras da professora Maria de Lourdes Scopel Gregol, destacam-se as transformações e exigências decorrentes de políticas educacionais e, sobretudo, a necessidade de formação continuada na profissão docente. Não satisfeita apenas com a graduação, ela buscou cursos de pós-graduação, assim como muitos outros profissionais, o que contribui significativamente para a qualificação da carreira. Formatura da Escola Normal Regina Coeli, Veranópolis, década de 1960 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 174 | A professora Lourdes Favero Pessin, que iniciou no magistério público estadual na Escola Maximiliano Ferronatto, na Comunidade de São Roque, Linha Barão do Triunfo, relata que morou na localidade com seus tios, ajudando nos serviços domésticos e na confecção de palhas no contraturno da escola. A respeito dos alunos do interior do município, ela apresenta realidades relacionadas à falta de recursos econômicos, afirmando que a maioria não tinha condições de adquirir uniforme e materiais escolares. Além disso, muitos enfrentavam dificuldades ao conciliar os estudos com o trabalho nas propriedades rurais da família no contraturno, fatores que refletiam no seu trabalho como professora: Eu tinha de primeira à quinta série, sessenta alunos, pensa bem, sessenta alunos, ainda vinham os pais e diziam: ?O meu não tem idade, mas deixa ele vir enquanto, só de ouvinte?. [...]. Era assim, eu começava com os maiores, porque eles já tinham... quinta série. Mas eu não tinha como preparar alguma coisa por escrito, eles não tinham livro texto, então eu tinha que passar no quadro negro, eu passava rápido, resumidinho e depois passava pro quarto ano... (Pessin, 2024). O relato permite visualizar tanto as dificuldades quanto as satisfações da profissão. Mesmo que o profissional tivesse que atender a alunos de séries múltiplas, ele era respeitado e valorizado pela comunidade. Para Teodoro Antonio Kesties (2024), as lembranças de seu tempo como aluno evidenciam os desafios da carreira docente: Não era fácil, porque além das séries multisseriadas, a professora tinha que fazer merenda, tinha que cuidar da escrituração, dos livros de escrituração, tinha que fazer a limpeza, era tudo com a professora. E os alunos... a professora se desdobrava, trabalhava um pouco com uma série, um pouco com outra, dava um conteúdo pra uma, um conteúdo pra outra. Ex-aluna do Curso Normal no Colégio Regina Coeli, Jane Dal Pai Giugno foi convidada a lecionar na mesma escola após concluir o curso. Ao mesmo tempo, continuou seus estudos, cursando Licenciatura em Música na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Após ser aprovada em concurso público, passou a atuar paralelamente na educação privada e pública. Sobre sua trajetória, ela contou: Eu saí da sala do Estado, que eu dava aula de música e fui pra supervisão, mas não saí da sala da escola particular, porque concomitante eu dava aula aqui, pro Curso Normal. Que era uma coisa que me alegrava, trabalhar com as normalistas, preparando para aquilo que elas tinham que fazer, então eram coisas muito... E eu trabalhava no começo, eu comecei com alfabetização aqui, eu trabalhava com todo processo alfabetizatório, que foi o meu estágio e que eu continuei depois um tempo ali e elas, e as irmãs já me pediram para trabalhar com o curso normal, por quê? Porque eu fazia algumas coisas meio fora do comum e as irmãs meio que diziam: ?Mas tu não pode?, no estágio a minha supervisora dizia: ?Tu não pode, te esconda pra fazer, não deixa a madre ver, porque isso não é possível, isso não é possível?. Que era uma coisa muito disciplinar, era um na frente do outro (Giugno, 2024). Conforme apresentado, a profissão de professor/professora passou por inúmeras transformações ao longo do século XX, como evidenciado pelas diversas narrativas presentes nas entrevistas. Mesmo diante dos mais diversos desafios enfrentados ao longo de suas carreiras, tanto no magistério público quanto no privado, a maioria desses professores expressa orgulho pela profissão e, se pudesse, a escolheria novamente. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 175 A educação tem sido essencial... Estudar e escrever sobre a educação em Veranópolis, ainda que em breves linhas, contribuíram para a afirmação de que a educação é fundamental. No entanto, apenas ela não é capaz de transformar a sociedade; são necessárias ações inter e multidisciplinares de todos os setores para que os resultados sejam eficientes. Desde a importância da escola, relatada na primeira fala transcrita, até a profissão de professor, esses são marcadores da importância e da valorização da educação. Fica a convicção de que é necessário repensar a educação cotidianamente, além de valorizar seus profissionais ? professores e funcionários ? e dialogar com as comunidades, uma vez que a educação é propulsora de identidade local e, portanto, de cidadania. Professoras do Grupo Escolar Felipe dos Santos, Veranópolis, década de 1950 - foram identificadas: Mauricia Reschke Zanchetta, Oradia Guglielmin Boff e Zenaide Maria Boff (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 177 terra de muitas gentes, terra de muitas crenças Bernardo Luchini Bisatto Veranópolis Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 179 O presente capítulo aborda as pluralidades religiosas que compõem a trajetória do município de Veranópolis, considerando as diversas organizações políticas e territoriais ao longo dos seus 125 anos de hnos de história. Dessa forma, serão apresentados contextos culturais tanto do período em que a cidade era conhecida como Colônia Alfredo Chaves quanto do tempo presente, a partir de sua organização territorial demarcada em 1988, sem deixar de considerar sua inserção regional e as dinâmicas multiculturalistas do mundo contemporâneo. Vale ressaltar que o multiculturalismo é um conceito que engloba a diversidade de grupos sociais que vivem relações de consenso, oposição e conflito, implicando conquistas e reivindicações para evitar as diversas formas de exclusão. Trata-se também de uma perspectiva política e social que visa efetivar os direitos das minorias e o reconhecimento de grupos inferiorizados por condições históricas, socioeconômicas ou raciais (Groff; Pagel, 2009). Nesse contexto, apresentam-se as principais manifestações religiosas do município e sua microrregião, organizadas em três grandes grupos: católicos, evangélicos e espiritualistas. Além desses, algumas minorias também serão abordadas, como judeus e muçulmanos, que pontualmente marcaram e ainda marcam presença no cotidiano local. O objetivo deste texto não é categorizar de forma rígida as pessoas e suas manifestações espirituais, mas sim destacar a pluralidade de pensamentos que as constituem. Muitas das pessoas entrevistadas ao longo deste projeto declararam participar de diferentes formas de cultos ou rituais, reafirmando o fenômeno contemporâneo do multiculturalismo. Comunidades católicas rurais: da fundação ao século XXI A história das comunidades católicas rurais de Veranópolis é constantemente apontada nos mais variados veículos de comunicação como uma importante referência cultural legada à atualidade pelos imigrantes europeus que se estabeleceram na região no final do século XIX, sobretudo italianos e poloneses. Apesar das inúmeras ressignificações e transformações ao longo do tempo, muitas dessas comunidades permanecem ativas na preservação de seu patrimônio cultural, seja através de suas festividades religiosas em honra aos padroeiros, seja pela manutenção de seus complexos comunitários, representados por capelas, campanários, cemitérios, escolas, campos de futebol e salões. Diversos autores locais, meios de comunicação e conselhos administrativos dessas comunidades têm mobilizado esforços Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 180 | para registrar e preservar a história dessas localidades, suas manifestações religiosas e suas memórias. Assim, além da narrativa histórica comumente apresentada, busca-se oferecer uma análise conceitual da formação desses espaços, tanto físicos quanto simbólicos, bem como das práticas cotidianas ? como celebrações, velórios e festividades ? que ainda se mantêm vivas nas memórias dos moradores. Quando as primeiras levas de imigrantes europeus chegaram à região da Serra Gaúcha, a assistência sacerdotal era escassa e, portanto, as práticas religiosas aconteciam no âmbito doméstico. ?Pouco a pouco e à medida que as condições materiais permitiam, os colonos começam a construir pequenos oratórios dedicados aos seus santos de suas localidades de origem? (Zugno, 2014, p. 419). A formação das capelas em áreas rurais contou com a autonomia associativa desses imigrantes europeus, além da preocupação da igreja em vincular os imigrantes a uma comunidade, dada a situação de abandono espiritual e material em que se encontravam, e garantir sua permanência como fiéis católicos. Por isso, houve constantes esforços institucionais para inserir ordens religiosas nas colônias. Muitas dessas comunidades surgiram estatutariamente como associações mortuárias, buscando oferecer assistência espiritual e material aos membros e garantir direitos que o Estado não assegurava (Costa, 1998; Domeneghini, 2024; Farina, 1992; Veronese, 1986). Dessa forma: Capiteis e capelas materializaram uma forma própria de organização religiosa, de responsabilidade comunitária, não só em relação à religião, mas também à educação e à solução de problemas sociais. [...]. Pode-se, já, antever uma religiosidade baseada no social, ficando em segundo plano o cultivo de iniciativas de espiritualidade pessoal, reflexiva e contemplativa (Costa, 1998, p. 164). A religião católica, por meio de suas igrejas, capelas e seus ritos, estimulou um sentimento de unidade, constituindo o centro das comunidades. Toda comunidade possuía uma capela, que era si- nal de prestígio social. Era o local onde realizavam celebrações li- túrgicas, rezavam o terço, cantavam ladainhas, e o culto acabava estimulando encontros e a formação dos grupos sociais (Giron; Herédia, 2007, p. 119). Assim, a centralidade do elemento religioso, representada em suas inúmeras capelas, capitéis e cemitérios, é remanescente de uma cultura associativista, em que a edificação religiosa permaneceu como polo de ligação social (Herédia; Paviani, 2003, p. 62). Portanto, a capela representou um elemento central na vida social das comunidades rurais, pois, além de proporcionar assistência religiosa, como o culto, as rezas do terço e a catequese, tornou-se também um espaço de educação, recreação, lazer e referência espacial. Com a melhoria das condições econômicas desses colonos e a possibilidade de contribuir com a capela, surgiram gradativamente os salões comunitários, que passaram a abrigar a escola, a bodega, os encontros e as festas. Com o passar dos anos, as capelas perderam a gerência sobre os salões, que passaram a funcionar como bodegas, quase armazéns alternativos ao deslocamento até centros urbanos. Embora permanecessem abertos durante horários de cultos e preces, esses espaços deixaram de servir exclusivamente à comunidade (Costa, 1998; Zugno, 2014). A atuação junto à comunidade era vista como um sinal de prestígio, sobretudo em cargos de liderança na construção das capelas, na coordenação das festas ou na gerência das bodegas, mas também como uma obrigação perante a igreja. Rita Tedesco Parise (2021) lembra que, quando criança, não havia capela na Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 181 localidade onde residia, na Linha Gonçalves Dias. As rezas do terço e a catequese eram realizadas no espaço da escola municipal. No início da década de 1940, motivados pelo contexto mundial de guerra e pela ausência de assistência religiosa, os membros da localidade, orientados por Frei Domingos, iniciaram a construção da Capela de Nossa Senhora da Paz, sob a coordenação de Eugenio Sebastião Tedesco. Rita Tedesco Parise (2021) destaca o caráter participativo desse processo: Ali foi muita doação de trabalho. Nós tínhamos naquele tempo, como na roça não dava mais, a seca e tal... O que se chamava olaria de tijolos e meu pai comprou essa olaria, e a gente tinha meus irmãos que trabalhavam ali, eram quatro irmãos homens e só um de casado na época, e eles foram trabalhando. O Vitorino Tedesco começou a construir, na época ele era jovem, tinha uns 23 a 24 anos e aprendeu a construir, foram doações de tijolos da parte do meu pai. Tivemos, por exemplo, também a estátua, a imagem, também foi doação [de Isabela Tedesco Dal Pai]. Lá era tudo doação. Depois o líder tinha que escalar cinco a seis famílias, uma pessoa cada família, para uma semana de serventes na obra. Eram o Vitorino Tedesco e o Avelino Farenzena. E depois quando foi feita a estrutura da parte de madeira, teve um homem, que faleceu até há pouco tempo, com a idade de noventa anos. Então, muito pouco se pagava, era tudo doação. A participação no âmbito comunitário não se restringia apenas às doações para a construção dos templos e salões, mas também incluía as atividades festivas. O casal de agricultores Leonildo Menegon e Lourdes Festa Menegon, nascidos e criados na Capela de Nossa Senhora da Paz, recordam a atuação de seus pais e suas experiências de infância e adolescência junto à comunidade: Eu me lembro que quando foi construída a igreja, eu ia levar a comida pro meu pai [Antonio Menegon] que trabalhava lá na capela. [...]. Ele era bodegueiro, era fabriqueiro da capela. Ele ficou trinta anos, era ele e mais três, aqueles que dirigiam toda a comunidade. [...]. Dia de festa, organizar tudo que precisava, abrir a bodega no domingo, todo o domingo, os três tavam sempre lá. [...]. Naquela época tinha o salão pequeninho, tinha jogo de roleta, a gente vendia a tabuinha, corria uma cerveja e outras coisas (Leonildo Menegon, 2024). Antigamente, meu pai e minha mãe [José Festa e Antônia Tedesco] trabalhavam, não era que nem agora que tem tudo na comunidade. Minha mãe saía lá de baixo do Jabuticaba, que é longe mais de três quilômetros, ela levava, na época... se diz a secia [balde], sabe? Pra puxar água do poço. Ela pegava aquela... pegava a panela e subia a pé com aquilo lá, pra pegar água pra fazer comida na cozinha pro dia das festas. E depois eu continuei, quando fiquei... cresci, continuei também trabalhando, ajudando. [...]. Não tinha o galeto que nem tem agora, sabe. Era galeto das pessoas da colônia, nós trazia... um eu, um ele... outra família, cada família trazia um galeto e depois as mulheres se reuniam na sexta, sábado, numa família, matavam os galetos, [...]. Na época tinha bastante juventude que vinha na capela, então eles compravam as balas, compravam aquela garrafinha, diziam laranjinha, sabe? Comparavam aquilo lá... então o dinheirinho entrava pra fazer o que precisava. [...]. Tinha o bingo também à tarde, pra diversão. E não tinha bolacha na bodega, essas coisas. As mulheres faziam cestas e cestas de biscoitos, levavam lá e vendiam (Lourdes Festa Menegon, 2024). Egídio Domeneghini (2024), que nasceu e viveu na Capela de São Roque, Linha Barão do Triunfo, também aponta o caráter coletivo na construção da capela, referindo-se à produção dos tijolos: ?Foram os membros aqui, tudo eles. Amassaram o barro a pé, tudo feito assim?. Por volta de 1930, a comunidade já contava com um salão, no formato de um barracão de 30 metros de comprimento, com chão batido, mesas dispostas lado a lado Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 182 | Construção do Salão Comunitário da Capela de Nossa Senhora da Paz, Linha Gonçalves Dias, Veranópolis, década de 1980 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 183 e um corredor no meio. Nos fundos, havia uma cozinha, com uma churrasqueira anexa na parte externa. Abaixo do salão, ficava a cancha de bochas. Domeneghini (2024) também recorda aspectos da vida religiosa e social da comunidade, na qual participou desde criança, juntamente com seus pais e avós: Aqui a festa sempre foi realizada nos dias 15 e 16 de agosto, São Roque é celebrado no dia 16. Mas antigamente, o dia 15 era festa de preceito, Festa da Assunção de Nossa Senhora, caísse durante a semana, era festa de preceito. Então aqui eram dois dias de festa sagrada, uma da Assunção de Nossa Senhora e outra do padroeiro da capela. E no início as festas... não tinha nada. Tinha um salãozinho, que mal e mal eu lembro... buscava um panelão desses de guisa, que era pra fazer sabão, levantavam um pouco de tijolos e barro, assentavam, compravam umas cinco, seis galinhas, um pedaço de carne e faziam aquela sopa, que era uma sopa de pão, pão e caldo de galinha e um pouco de queijo ralado. Era aquilo as festas... e passavam o dia ali conversando, a parte social era isso. Depois tinha os jogos, geralmente tinha o leilão, então botavam coisas de pouco valor. [...]. Pouco mais adiante começaram com o churrasco, aí tinha churrasqueira, vinha o pessoal de fora, comprava um espeto de carne, comprava uma garrafa de vinho e um pão, e comia lá de baixo das árvores, era um almoço, era assim. Além das celebrações festivas, a Capela de São Roque dispunha de uma Sociedade Mortuária, que auxiliava as famílias em momentos de fragilidade pela perda de seus entes queridos. Essa sociedade era mantida pela anuidade dos associados, e a contribuição garantia o básico para o sepultamento, incluindo velório, caixão, velas e um local no cemitério. As dinâmicas das celebrações fúnebres são descritas por Domeneghini (2024): Antigamente o velório era feito na família, mas a solidariedade era grande, porque falecia alguém... aqui na comunidade era chamada Sociedade Mortuária, era uma sociedade onde todos tinham direito a cemitério, então todos os anos cobravam uma taxa. Tinha uma diretoria, tinha o presidente, o tesoureiro e um grupo de quatro pessoas responsáveis para fazer o caixão, fazer a urna [...]. Tinha direito ao caixão e um pacote de velas para o enterro [...]. Normalmente o padre não vinha, as cerimônias de sepultamento eram feitas aqui na comunidade. E olha, eu digo, aqueles tempos lá eu assisti dois, três enterros solenes, mas eles tinham uma cantoria. A maioria eram cantores que tinham ido estudar nos padres, sabiam cantar os cânticos do ofício da morte. Devido à ausência do padre, as exéquias e o terço ficavam a cargo de homens leigos da comunidade, sendo tudo organizado pela equipe da Sociedade Mortuária, que dispunha ainda de quatro carpinteiros para fazer o caixão: ?Iam na cidade, buscavam o pano pra enfeitar, porque não enterravam com o caixão limpo, era um pano preto e com enfeites de alumínio ao redor, tudo era feito aqui dentro da comunidade? (Domeneghini, 2024). Com o passar dos anos, o padre começou a rezar as missas e acompanhar os sepultamentos. Na primeira metade do século XX, eram muito comuns os cortejos fúnebres, em que o corpo do falecido: Era carregado em cortejo, em procissão... e cantavam, rezando e cantando era levado. E às vezes era bastante longe, tinham pessoas que moravam lá, um quilômetro, dois, tinha que ser carregado e a turma se revezando até chegar... não era nem carregado em carroça, era levado (Domeneghini, 2024). Além de questões socioeconômicas, o catolicismo cumpriu um papel de integração cultural entre os imigrantes, pois foi um elemento aglutinador das diferenças culturais trazidas pelos europeus, que mantinham em suas comunidades diferentes costumes e dialetos. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 184 | É a função de construir uma identidade cultural como elemento de integração. A igreja perpassa, então, sua função religiosa, ou seja, a de promover a fé, para ser elemento de ligação, assumindo uma função social de integração pela religião?, além de desempenhar um papel de controle social, moralidade, cooperação e atribuição de status social (Giron; Herédia, 2007). Nas últimas três décadas, essas comunidades rurais passaram por um processo de desestruturação gerado por fatores como a diminuição do número de filhos nas famílias, o êxodo rural e as transformações nas formas de sociabilidade e nas relações interpessoais. Essas mudanças são percebidas por Capela de São Roque, Veranópolis, década de 2000 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 185 João Guilherme Mazetto (2024), atual Coordenador do Conselho Administrativo da Capela Santo Antão Abade de Vila Azul: Nas comunidades rurais do município, a gente percebe pelo próprio êxodo rural, que aconteceu em décadas passadas, que existe uma dificuldade de manutenção, são poucas famílias que ficaram morando efetivamente no local, às vezes quatro, cinco, dez famílias, que pra organizar um evento, fazer uma festa, se torna complicado. Então essas pessoas necessitavam de ajuda de pessoas de fora, que se dispõem a ajudar as comunidades. Então a gente percebe que as comunidades rurais e mais afastadas do centro, tem essa dificuldade, justamente pelo êxodo que teve e pela diminuição do número de crianças nas famílias. [...]. Os bairros, por exemplo, já é um pouquinho diferente, porque são um número maior de famílias, de sócios, de associados que participam. A partir das Missões Populares realizadas em 2015 pelos Freis Capuchinhos, os missionários inseriram novas regras para organização dessas comunidades, que foram incorporadas pela paróquia local e pela Diocese de Caxias do Sul. Com essa nova proposta, a instância da presidência foi retirada das comunidades e substituída por um Conselho Administrativo, composto pela coordenação, vice-coordenação, coordenação de finanças, secretariado e organização das pastorais (criança, idoso e dízimo). ?Então nós temos todos os setores divididos, um representante de cada setor participa do conselho da comunidade, que se reúne geralmente uma vez por mês pra debater os temas da comunidade? (Mazetto, 2024). Assim, as novas formas de relações sociais, sejam elas de trabalho, sociabilidade ou parentalidade, e suas intersecções com as dinâmicas de ocupação do espaço impactaram diretamente na estrutura administrativa dessas organizações. Igrejas evangélicas: do protestantismo tradicional ao pentecostalismo As igrejas evangélicas, embora muitas vezes esquecidas pela história oficial, estão presentes no território de Veranópolis e microrregião desde sua ocupação por imigrantes europeus no final do século XIX, sobretudo através das denominações do luteranismo e do metodismo, conhecidas como protestantes tradicionais. A partir da segunda metade do século XX, novas doutrinas evangélicas começaram a ganhar força na região, com destaque para as denominações pentecostais e neopentecostais. Salienta-se que este capítulo não discute as relações entre religião e nacionalidade/etnicidade, mesmo que, por vezes, essas questões sejam indissociáveis, como no caso da ligação entre a fé luterana e os imigrantes de origem germânica/alemã. Também não serão feitas análises comparativas entre as doutrinas teológicas ou as formações históricas existentes entre as variadas vertentes evangélicas apresentadas. Dessa forma, inicia-se com a presença do metodismo na região, um movimento de origem inglesa, mas com presença significativa nos Estados Unidos, que buscou a renovação dentro da Igreja Anglicana durante a primeira metade do século XVIII, liderado pelo clérigo John Wesley. Conforme Dalla Chiesa (2016), esse movimento reformista deu ?grande ênfase na interiorização da fé, na responsabilidade do indivíduo pelos seus atos e pelos grupos onde está inserido, e na busca constante de aperfeiçoamento moral e espiritual?. A presença metodista na colônia e no município de Alfredo Chaves, datada aproximadamente de 1890, não foi numericamente expressiva, Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 186 | atingindo um percentual de 0,07% da população local em 1925. Seus fundadores foram imigrantes italianos evangélicos adeptos do movimento protestante valdense oriundo do norte da Itália, que foram atendidos e absorvidos pela Igreja Metodista, juntamente com outros imigrantes italianos e seus descendentes convertidos no Brasil. Essa identificação foi possível através da análise da documentação oficial da Igreja Metodista, que menciona parte dos fundadores da comunidade como já pertencentes à ?Igreja Evangélica na Itália? ou que este grupo de imigrantes ?conhecera o Evangelho na Itália?, através de atividades de evangelização desenvolvidas nas províncias vênetas a partir de 1866. Inicialmente, participavam de cultos e pregações em Bento Gonçalves, onde aconteceu o casamento de Francesco Busnello e Giovanna Marcon, imigrantes italianos assentados em Alfredo Chaves, Linha Afonso Pena, hoje Comunidade de Nossa Senhora do Monte Bérico (Dalla Chiesa, 2015, 2016). Conforme aponta Vicente Dalla Chiesa (2015, p. 281): [...] o começo da atuação metodista na Serra ocorreu em 1887, ano em que alguns imigrantes italianos, oriundos da região do comune de Pederobba, província vêneta de Treviso (Dionisio Baccin, Francesco Goron, Michele Marcon e Francesco Busnello), residentes na ex-colônia Dona Isabel e na ex-colônia Alfredo Chaves, dirigiram-se ao pastor João Costa Corrêa, residente em Porto Alegre, e responsável pela atividade metodista do Rio Grande do Sul, solicitando atendimento espiritual. Corrêa atendeu ao chamado e, em 7 de abril de 1887, efetuou o batismo de quatro crianças das família Marcon e Baccin. Quanto à atuação da Igreja Metodista, cabe ressaltar que é uma igreja de missão, com o objetivo de converter e agregar novos membros em todo o Rio Grande do Sul. Para tanto, despendeu recursos humanos e financeiros para expandir sua leitura da doutrina cristã. O estabelecimento dessa igreja na Serra Gaúcha, portanto em Alfredo Chaves, esteve relacionado à atuação missionária da Igreja Metodista Episcopal dos Estados Unidos no Uruguai, de onde foi enviado o primeiro pastor, Carlos Lazzarè. Entre de 1914 e 1926, diversos pastores residiram em Alfredo Chaves, com atuação destacada de José Chaulet, Frederico Peyrot e José Wagner, líderes que deram maior assistência religiosa à comunidade local (Dalla Chiesa, 2019). Alfredo Chaves teve o primeiro templo metodista do Rio Grande do Sul, finalizado por volta de 1891. A construção foi parcialmente custeada pela Missão, pelos membros da comunidade e pelo terreno doado pela administração colonial, que tinha como chefe da Comissão de Terras José Montaury de Aguiar Leitão. A edificação estava situada entre as propriedades das famílias Amantéa e Busatto, no centro da cidade, sendo descrita como uma [...] construção de alvenaria, com 78m 2 de área, duas portas frontais, encimadas por arcos ogivais e um pequeno óculo na parte central da fachada. Na parte posterior direita, há uma torre e um campanário, este aparentemente edificado justaposto à igreja e não dentro do seu corpo [...] (Dalla Chiesa, 2019, p. 223-224). Embora para as doutrinas protestantes a devoção a Deus ocorra na vida cotidiana, no lar, no trabalho, no estudo bíblico e na atividade social, a evangelização de missão depende antes de seus agentes, com o culto centrado na pregação, e não necessariamente na localização física do templo. Ainda assim, o templo continuou sendo um espaço de referência para os metodistas estabelecidos na região, visto sua formação católica e as experiências comunitárias trazidas da Itália estarem vinculadas a essa materialidade (Dalla Chiesa, 2016). Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 187 Contexto de inserção do templo da Igreja Metodista na região central da Colônia Alfredo Chaves, década de 1890 (recordação das Colônias Conde D?Eu, Dona Isabel, Alfredo Chaves, Antonio Prado e Caxias (1885-1897), Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 188 | A presença metodista, mesmo que numericamente pequena, não passou despercebida da resistência e intolerância da Igreja Católica. No contexto da Revolução Federalista, que se estendeu de 1893 a 1895, fontes metodistas narram que o pároco de Alfredo Chaves, à época o padre italiano Matheus Pasquali, teria incitado soldados a incendiar o templo metodista. No entanto, isso não ocorreu devido ao entendimento dos soldados de que o prédio era propriedade de uma sociedade missionária norte-americana e alheio às disputas entre republicanos e federalistas. As pregações e incitações contra a presença metodista na Serra Gaúcha não foram uma exclusividade de Alfredo Chaves, há registros de ações semelhantes em Bento Gonçalves e Garibaldi, que são narrados pelos próprios veículos de imprensa metodista, sobretudo pelo jornal O Testemunho. Não foram identificadas manifestações dos órgãos da imprensa católica quanto aos referidos acontecimentos. Não se sabe ao certo quando a comunidade metodista encerrou suas atividades, tampouco suas causas. Porém, é pertinente pensar que a progressiva diminuição do número de membros tenha acarretado sua dissolução, com a consequente venda de seus bens e a demolição do templo (Dalla Chiesa, 2016). Outra denominação evangélica ligada à cultura imigrante em Veranópolis é o luteranismo, movimento reformista iniciado na Alemanha a partir das pregações do teólogo e monge agostiniano Martin Luther, no século XVI. A doutrina luterana é fundamentada na passagem bíblica presente em Romanos 1:17: ?O justo viverá por fé?. Assim, somente a fé no sacrifício de Jesus Cristo pode garantir a salvação e o resgate da pessoa em sua dimensão integral. Embora as vivências comunitárias sejam incentivadas pelo luteranismo, é na interiorização da fé que é alcançada a relação pessoal com Deus, por meio da oração e da leitura da Bíblia (Kramer, 2024; Wolff, 2017). A introdução do luteranismo no Rio Grande do Sul, e por consequência em Veranópolis, está relacionada ao processo de ocupação de lotes coloniais por imigrantes de origem germânica e seus descendentes, estabelecidos em diversas linhas rurais da Colônia Alfredo Chaves no final do século XIX. A organização dessas comunidades luteranas ocorreu na Linha Bento Gonçalves, também chamada Linha 5ª, território que hoje pertence ao município de Nova Prata. Nessa localidade, existiram as duas vertentes do luteranismo organizadas no estado: uma vinculada às atividades missionárias do Sínodo de Missouri, oriunda dos EUA, que deu origem à Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB); e outra ligada ao Sínodo Rio-grandense, que tinha suas atividades missionárias vinculadas a instituições religiosas da Alemanha e que se transformou na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) em 1949. Já no início do século XX, as duas vertentes do luteranismo dispunham de templos, cemitérios e escolas próprios, edificados em lotes doados pelos fiéis na Linha Bento Gonçalves, para onde convergiam famílias de diversas localidades da microrregião (Costa, 1998; Dreher, 1998; Xerri, 2004). Costa (1998) apresenta alguns apontamentos sobre a vida da comunidade ligada ao Sínodo Rio-grandense, que teria sido fundada por volta de 1890, sob a liderança do pastor prussiano Carl Platzeck, que atendia inúmeros municípios da região. As atividades pastorais, Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 189 Capela e escola da Igreja Luterana do Sínodo Rio-grandense, Nova Prata, primeira metade do século XX (autoria não identificada, acervo da IECLB) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 190 | envolvendo cultos, ofícios e sacramentos, apresentavam registros crescentes nas primeiras décadas da comunidade, sobretudo em relação a batizados, confirmações e casamentos. Com a morte de Platzeck em 1916, a assistência religiosa às famílias luteranas ficou comprometida pela inexistência de um pastor residente na localidade, passando a ser atendida somente por pastores visitantes. A partir da década de 1930, iniciou-se o processo de desestruturação da comunidade devido a uma onda migratória de famílias para o norte do Rio Grande do Sul e o oeste de Santa Catarina, gerada pela escassez de terras nas partilhas de heranças. A falta de assistência pastoral também contribuiu para esse processo, levando muitas famílias a congregar junto ao Sínodo do Missouri (Costa, 1998, p. 353). Na década de 1990, já no contexto de uma cidade industrializada e com demanda de mão de obra externa, Veranópolis recebeu inúmeras famílias de origem germânica, professantes da fé luterana, que criaram um ponto de pregação da IECLB. As celebrações eram realizadas inicialmente na casa de Norma Holz Kuster e Werno Kuster, posteriormente na casa de Mario Henrique Bauermann e Neusa Zillmer Bauermann. Em 2010, o grupo recebeu a titulação de campo missionário do Sínodo Nordeste Gaúcho; em 2012, foi elevado à categoria de Comunidade Evangélica de Confissão Luterana em Veranópolis, passando a integrar a Paróquia de Farroupilha, conforme relatos de Mario Henrique Bauermann (2024), Telma Kramer (2024), Norma Holz Kuster (2024) e Werno Kuster (2024). A comunidade sempre foi pequena, formada por famílias migrantes do interior do estado, em geral agricultores ou pequenos comerciantes de classe média-baixa, que vieram para a Serra Gaúcha em busca de emprego e melhores condições de vida (Naegele, 2024). Quanto à faixa etária, predominam os membros acima dos 30 anos, com a maioria próxima dos 60 anos. Atualmente, de acordo com Aline Kuster Soares (2024) e Telma Kramer (2024), cerca de cem pessoas congregam como membros efetivos, contribuindo para a manutenção do grupo e promovendo eventos para angariar recursos. Embora haja apoio das Campanhas Nacionais da IECLB e do Sínodo Nordeste Gaúcho, a presidente da comunidade, Aline Kuster Soares (2024), aponta que as maiores dificuldades de atuação são de ordem financeira, principalmente devido às despesas básicas de manutenção do espaço, como aluguel, energia elétrica e água, além dos custos com as atividades de assistência religiosa, que envolvem o deslocamento das lideranças espirituais. Conforme a pastora Paula Naegele (2024), que atuou na comunidade por dez anos, as atividades desenvolvidas sempre estiveram condicionadas às realidades local e da paróquia, oferecendo aos fiéis três cultos por mês, culto infantil, encontro de mulheres, encontro mensal de estudos bíblicos, aulas de violão, visitas às famílias, além de ofícios e encontros em nível de Sínodo. Além dessas atividades litúrgicas e formativas, a comunidade recebe os sacramentos do Batismo e da Santa Ceia, bem como os ofícios de Confirmação, casamento e sepultamento (Kramer, 2024). Cabe ressaltar que, entre as denominações evangélicas presentes em Veranópolis, a IECLB é a única que ordena mulheres em sua estrutura de Ministérios (pastoral, catequético, diaconal e missionário), tendo inclusive como liderança nacional a pastora Sílvia Genz. Salienta-se que, dentro dessas possibilidades de Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 191 atuação, a comunidade local teve como lideranças religiosas as pastoras Vania Klein e Paula Naegele, a diácona Telma Kramer e a pregadora Gisele Zimmermann (Kramer, 2024). A seguir, destacam-se relatos de Paula Naegele e Telma Kramer: O Ministério com ordenação de Mulheres tem mais de quarenta anos na IECLB, somos reconhecidas, porém existem algumas dificuldades e barreiras. Por vezes, estas estão enraizadas na cultura, ao preconceito velado ou explícito. Porém, nunca limitou minha atuação. Me orgulho e sou muito feliz como Pastora Ordenada da IECLB há mais de dez anos, trabalho com disposição e autenticidade, e isso certamente fez a diferença por onde passei (Naegele, 2024). [...] tem muita coisa ainda a ser construída, tem muitas coisas para serem ressignificadas, mas eu me sinto muito feliz porque a nossa igreja ela ordena mulheres e a gente tem uma motivação muito grande de ter esse trabalho de mulheres na IECLB, tanto pregadoras, pastoras, quanto diáconas, catequistas, missionárias. Nós somos ordenadas a esse ministério, então nós ganhamos uma autoridade e muita responsabilidade na pregação, no ensino, no missionário, no diaconal, no serviço propriamente dito (Kramer, 2024). Contemporaneamente, entre os movimentos evangélicos presentes em Veranópolis, o pentecostalismo é o mais significativo em número de adeptos, representado principalmente por duas convenções da Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Essa vertente surgiu nas regiões sul e oeste dos Estados Unidos no início do século XX, tendo como base teológica as igrejas batista e metodista. O termo pentecostal foi inspirado nas semelhanças entre as manifestações dos primeiros fiéis da Igreja Assembleia de Deus e a passagem bíblica dos Atos dos Apóstolos 2:1-18, em que o Espírito Santo agiu em Jerusalém no dia de Pentecostes, despertando sobre as populações locais fenômenos como visões, revelações, curas e o uso de línguas estranhas, manifestação conhecida como glossolalia. Essas características são entendidas como a base do pentecostalismo (Alencar, 2022). A chegada do pentecostalismo ao Brasil vinculou-se às atividades missionárias de dois pastores suecos radicados nos EUA, Daniel Berg e Gunnar Vingren, que, em 1910, iniciaram suas pregações em Belém, no Pará, sob a denominação de Missão de Fé Apostólica, passando em 1918 à titulação de Igreja Assembleia de Deus (Pereira, 2021). No Rio Grande Sul, esse movimento teve início em 1924, através das pregações do casal de missionários suecos Gustav e Edwig Nordlund, que inauguraram, no mesmo ano, a primeira igreja em Porto Alegre. Em Veranópolis, sua chegada esteve relacionada às pregações do pastor missionário Clodomiro Henrique da Silva, enviado de Porto Alegre como representante da Convenção das Igrejas Evangélicas e Pastores da Assembleia de Deus no Estado do Rio Grande do Sul (CIEPADERGS). As primeiras pregações realizadas em Veranópolis se deram embaixo de uma grande árvore situada na Rua Maranhão, no bairro Medianeira, onde foi convertido o primeiro irmão, Airton Fagundes Dornelles (2024), policial militar natural de Santa Maria, que relembra: Eu era católico, casei aqui em Veranópolis, ouvi a palavra de Deus através de um jovem de dezoito anos, que começou... ele veio de Porto Alegre, começou trabalhar aqui na obra de evangelização e eu ouvi a Palavra de Deus. E começamos a conversar sobre a Bíblia e aí tomei uma decisão de receber Jesus Cristo como meu Senhor Salvador, fui batizado em nome do Senhor Jesus e permaneço aqui. A congregação local começou com as famílias de Airton Dornelles e Luci Nalin Dornelles; Antônio Alves dos Santos e sua Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 192 | Coral da Igreja Assembleia de Deus, Veranópolis, 2023 (autoria de Tiago Verruck, acervo da Igreja Assembleia de Deus de Veranópolis) esposa; Manuel Francisco da Rocha e sua esposa; e Clodomiro Henrique da Silva e Erna Lutemberg da Silva, com os cultos realizados nas casas dos membros. Nos anos seguintes, após a saída do pastor Clodomiro Henrique da Silva da cidade, a matriz de Porto Alegre enviou inúmeros pastores para atuar na região. Dentre essas lideranças, o evangelista Tiago Rauber Verruck (2024) destaca a atuação por dezessete anos do pastor Pedro Pereira da Silva, que, juntamente à congregação, uniu recursos humanos e financeiros para adquirir um terreno próprio situado à Rua Benjamin Constant, onde foi montada a primeira igreja, uma pequena casa de madeira. Posteriormente, com ?picareta e marreta?, foi edificado o atual templo da comunidade, em alvenaria. Cabe destacar também a atuação da esposa do pastor, Alice Oliveira da Silva, que se dedicou ao trabalho social de produção e distribuição de sopas e cestas básicas às famílias carentes, além de roupas e cobertores confeccionados por ela com o auxílio dos membros da igreja. Atualmente, sob a liderança do pastor presidente Gilberto dos Santos (2024) e diversos obreiros, a convenção desenvolve inúmeras atividades religiosas e sociais organizadas ao longo da semana, incluindo: culto das mulheres, culto de ensino e de estudo da palavra de Deus, culto da vitória e libertação, estudo de teologia, ensaio de corais, culto com jovens, escola dominical e culto da família (Verruck, 2024). Igreja Assembleia de Deus, Convenção CIEPADERGS, Veranópolis, 2023 (acervo privado de Tiago Verruck) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 193 No ano de 2019, foi fundada uma nova convenção da Igreja Assembleia de Deus em Veranópolis, vinculada ao Ministério Belém e à Convenção da Assembleia de Deus no Brasil, por meio do pastor Elias Nalin Dornelles. Com apenas cinco anos de atuação, a congregação reúne de trezentos a quatrocentos fiéis em seus cultos, sobretudo no Culto de Santa Ceia, sua principal reunião religiosa. Também são desenvolvidas atividades socioculturais voltadas a diversos segmentos de público, como estudos bíblicos e teológicos, coral de mulheres, jovens e misto, além da Banda Belém, que atua nas variadas programações da igreja. Elias Nalin Dornelles (2024) e Airton Fagundes Dornelles (2024) ressaltam as atividades desenvolvidas por intermédio da Associação Beneficente Bom Samaritano, que promove ações de assistência para famílias em situação de vulnerabilidade social. Igreja Assembleia de Deus Ministério Belém, Veranópolis, 2024 (autoria de Rafaela Ribeiro, acervo do Arquivo Público Municipal de Veranópolis) Culto de Santa Ceia junto à Igreja Assembleia de Deus Ministério Belém, Veranópolis, 14 abr. 2024 (autoria não identificada, acervo da Igreja Assembleia de Deus Ministério Belém) Pode-se considerar que ambas as convenções da Igreja Assembleia de Deus, que se diferenciam somente por sua vinculação, estão em expansão tanto em seu território de atuação quanto no número de fiéis. Isso se deve à disponibilidade de espaços de culto e à presença de profissionais missionários atuantes em áreas periféricas do município, como nos bairros Santo Antônio, São Francisco e Sagrado Coração de Jesus, além de municípios vizinhos, como Cotiporã e Vila Flores. Os membros dessas igrejas são de origens heterogêneas em relação a classe social, gênero, escolaridade, etnicidade e nacionalidade. Elias Nalin Dornelles (2024) ressalta o representativo número de famílias de imigrantes que congregam junto ao Ministério Belém, oriundas de países como Angola, Argentina, Haiti e Venezuela. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 194 | É importante destacar que a trajetória da Igreja Assembleia de Deus foi privilegiada por ser a primeira igreja pentecostal a se estabelecer em Veranópolis. Contudo, existem no município diversas outras denominações desse movimento religioso, que formam pequenas congregações de culto. O chamado neopentecostalismo também está presente em toda a região, tendo como expoente a Igreja Universal do Reino de Deus, que já atua no município há décadas. O espiritualismo na microrregião: do kardecismo às religiões afro-brasileiras As manifestações religiosas espiritualistas ganham voz pela primeira vez em uma publicação sobre a história de Veranópolis, um apontamento baseado tanto na análise das produções literárias da história local quanto nas entrevistas realizadas com lideranças religiosas e seus praticantes. Com uma presença relativamente recente na região, essas manifestações ainda enfrentam preconceito, gerado pelo desentendimento e pela ignorância de determinados segmentos sociais onde estão inseridas, sobretudo nas atividades realizadas nos terreiros de religiões afro-brasileiras. Para promover uma análise da presença dessas doutrinas ou religiões em Veranópolis e na microrregião, foram consideradas as trajetórias de duas casas kardecistas: Centro Espírita As Estrelas Douradas do Senhor e Centro Espírita Cristão Maria de Nazaré, além de três terreiros de religiões afro-brasileiras: a Casa Branca da Cabocla de Iansã, a Casa Axé Império da Noite e a Casa do Pai Léo de Xangô. A leitura do espiritualismo apresentada engloba um contexto regional, estabelecido no deslocamento de seus praticantes entre os municípios de Veranópolis e Nova Prata. Outros municípios, como Bento Gonçalves, Caxias do Sul e Garibaldi, não foram considerados neste texto. Ao escrever sobre o espiritualismo, é necessária uma breve contextualização sobre o termo. A Federação Espírita Brasileira (2023) define espiritualismo como um conjunto de crenças que admitem que, além da matéria, existe um ser espiritual, uma alma ou alguém que escapa ao fenômeno da morte. ?Dessa maneira, acreditamos em Deus, em sua existência, cujo nome pode variar entre os povos, de cultura para cultura?. Signates (2021) aponta que o espiritualismo pode ser caracterizado pela pluralidade de denominações e tendências, abrangendo propostas teológicas diversas, que frequentemente transitam do religioso ao não religioso, incluindo práticas e crenças que buscam uma conexão mais próxima com o divino e/ou o sobrenatural. Entre as características das vertentes espiritualistas, destacam-se: a noção de espírito como elemento essencial do ser, o protagonismo do indivíduo como resistência às instituições religiosas tradicionais; a inspiração em teologias plurais em diálogo com conceitos filosóficos e científicos, além da prática de ritos mediúnicos, como transe, êxtase, possessão ou incorporação, voltados a orientação doutrinária, terapias ou curas espirituais (Signates, 2021, p. 18). Entre essas vertentes está a Doutrina Espírita, ou espiritismo, originada na França do século XIX e codificada pelo educador Hippolyte Léon Denizard Rivail, que adotou o pseudônimo de Allan Kardec (Teixeira, 2021). Por isso, tal corrente também é denominada kardecismo. Considerada uma doutrina de caráter científico, religioso e filosófico, foi sistematizada em cinco obras conhecidas como o pentateuco: O Livro dos Espíritos, de 1857; O Livro dos Médiuns, de 1861; O Evangelho Segundo o Espiritismo, de 1864; O Céu e o Inferno, de 1865; e A Gênese, de 1868. Seus Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 195 princípios básicos incluem a existência de Deus, a imortalidade da alma, a pluralidade das existências, a pluralidade dos mundos habitados e a comunicabilidade dos espíritos. Por ser uma doutrina cristã, o espiritismo tem Cristo como modelo e guia da humanidade, adotando seus ensinamentos de fé, caridade, amor e humildade como ideal de perfeição para a humanidade (Durli, 2024; Giaretta, 2024). Oficialmente, a primeira casa kardecista registrada no Rio Grande do Sul foi fundada na cidade de Rio Grande em 1887, por influência de dois marinheiros espanhóis. Na capital do estado, pouco tempo depois, foi fundado o Grupo Espírita Allan Kardec em 1894, seguido pela criação da Federação Espírita do Rio Grande do Sul em 1921, principal órgão de representação das casas espíritas desde então. Não é possível determinar com precisão quando essa doutrina chegou à região serrana, por não haver uma organização institucional semelhante à das igrejas. Todavia, há registros de viajantes que percorriam a Serra e os Campos de Cima da Serra ainda no final do século XIX. Montados em mulas carregadas com alimentos, roupas, utensílios e livros doutrinários, divulgavam o espiritismo na região (Teixeira, 2021). No contexto contemporâneo, conforme aponta Moacir Durli (2024), o primeiro grupo espírita a atuar na microrregião foi a Sociedade Espírita Bezerra de Menezes, em Nova Prata, que iniciou suas atividades na década de 1980. Na mesma década, os empresários Arlindo Paludo e Vitacir Paludo deram início a um novo grupo espírita, a partir da orientação recebida no Centro Espírita Lírios da Misericórdia do Senhor, em São Paulo. Sob a denominação de Centro Espírita As Estrelas Douradas do Senhor, o grupo iniciou com reuniões domiciliares, aumentando aos poucos o público, a infraestrutura de atendimento e as ações sociais. Atualmente, possui sede própria com um amplo espaço para palestras, passes, atendimento fraterno, psicografia, bazar, biblioteca, estudos doutrinários, funções administrativas e atividades de caridade, sendo a maior casa espírita em termos de estrutura e convergência de pessoas na microrregião (Durli, 2024). Além de uma ampla programação espiritual desenvolvida semanalmente, os trabalhadores da casa atuam em diversas frentes de caridade, tendo como principal ação a manutenção da Casa da Sopa, que atende em torno de cinquenta famílias através da distribuição de cestas básicas e sopa semanalmente. O grupo também coleta roupas, calçados, cobertores, brinquedos e materiais escolares para distribuição em locais socialmente vulneráveis em todo o Rio Grande do Sul. Além disso, auxiliam em questões de saúde física, dispondo cadeiras de rodas, cadeiras de banho, próteses e aparelhos auditivos. Todas as atividades, tanto materiais quanto espiritais, são gratuitas e mantidas através de doações (Durli, 2024). O nome do grupo foi escolhido com base em uma orientação recebida por comunicação mediúnica, sendo selecionado porque: ?as estrelas não pertencem a nenhum credo, todos podem olhar para as estrelas, conversar com elas, buscar o entendimento espiritual se elevando ao Criador? (Durli, 2024). Seu símbolo é o Cruzeiro do Sul, composto por cinco estrelas, que representam o Centro Espírita Lírios da Misericórdia do Senhor e as quatro casas kardecistas fundadas sob sua influência: o Centro Espírita As Estrelas Douradas do Senhor em Nova Prata, o Centro Espírita Luz no Caminho em São Jorge, o Centro Espírita Cristão Maria de Nazaré em Veranópolis e o Rayito do Sol na Argentina. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 196 | Sob a orientação do Centro Espírita As Estrelas Douradas do Senhor e considerando o contingente de pessoas que se deslocavam de Veranópolis a Nova Prata para participar das atividades em casas espíritas, foi fundado, em 2001, o Centro Espírita Cristão Maria de Nazaré em Veranópolis 1 , através de lideranças como Cristina Ferreira, Rosaura Mauro, Evanir Peruzzo e Moacir Durli. Como a primeira e única casa kardecista no município até o momento, as atividades começaram com um grupo pequeno e um público mais tímido, em parte porque, conforme Giaretta (2024), ?aqui na região o catolicismo é forte, [...], o pessoal tem um pouquinho vergonha de procurar um outro credo?. Alaide Rodrigues (2024) acrescenta que os primeiros anos foram difíceis, pois havia um desentendimento sobre as atividades praticadas em centros espíritas, mas que, atualmente, a presença do espiritismo já foi naturalizada. Recém-estabelecidos em sua nova sede na Rua Flores da Cunha, no centro da cidade, o grupo desenvolve atividades semanais, incluindo palestras, passes, atendimento fraterno e estudos da doutrina, todas ofertadas gratuitamente. A manutenção do espaço é promovida através da mensalidade 1 Ata de fundação do Centro Espírita Cristão Maria de Nazaré, Veranópolis, 2001. Centro Espírita As Estrelas Douradas do Senhor, Nova Prata, 2024 (acervo privado de Moacir Durli) Casa da Sopa, Nova Prata, 2024 (acervo privado de Moacir Durli) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 197 dos trabalhadores, que perfazem um total aproximado de quinze pessoas. O grupo também recebe doações para realizar ações de caridade, auxiliando famílias em situação de vulnerabilidade social. A casa é frequentada por públicos variados, com maior procura em dias de palestras, ministradas tanto por membros da casa quanto por convidados de variadas regiões do estado (Lemos, 2024; Porto, 2024). A busca pelo espiritismo ocorre ?pelo amor ou pela dor?, geralmente pela dor, como apontado por inúmeros entrevistados. Em seus depoimentos, lideranças, trabalhadores e frequentadores dessas casas identificaram algumas das principais demandas de seus públicos, que buscam acolhimento, cura, conforto e fortalecimento a partir de respostas ou esclarecimentos ligados ao luto e às perdas de entes queridos, aos problemas familiares, à dependência química e a outras doenças que afetam o corpo e a alma, além de atender a uma curiosidade (Durli, 2024; Ferrazzo, 2024; Giaretta, 2024; Porto, 2024). Isso é perceptível no discurso de alguns adeptos, conforme segue: Trabalhadores do Centro Espírita Cristão Maria de Nazaré, Veranópolis, 2024 (autoria de Lorena Martinelli, acervo privado do Centro Espírita Cristão Maria de Nazaré) Sede do Centro Espírita Cristão Maria de Nazaré, Veranópolis, 2024 (autoria de Rafaela Ribeiro, acervo do Arquivo Público Municipal de Veranópolis) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 198 | Eu não conseguia buscar as respostas que eu queria, principalmente quando perdi minha mãe com sete anos, eu queria respostas. Termina aqui? Não termina? Esse era o meu pensamento. Eu só ouvia dizer ?Deus é bom?, ?Jesus é nosso mestre? e ficava por aí. Pra mim era muito pouco (Giaretta, 2024). Eu comecei a ir porque foi naquela época assim, que eu já havia perdido meu esposo, então você sempre quer achar uma resposta, tu não tinha conhecimento e a gente começa com o porquê das coisas (Rodrigues, 2024). Porque eu tive uma situação ali na morte de um primo que deu um click, então aquilo ali me remeteu algum lugar lá, sei lá aonde e que eu comecei a ter muito medo, a ter... aí eu comecei a estudar, porque eu também tinha que saber o que tava acontecendo comigo, não só num todo, mas o que tava acontecendo comigo (Ferrazzo, 2024). Salienta-se que existem diversas casas kardecistas na microrregião de Veranópolis, abertas a todas as pessoas que buscam conhecimento e ajuda, sem que incorra sobre o indivíduo qualquer ônus ou vinculação. Por não haver uma organização institucional e obrigação de vinculação exclusiva, é impossível mensurar o número de frequentadores de centros espíritas na região. O segundo segmento espiritualista abordado refere-se às religiões de matriz afro-brasileira, apresentadas a partir das manifestações identificadas ao longo da pesquisa na microrregião de Veranópolis, quais sejam: Nação ou Batuque; Umbanda; Linha Cruzada ou Quimbanda. Conforme Aline Speroni (2018), as religiões de matriz afro-brasileira compõem uma parcela da rica herança cultural legada pelos africanos trazidos ao Brasil como escravizados. Oriundos de inúmeras regiões da África, esses indivíduos pertenciam a diferentes etnias, possuíam variadas línguas, costumes diversos e múltiplas formas de espiritualidades. Essa diversidade cultural gerou sincretismos e ressignificações constantes dessas crenças. As chamadas religiões de matriz africana são as que preservam mais características africanas, enquanto, as afro-brasileiras nascem a partir de características e sincretismos de outras culturas religiosas da matriz, mas, também, com elementos do culto indígena (Speroni, 2018, p. 29). Quanto à caracterização dessas manifestações, Oro (2008, p. 12) aponta: O Batuque representa a expressão mais africana do complexo afro-religioso gaúcho, pois a linguagem litúrgica é yorubana, os símbolos utilizados são os da tradição africana, as entidades veneradas são os orixás e há uma identificação às ?nações? africanas. A Umbanda representa o lado ?mais brasileiro? do complexo afro-religioso, pois se trata de uma religião nascida neste país, fruto de um importante sincretismo entre catolicismo popular, espiritismo kardecista, concepções religiosas indígenas e africanas. Seus rituais são celebrados em língua portuguesa e as entidades veneradas são, sobretudo, os ?caboclos? (índios), ?pretos velhos? e ?bejis? (crianças), além das ?falanges africanas?. Por fim, a Linha Cruzada, como sublinha Norton Correa, ?cultua todo universo de entidades das outras duas modalidades, a eles acrescentando as figuras do Exu e da Pombagira?. Embora seja difícil apontar uma data específica para a formação dessas religiões, principalmente por não serem institucionalizadas e por terem sido marginalizadas e proibidas por muito tempo, sabe-se que o Batuque se formou no Rio Grande do Sul entre 1833 e 1859, nas cidades de Rio Grande e Pelotas. As denominações Batuque e Nação fazem referência a uma mesma prática religiosa, sendo a primeira ligada ao som dos instrumentos de percussão utilizados nos ritos e a segunda às diversas nações que compõem essa cultura: Oyó, Ijexá, Jeje, Nagô Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 199 e Cabinda. No Batuque gaúcho, os ensinamentos são transmitidos através da oralidade, e os fundamentos da religião são aprendidos de forma prática, através da figura do pai ou da mãe de santo, também chamados de babalorixá ou ialorixá, respectivamente, que conduzem a devoção aos seus doze orixás: Bará, Ogum, Iansã, Xangô, Ibeji, Obá, Odé/Otim, Xapanã, Ossanha, Oxum, Iemanjá e Oxalá. Quanto às práticas ritualísticas, as vestes acompanham as cores de cada orixá, não é permitido o uso de bebidas alcoólicas e tabaco, e a sacralização de animais faz parte do processo de iniciação na religião, através do Bori (Oro, 2008; Speroni, 2018). No caso da Umbanda, há uma precisão maior quanto à sua formação, pois foi oficialmente fundada em 1908 pelo médium Zélio Fernandino de Moraes, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Incorporado pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, ele recebeu a missão de anunciar essa nova religião. O primeiro terreiro registrado no Rio Grande do Sul foi fundado em 1926 pelo ferroviário Otacílio Charão, na cidade de Rio Grande, e denominado Templo Espírita de Umbanda de São Jorge. A partir de então, espalhou-se pela capital, Porto Alegre, e pelas demais regiões do estado. Composta por uma grande quantidade de entidades organizadas em sete falanges, cada uma guiada por um orixá principal, essas linhas representam a justiça, a lei, a fartura, o conhecimento, o trabalho, a proteção, entre outros. Fazem parte do panteão da Umbanda os orixás: Ogum, Iansã, Xangô, Oxóssi, Xapanã, Ossanha, Oxum, Iemanjá e Oxalá. Além disso, são cultuadas entidades que tiveram experiências terrenas, como caboclos, pretos velhos, crianças e ciganos. Quanto às práticas ritualísticas, as vestes são sempre brancas, é permitido o uso de bebidas alcoólicas e tabaco em determinas sessões, e não é feita sacralização de animais (Oro, 2008; Speroni, 2018). No final da década de 1950, delinearam-se terreiros conhecidos como de Linha Cruzada, em que passaram a ser desenvolvidos trabalhos nas linhas do Batuque e da Umbanda, em sessões isoladas devido às diferenças de culto entre ambas. Dessa aproximação surge uma nova forma religiosa, denominada Quimbanda, com um sistema de ritos e crenças próprios, entendidos como uma ressignificação da tímida presença que entidades como Exus e Pombagiras tinham na Umbanda, sendo muitas vezes chamada de linha esquerda da Umbanda. A Quimbanda gaúcha atua com entidades que compreendem os desejos humanos por terem usufruído da vida terrena, estando, portanto, mais próximas de suas necessidades. Exus são entidades que promovem a ligação entre os homens e os deuses, oferecem proteção e efetuam limpezas espirituais. Já as Pombagiras representam a feminilidade e foram mulheres que sofreram em vida terrena, atuando como entidades de luz que não aceitam a degradação da mulher e recriminam todo e qualquer desrespeito ao corpo, à alma e ao espírito de suas semelhantes. Além do terreiro, são espaços de trabalho para essas entidades locais como cemitérios, encruzilhadas, praias e matas (Leistner, 2021; Oro, 2008; Speroni, 2018). Em Veranópolis, a primeira manifestação de espiritualidade afro-brasileira identificada é a Casa do Pai Léo de Xangô, com vinte e dois anos de atuação legal. Natural do Distrito de Chimarrão, Lagoa Vermelha, Leovaldo Hugo Rodrigues da Silva teve sua formação espiritual mista, com parte da família professando a fé católica e parte praticando a Umbanda. A partir da avó materna, de origem africana e indígena, obteve seus primeiros ensinamentos da religião na infância; posteriormente, fez seus aprontes com pais de santo em Caxias do Sul e Porto Alegre (Silva, 2024). Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 200 | A Casa de Pai Léo de Xangô trabalha nas linhas da Umbanda, da Quimbanda e da Nação Cabinda, com origem nos povos africanos conhecidos como Bantos. Conta com aproximadamente quinze filhos dedicados às obrigações junto às suas entidades e divindades, além de frequentadores não filiados, pois todos os trabalhos e celebrações são abertos ao público. Como é costume, o terreiro está situado junto à casa do pai, em Vila Azul, sendo mantido pelas mensalidades dos filhos e por doações. Em seu interior, existe um salão para a realização das celebrações, rodeado pelo Congá da Umbanda, o Abassé da Quimbanda e o Ilê da Nação, nos quais estão as representações imagéticas de suas respectivas divindades e entidades (Silva, 2024). A Casa Branca da Cabocla de Iansã, situada em Nova Prata, atua na linha da Umbanda desde 2010, tendo como liderança espiritual a cacique Mãe Bia de Iansã. Natural de Pelotas, Ubiracira Ferreira Kogan fez sua iniciação e seus aprontes em Caxias do Sul, nas mãos de Pai Saul de Ogum, líder da Casa Branca de Ogum Beira Mar e da Cabocla Estrela do Mar. Atualmente, Mãe Bia de Iansã conta com trinta e dois filhos trabalhadores da casa, oriundos de diversos municípios da região, inclusive Veranópolis. As atividades religiosas desenvolvidas pelo grupo ocorrem duas vezes por semana, sendo um dia reservado ao desenvolvimento mediúnico dos filhos da casa, através das giras que trazem ensinamentos de diferentes entidades. No outro dia, a casa abre suas portas para atendimentos públicos e gratuitos, com sessões que podem atender até cem pessoas. Além dos trabalhos semanais e do calendário de obrigações junto às suas divindades e entidades, são realizadas festividades em comemoração ao Dia de Pretos Velhos em maio e à Festa de Erê em setembro, dedicada às crianças (Kogan, 2024). Identificação da Casa do Pai Léo de Xangô, Veranópolis, 2024 (autoria de Rafaela Ribeiro, acervo privado de Leovaldo Rodrigues da Silva) Grupo de Alabê responsável pelos toques rituais da Nação Cabinda, Veranópolis, 2021 (autoria não identificada, acervo pessoal de Pai Léo de Xangô) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura200 | Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 201 A partir das mensalidades e doações de seus membros, a Casa Branca da Cabocla de Iansã mantém sua estrutura física e suas obrigações religiosas e legais. Atualmente, o terreiro é composto pelo salão no qual acontecem as giras, que abriga o Congá, considerado o ponto de força da casa, com representações de Oxalá, Iansã, Preta Velha Vó Maria e Zélio Fernandino de Moraes. Na parte externa, encontra-se Tronqueira de Exus e Pombagiras guardiães da casa, onde estão as imagens de Rosa Vermelha das Sete Encruzilhadas, pombagira de doutrina da casa, e Maria Padilha do Cruzeiro das Almas, pombagira de trabalho da casa. Também há o Jardim dos Orixás, com representações dessas divindades, aberto ao público para receber oferendas, e a Carroça do Povo Cigano, outro importante ponto de energia (Garbinato, 2024; Kogan, 2024). Recentemente, Pai Carlinhos de Oxalá também abriu seu terreiro em Veranópolis, denominado Casa Axé Império da Noite. Natural de Encruzilhada do Sul e criado em uma família em que a parte paterna era cristã e a materna umbandista, Carlos Martins Ferreira de Freitas foi batizado na Umbanda ainda bebê, passando pela lavagem da cabeça com sete ervas. Aos oito anos, fez seu Bori e se entregou a Oxalá pela linha da Nação, através do rito de sacralização animal. Seus aprontes na Umbanda foram realizados pelas mãos de Mãe Rose de Bará, residente e atuante em Canoas, e na Quimbanda pelo Pai Paulo de Maria Padilha e Tranca Ruas (Freitas, 2024). As atividades de Pai Carlinhos de Oxalá iniciaram com atendimentos individuais de jogos de cartas e Búzios, até ele conseguir se estabilizar e organizar seu próprio terreiro. Membros da Casa Axé Império da Noite, Veranópolis (autoria de Kleber Bortoli, acervo privado da Casa Axé Império da Noite) Membros da Casa Branca da Cabocla de Iansã, Nova Prata, 2024 (autoria de Fabiane Marchesini, acervo privado da Casa Branca da Cabocla de Iansã) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 202 | Atualmente, em um espaço alugado no bairro Vila Azul, com despesas custeadas pelos membros da casa, Pai Carlinhos de Oxalá conta com aproximadamente trinta filhos que atuam nas linhas da Umbanda e da Quimbanda, por ele denominada Cabala de Exu ou linha esquerda da Umbanda. A casa não é aberta ao público, somente aos filhos e seus convidados, que se reúnem semanalmente para fazer o despacho de Exus. Os demais trabalhos seguem o calendário de obrigações ligadas às entidades e divindades cultuadas pela casa; por exemplo, 2024 é o ano dedicado ao orixá Bará, dono das chaves, das encruzilhadas e dos caminhos, um ano com possibilidades de soluções para diversos problemas da vida (Freitas, 2024; Gaieski; 2024). Na perspectiva de conhecer os praticantes de religiões afro-brasileiras, sem querer enquadrá-los em um padrão, algumas características em comum vieram à tona. Em diferentes graus, todos os entrevistados relataram que foram influenciados por uma formação cristã que, em determinado momento da vida, não mais atendia às suas necessidades espirituais. A maioria buscou primeiramente alternativas às religiões institucionais, como casas espíritas e espiritualistas da região, onde muitos iniciaram seus estudos mediúnicos. Acerca dos porquês de suas escolhas religiosas, as respostas mais recorrentes incluíram a busca: por conhecimento e autoconhecimento para um redirecionamento da vida; por explicações sobre o mundo espiritual e as forças ou energias que agem no Universo; e por curas físicas e espirituais. Além da ideia de busca, está muito presente a noção de encontro, manifestada através de sentimentos de acolhimento, aceitação, autoafirmação, conexão e familiaridade com os irmãos de religião (Ferrazzo, 2024; França, 2024; Gaieski, 2024; Garbinato, 2024; Kogan, 2024; Rodrigues, 2024; Zanette, 2024). Uma constante nas falas de lideranças e praticantes de religiões afro-brasileiras é a menção à intolerância religiosa. Embora esse contexto não intimide muitos adeptos, ainda faz com que algumas pessoas se sintam coagidas a se autodeclarem praticantes. O preconceito está presente em suas mais variadas faces: desentendimento, desconhecimento, piadas, vandalismos e violações de espaços sagrados, conforme apontam os seguintes relatos: No começo foi fácil, porque eu acho que as pessoas tinham um pouco de medo, o desconhecido sempre traz um pouco de medo. Então o atabaque tocando, então ele é ouvido quadras e quadras, então eu acho que as pessoas tinham um pouco de medo, de receio. Mas aí elas foram perdendo o medo e foram vindo. E aí chegou um determinado momento que elas perderam o medo e o respeito (Kogan, 2024). Aqui é muito difícil continuar com essa nossa religião, porque seja ou não seja, é bastante preconceito, essa nossa religião é mal falada. [...]. Eu tenho até medo de falar minha religião porque é criticada, a gente é criticado por forma de... chuta que é macumba, aquilo ali não dá nada certo, aquilo ali é coisa do capeta. É todos esses preconceitos aí, malignos que eles fazem (Silva, 2024). Na verdade, eu me sinto preparado desde o momento que eu vim pra cá, mas à vontade, até hoje eu não me sinto à vontade, porque a cidade é muito fechada (Freitas, 2024). Em alguns lugares não é que eu escondo, eu me mantenho em silêncio. Eu não escondo, se me perguntarem: ?Ah! Tu frequenta? Frequento!?. [...]. A desinformação é o mal do século, ou da vida, porque eles ouvem... ?Ah! Tu faz parte do terreiro!?. Então eu vou fazer macumba... não é nem oferenda, não é nem um axé, um agrado, é macumba pra destruir alguém. Se tu gosta de Pombagira é porque tu quer destruir o casamento de alguém, tu vai fazer amarração pra alguém. Eles não veem que é uma religião séria (Ferrazzo, 2024). Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 203 Foram identificados inúmeros locais com práticas ligadas às religiões de matriz afro-brasileira que ainda não são formalmente terreiros ou estão em vias de organização física e espiritual. Além disso, foram localizados profissionais que atuam com Jogo de Búzios, Apometria, leituras de cartas através de Baralho de Tarô e Baralho Cigano, sendo procurados por pessoas que buscam orientações sobre questões espirituais, pessoais, sentimentais e profissionais, bem como de um caminho ou uma luz para esclarecer dúvidas ou posicioná-las na vida. Judeus e muçulmanos em Veranópolis A presença de judeus em Veranópolis está vinculada principalmente a três famílias: Herlinger, Josipovits e Lewgoy. Da última, pouco se sabe sobre suas práticas religiosas e os motivos de sua migração e estabelecimento em um município do interior do Rio Grande Sul. O casal Isaac Lewgoy, de origem russa, e Esther Barrel, estadunidense, chegou em Alfredo Chaves por volta de 1920. Eles tiveram oito filhos e trabalhavam no comércio de tecidos. Já o casal de imigrantes húngaros, Imre Herlinger e Lenke Josipovits, que adotaram os nomes de Américo e Helena, estabeleceu-se em Alfredo Chaves em 1933, com seus três filhos, Martin, Eva e Ignez. Algum tempo depois, também se estabeleceram em Veranópolis Margit Josipovits, que adotou o nome de Margarida, e o casal húngaro Niklós e Margit Radó, ele dentista e ela pianista. A filha caçula de Américo e Helena, Ana Vera Herlinger Boff, nascida em Alfredo Chaves, deixou inúmeras memórias das experiências culturais e cotidianas vividas por seus pais enquanto imigrantes e judeus (Boff et al., 1999, p. 17-20). Américo Herlinger nasceu em 1901 em Budapeste, área urbana da capital húngara, e era filho de Maximilian e Carolina Herlinger, proprietários de uma casa comercial especializada em tecidos. ?Judeus abastados, não davam maior importância à religião, nesse sistema educaram os seis filhos [...]?. Helena Josipovits, de nome hebraico Lia, nasceu em uma pequena aldeia rural em Rákász, filha de Gisela e Mor Josipovits, judeus ortodoxos, proprietários de terras, um armazém e um moinho. ?O avô Mor era um homem determinado, severo, caprichoso, voluntarioso. A avó Gisela era tipicamente a mãe-terra, que faz tudo e cuida de todos, submissa e acolhedora? (Boff et al., 1999, p. 10-13). Embora os costumes cotidianos do casal gerassem estranhamento ou curiosidade junto à comunidade de inserção, dada a origem húngara, o fato de serem judeus é apontado por Ana Vera Herlinger Boff como um possível fator de atrito, sobretudo nos discursos dos freis capuchinhos que administravam a paróquia local. Ao mesmo tempo, isso gerava contradições. As relações de Américo Herlinger com as instituições católicas são descritas por sua filha da seguinte forma: Na época em que meus pais chegaram aqui, tanto nos anteriores, como mais tarde, os padres capuchinhos pintavam os judeus, para seus fiéis, como sendo assassinos de Jesus, lançando imprecações contra eles do alto dos púlpitos. Ao mesmo tempo, tratavam muito bem meus pais. Parece um contrassenso, porém era assim o seu proceder. Possuo fotos em que o Bispo, padres e meu pai aparecem lado a lado, rindo em festas de paróquia. O Dr. Américo tratava de graça os seminaristas e, pelo Natal, recebia de presente dos freis capuchinhos uma caixa de vinho produzido especialmente para ser consumido nas missas (Boff et al., 1999, p. 26). Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 204 | Por não ser um judeu ortodoxo, Américo Herlinger possivelmente se adaptou melhor ou relevou com mais facilidade a intolerância religiosa, o que não aconteceu com sua esposa. Conforme narrado por Boff et al. (1999, p. 27): ?Minha mãe sofreu muito com o que diziam os padres ao povo?. Na primeira oportunidade que esteve na igreja, em uma missa de Sexta-Feira Santa, Helena Herlinger ouviu ?palavras amargas e violentas dirigidas pelo padre contra seu povo, sua raça, sua religião?. Além disso: Havia prevenção contra os israelitas sim, como exemplo, conto uma passagem significativa: minha irmã, Eva, com mais ou me- nos sete anos, jogou-se no colo da mãe ao voltar da escola: Mãe, eu tenho tanta, tanta pena da senhora, porque a senhora vai para o inferno [disse-lhe a filha, que estudava na Escola São José, dirigida pela Congregação das Irmãs de São José de Chambéry] (Boff et al., 1999, p. 27). Diante dessas dificuldades e pelo entendimento do contexto de inserção da família, Américo e Helena Herlinger criaram os quatro filhos como cristãos e pouco ou nada lhes ensinaram sobre a cultura e as tradições judaicas. Em idade avançada, ambos aceitaram a conversão ao catolicismo e receberam os sacramentos instituídos pela Igreja, o que lhes permitiu que fossem sepultados no cemitério municipal. A presença de muçulmanos em Veranópolis está relacionada ao fenômeno das grandes migrações da contemporaneidade e à chegada de famílias africanas ao município, sobretudo de origem senegalesa e marroquina. A nacionalidade mais representativa é a senegalesa, cujos membros se dedicam a variadas atividades econômicas no contexto local. Foram feitos inúmeros convites a esses imigrantes para participar do projeto, mas, seja por falta de tempo, desconfiança ou insegurança, nenhum deles aceitou. Alguns elementos de sua cultura religiosa são perceptíveis no dia a dia da cidade, como o salat, prática das orações obrigatórias que os muçulmanos realizam todos os dias. Composto por um conjunto de versículos do Corão, recitado em árabe e num ciclo de posições ? em pé, curvado, de joelhos, prostrado e Família de Américo Herlinger e Helena Josipovits, Veranópolis, década de 1940 (autoria não identifica- da, acervo privado da família Boff) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 205 sentado ?, o salat é realizado sempre em posição direcionada para a cidade sagrada de Meca. A prática ocorre em momentos específicos do dia, de acordo com as etapas do curso do Sol, podendo ser realizada em qualquer lugar, desde que se faça uso de baykul, uma espécie de tapete que garante a limpeza do local. Também é comum, ao caminhar pela cidade, encontrar mulheres senegalesas usando o hijab, um lenço ou manta que cobre o cabelo, os ombros e o busto, considerado uma forma de proteção à mulher ao ocultar seus elementos de feminilidade. A família Ait Tahmidit possui costumes um pouco diferentes, já que o Marrocos não é um país tão conservador. Amin Ait Tahmidit migrou há poucos anos para o Brasil e, após seu estabelecimento em Veranópolis, sua esposa Wissal Ait Bargaz e os irmãos Karim Ait Tahmidit e Khalil Ait Tahmidit também migraram. Wissal Ait Bargaz, por exemplo, não é obrigada a usar hijab no dia a dia, veste-se com roupas ocidentais e sempre esteve inserida no mercado de trabalho local. O casal teve sua filha em Veranópolis, chamada Nour Elena Ait Tahmidit, que está sendo criada como muçulmana. A família mantém sua religião e suas obrigações cotidianas, frequentando esporadicamente uma mesquita em Caxias do Sul, junto com imigrantes senegaleses e um amigo de origem palestina que também reside no município. Conforme relata Ait Tahmidit (2024), ?quando a gente não consegue ir lá, a gente pratica em casa, porque nossa oração pode fazer em qualquer lugar, até na rua?. Quanto à percepção local da cultura muçulmana, ele comenta: As mídias mostram que o pessoal muçulmano é tipo... Homem- -bomba, essas coisas, mas na verdade tu vê a Copa do Mundo no Catar, um país árabe, muçulmano, um dos mais ricos do mundo [...]. Graças a Deus o pessoal agora pesquisa sabe, no Google, na internet [...]. Porque se tu não lê o Corão, é a mesma coisa da Bíblia sabe. Só eu acho que o nosso a gente pratica mais, um pouquinho mais. Tudo que aconteceu na Bíblia é lá na nossa terra, dos árabes, na Jordânia, o Mar Vermelho (Ait Tahmidit, 2024). Ao finalizar este capítulo, salienta-se que o objetivo foi apresentar a diversidade religiosa em Veranópolis, tanto no passado quanto no presente, sob a ótica do multiculturalismo, como uma forma de afirmação das pluralidades que constituem o município. Espera-se que, a partir dessa perspectiva, possamos olhar para o outro e reconhecê-lo como portador de uma cultura, mesmo que não seja a predominante. Portanto, busca-se afirmar os sentimentos de pertencimento e de alteridade, essenciais para a superação de preconceitos e a plena consolidação da cidadania e da democracia. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 207 o turismo em movimento 1 Itamar Ferretto Comarú 1 Para o desenvolvimento do presente capítulo foram utilizadas entrevistas, correspondências, documentações oficiais, estudos acadêmicos, dossiês, registros civis, policiais, judiciais, eclesiásticos e militares. Também foram utilizados relatórios oficiais, jornais e periódicos de alcance nacional, regional e municipal, além de materiais de divulgação de órgãos oficiais, partidários, profissionais, associativos, técnicos. Veranópolis Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 209 V eranópolis, ao longo do tempo, foi identificada por diversos títulos, como Cidade Veraneio, Princesa dos Vales, Berço Nacional da Maçã, Terra da Longevidade e, mais recentemente, Cidade Amiga do Idoso, título concedido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2016. Nesse momento, o município passou a integrar uma importante rede global, constituída por mais de 600 cidades em 37 países, como destaca a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas, 2018). Localizada na região nordeste do estado do Rio Grande do Sul, a cerca de 170 km da capital, Porto Alegre, a cidade de Veranópolis sempre dialogou intensamente com o turismo ao longo de sua história. Assim, em meio aos diversos processos econômicos, sociais, políticos e culturais que perpassam a história da localidade, a atividade turística sempre esteve presente, em diálogo com suas diversas alcunhas e transformações. Desde seu surgimento, ainda quando era a Colônia Alfredo Chaves, Veranópolis apresentou uma gama representativa de recursos naturais e culturais que se destacavam ao olhar do outro. Em sintonia com tais recursos, observava-se, também, a diversidade de trajetórias, esperanças, culturas, identidades, histórias e memórias de seu povo. Hoje, Veranópolis, ao lado de outros 32 municípios, integra a Região Turística Uva e Vinho e está inserida na Rota Termas e Longevidade, uma organização turística que abrange os municípios de André da Rocha, Cotiporã, Fagundes Varela, Nova Bassano, Nova Prata, Protásio Alves, Vila Flores e Vista Alegre do Prata, na maioria descendentes da grande Colônia Alfredo Chaves. Em seu território turístico, ganham destaque os mais dife - rentes saberes e fazeres artesanais, a gastronomia, a produção vitivinícola e algumas arquiteturas de espetáculo, como a Ponte Ernesto Dornelles, inaugurada em 1952 e popularmente conhe - cida como Ponte do Rio das Antas, que interliga o município à cidade vizinha de Bento Gonçalves, um dos mais importantes destinos turísticos do Brasil. Outro destaque é o Portal Monu - mento, localizado no acesso principal da cidade, que foi edifica- do em homenagem aos 125 anos da Colonização Italiana no Rio Grande do Sul, além da Casa Saretta, reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul (IPHAE) como um dos patrimônios arquitetônicos do estado. A Igreja Matriz São Luiz Gonzaga, a Fonte da Longevidade, a Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, a Casa da Cultura Frei Rovílio Costa e a Vila Bernardi também são referenciais turísticos locais. As vinícolas Simonetto, Antônio Bin, da Paz e Noé, conhecidas por sua tradicional produção vitivinícola, propagam uma multiplicidade infindável de saberes, fazeres e memórias decorrentes do vigoroso trabalho com a terra, os parreirais, o plantio e a colheita das uvas. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 210 | Portal Monumento ou Monumento Far l?America, Veranópolis, 2000. Contou com projeto estrutural do arquiteto Celestino Rossi e projeto artístico dos escultores Eraldo Fontana e Maria Salete Martinelli (Foto Parise, acervo do Mumver) Maria Salete Martinelli esculpindo uma das imagens que compõem o Monumento Far l?America, Veranópolis, 1999 (autoria não identificada, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 211 possível afirmar, sem medo de errar, que, com maior ou menor intensidade, todas essas modalidades dialogam historicamente com o município. Campo de ?práticas histórico-sociais que pressupõem o deslocamento dos sujeitos em tempos e espaços diferentes daqueles dos seus cotidianos? (Gastal; Moesch, 2007, p. 11), o turismo pode ser percebido como uma atividade complexa, permeada de relações, acolhimentos, respeito e possibilidades. Dentre tantas conceituações técnicas ou científicas, parece importante compreendermos o turismo como uma espécie de território do ?e? ? em uma perspectiva de ampliação e inclusão ?, e não como um simples território do ?é?, pois esse ponto de vista poderia reduzi-lo enquanto potência e possibilidade. Para além disso, mesmo antes de se consolidar como a Cidade Veraneio, muitas tramas históricas e sociais se destacaram ao longo do tempo. Entre elas, o turismo sempre se destacou como um importante agente de desenvolvimento social, político e econômico. É o que se procura apresentar, mesmo que brevemente, a seguir. O turismo em Alfredo Chaves: dinâmicas culturais Em Veranópolis, pode-se considerar que as pretensas raízes do turismo datam de 1920, período em que os visitantes da capital chegavam à cidade, de origem imigrante, em busca de diversões fundamentadas em festas, eventos, carnavais e peças teatrais, em uma escala muito maior do que ocorrera A Torre Mirante da Serra, inspirada na Canadian Tower, parece ter potencializado ainda mais o destaque da gastronomia local, reconhecida historicamente por moradores e visitantes em seus diversos bares, restaurantes, lancherias, cantinas e pizzarias. A natureza, há tempos, apresenta-se como a concepção dominante do turismo praticado em Veranópolis, encantando tanto moradores quanto visitantes. Dentre tantas opções, um local de amplo e fácil acesso que se destaca é o Belvedere do Espigão, mirante para o Vale do Rio das Antas, que, de longa data, cria memórias marcadas por momentos de alegria, diversão e acolhimento. Esses referenciais são importantes em um mercado que movimenta milhões de reais anualmente. Afinal, nacionalmente, o turismo se apresenta como um importante fator de movimentação econômica e geração de receitas para os mais diversos destinos turísticos brasileiros. A Confederação Nacional do Comércio (CNC) destaca que, entre novembro de 2023 e fevereiro de 2024, o faturamento da alta temporada brasileira alcançou R$  162,2 bilhões, valor que abrange gastos com ?hospedagem, bares e restaurantes, serviços culturais, passagens aéreas e locação de veículos, transportes intermunicipal e interestadual, agências de viagens, entre outros? (CNN Brasil, 2024). Outro ponto que merece atenção é que, embora o turismo se mostre fragmentado em várias categorias e possibilidades, podemos destacar o turismo cultural, de aventura, de consumo, de eventos, de estudos, além do turismo dedicado aos esportes, aos negócios e ao campo religioso, sem esquecer do turismo rural e do antigo turismo de saúde. É Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 212 | até então. Se essa data for considerada, é possível perceber esse momento como uma espécie de primeiros movimentos turísticos organizados para uma atividade mais intensa ou regular. No entanto, há outras possibilidades. Relatos e registros anteriores a essa data demonstram a existência de vários hotéis, hospedagens e casas de pasto que colaboraram intensamente para o desenvolvimento de um fluxo turístico anterior aos anos de 1920. Dentre eles, destaca-se o hotel de Luciano Decusati, ?amigo dedicado do Brasil tanto quanto são todos os colonos desta próspera e populosa região? 2 , que foi palco para muitas das animadas comemorações que se seguiram em Alfredo Chaves quando da proclamação da República brasileira, em 1889. Desse modo, Decusati pode ser percebido como um dos primeiros hoteleiros de Alfredo Chaves, com seu hotel frequentemente destacado nas páginas dos jornais da capital pela boa qualidade dos serviços disponibilizados aos visitantes. O proprietário também era destacado nos jornais por ser um negociante de renome na sociedade gaúcha da época 3 . A derrubada da mata, o trabalho com a terra, as plantações e o cultivo das diversas culturas, além do desenvolvimento das pequenas fábricas que estruturaram muitas das futuras indústrias, fizeram com que a localidade se tornasse, dia a dia, um exemplo de pujança e empreendedorismo, configurando-se como um ?importante e populoso município [...] um dos mais importantes da zona colonial? 4 . Os desejos de prosperidade continuavam a 2 A Federação, Porto Alegre, 04 dez. 1889, ed. 278, p. 1. 3 O Rio Grande, Porto Alegre, 14 jan. 1893, p. 1. 4 A Federação, Porto Alegre, 15 jan. 1904, p. 16. atrair mais e mais pessoas. Em 1907 5 , a população de Alfredo Chaves já contava com mais de 22.000 habitantes que, além das lides agrícolas, passavam a integrar um amplo contexto social, em diálogo com: 119 industrialistas, 118 negociantes, 38 sapateiros, 24 ferreiros, 38 servidores públicos, 12 produtores de selas, 10 curtidores de couro, 11 carpinteiros, 9 clérigos, 6 marceneiros, 6 açougueiros, 5 funileiros, 5 alfaiates, 4 padeiros, 3 advogados, 2 mecânicos e 1 escultor, distribuídos em seus diversos distritos 6 . 5 O ?desenvolvimento admirável? de Alfredo Chaves, percebida aos olhos da capital como uma ?das mais belas pérolas da região colonial do estado?, localidade extremamente ?próspera e futurosa?, ainda dependia majoritariamente das lides agrícolas, o que gerava alguns tensionamentos sociais, tendo em vista que nem todos os imigrantes seriam agricultores ou teriam se adaptado plenamente a tais atividades. Um caso em especial já havia atraído a atenção de muitos, afinal, ao destacarem-se como ?artistas, tecelões, alfaiates, cervejeiros, serralheiros, pintores, etc.?, 678 imigrantes poloneses partiriam de Alfredo Chaves rumo a Porto Alegre, abandonando as terras que haviam recebido, para não mais voltar para qualquer colônia em que não houvesse o ?serviço de suas profissões?. Em vão, os gestores da colonização tentaram persuadi-los de todos os modos possíveis, inclusive pedindo apoio ao Clero de Porto Alegre, para que tal grupo regressasse para Alfredo Chaves. Negando-se, ?preferiam morrer a voltar para um serviço para o qual não se sentiam com a aptidão e a força necessárias?. Extremamente contrariados, os gestores gaúchos os encaminharam para a cidade do Rio de Janeiro, avisando aos gestores administrativos de lá que tal grupo seria formado por ?artistas, vagabundos e antigos grevistas das fábricas europeias, por conseguinte, impróprios para o trabalho da agricultura, único que aqui temos e podemos dar a imigrantes que vem concorrer para o desenvolvimento da indústria da nossa pátria?. No decorrer dos anos, o trabalho agrícola ainda soava fundamental na localidade de origens coloniais. Entretanto, outras atividades intelectuais, comerciais e industriais já começavam a apresentar-se como relevantes na localidade. A Federação, Porto Alegre 11 fev. 1891, ed. 35, p. 1. 6 A Federação, Porto Alegre, 21 set. 1907, ed. 222, p. 1. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 213 Festividade de recepção do ministro italiano Russo à Colônia Alfredo Chaves, 1890. Ao fundo, o Hotel de Luciano Decusati (autoria não identificada, acervo privado de Ana Regina Dalla Coletta) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 214 | As inovações eram diárias, assim como a qualidade dos trabalhos desenvolvidos. Desse modo, os produtores, inventores e comerciantes não tardaram em cobiçar o ouro das medalhas de premiação nas feiras e exposições nacionais e internacionais, como a Exposição Internacional de Saint Louis, nos Estados Unidos da América, onde Alfredo Chaves apresentou diversas amostras das madeiras existentes na localidade 7 , e a exposição de Milão, na Itália, onde foram apresentados os registros fotográficos do município, por intermédio da obra do fotógrafo Adolpho Giovanini 8 . Na Exposição Internacional de 1908, realizada na então capital do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro, Júlio Carlos Refosco e Giuliano Generali, produtores de farinha; Antônio Vetrisi, Giovanni Zardo, Baptista Casarin, Secondo Badalotti, João Parzan, José Giacomuzzi, João Antoniolli, Jacintho e Ignácio Frainer, Isidoro Cavedon e Domingos Farina, produtores de vinhos; Marcelo Giordani, destacado 7 A Federação, Porto Alegre, 26 dez. 1903, ed. 300, p. 2. 8 A Federação, Porto Alegre, 25 nov. 1905, ed. 273, p. 2. Ainda no tempo do hoteleiro Decusati, que algum tempo depois reinauguraria seu hotel na cidade de Montenegro, a localidade apresentava-se atrelada à presença de relevantes olhares nacionais e internacionais, como seriam os tantos professores, pesquisadores e cientistas das mais diferentes origens que por ali se estabeleceram ou estiveram por certo período. As aceleradas transformações da Vila logo passariam a se fazer ver ante olhares curiosos e atentos, não tardando a chamar a atenção dos ?excursionistas? que chegavam, em geral, da própria capital. Algumas das revistas editadas em Porto Alegre se encarregavam de divulgar as possibilidades turísticas e os melhoramentos urbanos das cidades do Rio Grande do Sul. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 215 Vista da Avenida Osvaldo Aranha [Palugana], Alfredo Chaves, 1910 aprox. (autoria de José Lucaora, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 216 | produtor de vinhos e cachaça; Tercílio Casonatti, produtor de café; Ângela Piccoli, produtora de seda; Angelita Mion Arisi e Clotilde Martin, produtoras de mantas de seda; Antônio Sfredo, Giacomo Paludo e Luigi Marchi, produtores de trigo; José Marcos e José Tresco, produtores de milho; João Rebelato, produtor de cevada; Antonio Paludo, produtor de amendoim; Sebastião e Antônio Del Marco, produtores de algodão; Carlos Puiroson e José Sartoretto, produtores de favas; Fernando Bedin, também produtor de favas e trigo; João Girardi, produtor de válvulas de latão; Guilherme Giugno, desenvolvedor de produtos em couro; Francisco Marchiriez e Alessio Serafin, produtores de cereais; Antonio Tedesco Filho, produtor de campainhas; Giovanni Galeazzi, produtor de graxas para calçados; Dionysio Maré, produtor de erva-mate; e Fiorindo Dalla Coletta, reconhecido inventor, passaram a receber ainda mais destaque social pela ampla qualidade de seus produtos, aprovados para integrarem a renomada exposição. A consolidação da estrada de ferro, seguida pela chegada do trem, em 1910, na cidade de Caxias do Sul, além de intensificar o fluxo de pessoas e mercadorias na região nordeste do Rio Grande do Sul, em uma perspectiva até então desconhecida, também acelerava a transformação de muitos de seus cenários urbanos e sociais. Assim, em diálogo com os novos usos culturais dos espaços e das novas sociabilidades, registraram-se também aqueles que se dirigiam à Serra em busca dos benefícios da exuberante natureza, a fim de ampliar a qualidade de vida ou mitigar problemas de saúde. Alguns dos novos grupos que logo se fizeram perceber na região foram os raidmans, sujeitos que, em busca de aventuras, emoções e contemplações, percorriam médias e grandes distâncias a pé, em um misto de competição, aventura e deleite social. Alguns, tempos depois, passaram a se valer do uso de bicicletas, automóveis ou motocicletas. Essa prática, por algum período, mostrou-se socialmente relevante, tanto por incluir alguns membros da elite dos clubes sociais existentes na região quanto por proporcionar a organização de desafios esportivos entre alguns dos clubes da capital e da Serra. Um grupo de raidmans pode ser visto no registro fotográfico a seguir, originalmente publicado pela revista Kodak, durante a preparação para percorrer o caminho que ligava o distrito de Capoeiras, atual Nova Prata, até o distrito central Alfredo Chaves, em 1912. O ano de 1912 também ficaria marcado pela instalação da rede de energia elétrica e do rico e afamado Banco Pelotense na localidade, que passava a integrar um circuito financeiro formado pelas cidades de Porto Alegre, Rio Grande, Uruguaiana, Livramento, Alegrete, Bagé, São Gabriel, Dom Pedrito, Cruz Alta, Bento Gonçalves, São Vicente e Caxias 9 . À medida que a localidade atualizava continuamente sua paisagem urbana, seu clima agradável e a beleza de sua paisagem natural não tardavam em se destacar aos olhos dos demais municípios do Rio Grande do Sul. 9 Kodak, Porto Alegre, n. 6, 02 nov. 1912, p. 4. Fundação Biblioteca Nacional. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 217 Grupo de raidmans em Alfredo Chaves, 1912 10 10 Kodak, Porto Alegre, n. 8, 16 nov. 1912, p. 13. Fundação Biblioteca Nacional. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 217 Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 218 | Assim sendo, as paisagens culturais, as casas, as ruas e os ofícios ganhavam novos olhares e interesses, fazendo com que Alfredo Chaves fosse continuamente destacada nos jornais da capital como uma das belas pérolas da região colonial do estado 11 . Tais enaltecimentos fomentaram novos e frequentes deslocamentos de grupos formados por pessoas de destaque na imprensa da capital, tanto pela relevância social que possuíam quanto pelas frequentes viagens a lazer ou negócios que costumavam realizar. Logo, é interessante perceber que esse início das atividades turísticas na localidade de Alfredo Chaves não se restringia a um período específico do ano, podendo ser compreendido como palco de férias regulares. No Brasil, o direito às férias generalizadas somente teria início a partir de dezembro de 1925, quando foi promulgado o Decreto n. 4.982/1925 (Brasil, 1925), que concedia aos empregados e operários comerciais, industriais e bancários, além das ?instituições de caridade e beneficência no Distrito Federal e nos Estados?, quinze dias de férias anuais, ?sem prejuízo dos [...] ordenados, diárias, vencimentos e gratificações?. Desse modo, é possível considerar que, até a oficialização do decreto, o maior fluxo de visitantes chegados a Alfredo Chaves ocorreria nos finais de semana ou em dias de feriados, quando se tratassem de trabalhadores assalariados, ou a qualquer momento do ano, quando tais pessoas integrassem as elitizadas camadas sociais gaúchas, muitas vezes detentoras de altas rendas. No entanto, a rápida intensificação dos fluxos e suas inevitáveis consequências sociais fariam com que nem sempre os 11 A Federação, Porto Alegre, ed. 278, 06 dez. 1899, p. 1. visitantes fossem bem vistos por algumas camadas da sociedade. Nesse contexto, destacam-se os sacerdotes católicos que, em Alfredo Chaves, exerciam as mais diversas atividades pastorais. Assim, dentre outras manifestações, a que consta no Livro Tombo paroquial, ao fazer referência aos festejos do carnaval de 1920, parece resumir tais embates. Afinal, como afirmou Frei José de Bento Gonçalves, tratava-se do ?inferno [...] que andava todas as noites em luxuosos aparatos com gritarias, tambores, trombetas et ammi genere musicarum infernabium pelas ruas, casas, teatros, etc.? 12 . Segundo sua percepção, era preciso considerar os bons trabalhos desenvolvidos pelo seu antecessor, Frei Luiz de La Vernaz, nome sacerdotal do religioso francês François Garin, mas seria falso supor que a localidade ?tivesse chegado a ser um deserto de anacoretas!? 13 . Longe disso! A vida publicamente imoral do Intendente, imitado dessa sua indiferença religiosa pela quase totalidade dos empregados... A vida de luxo... sedenta de divertimentos e prazeres de certos veranistas e neo-vindos da Capital, os Grupos e Clubes recreativo-imorais, os cinemas idem etc. etc. etc... lutavam contra o bem 14 . Aos olhos dos religiosos da época, a efervescência das relações seria preocupante, o que demandava uma tomada de posição rápida e rígida diante da presença dos estranhos visitantes e dos possíveis perigos morais decorrentes das relações desenvolvidas entre moradores e visitantes. Essa postura combativa seria também direcionada aos agentes do poder 12 Paróquia São Luiz Gonzaga. Livro Tombo, 1920, p. 49. 13 Paróquia São Luiz Gonzaga. Livro Tombo, 1920, p. 49. 14 Paróquia São Luiz Gonzaga. Livro Tombo, 1920, p. 49. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 219 público que, além de nada fazer para combater tal situação, acompanhavam os visitantes em suas ?aventuras mundanas?. Valendo-se do púlpito para manifestar suas percepções de contrariedade aos excursionistas advindos de Porto Alegre, capital então administrada pelo engenheiro carioca José Montaury de Aguiar Leitão, que recebera frequentes destaques estaduais quando ocupou o cargo de diretor da Colônia Alfredo Chaves, configurando-se como um dos responsáveis pela localidade passar a ser percebida como um espaço que ambicionava a modernidade social e urbana mediante o planejamento organizado de ruas, praças e jardins, além do desenvolvimento de belas edificações e da abundância das mais diversas atividades culturais, as tensões pareciam aumentar. A já mencionada implementação da rede de energia elétrica, em 1912, não apenas propiciou o surgimento dos cinemas, mas também incentivou as atividades desenvolvidas em teatros, clubes e sociedades culturais, como a Società Italiana Principe di Piemonte, os Cavalheiros do Luar e a Sociedade Carnavalesca Baile de carnaval na Società Italiana Principe di Piemonte, Alfredo Chaves, década de 1930 (Foto Perin, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 220 | Sede da Società Italiana Principe di Piemonte, Alfredo Chaves, década de 1930 (autoria não identificada, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 221 dos Tiriricas. Além desses, a Orquestra Carlos Gomes, as bandas de música, os passeios pela zona rural, as atividades esportivas, as novas lojas, os bares e restaurantes, entre outros atrativos, possibilitaram o que um dos religiosos considerou como uma ?invasão dos veranistas da capital?. Com ?tantos veranistas e a fácil comunicação com a Cidade, intensificou-se extraordinariamente a sede de divertimentos, cinemas, teatros, foot-ball, conferências etc. etc. tudo se acabando sempre em bailes, não sempre dos mais morais? 15 . Um dos mais importantes pontos de encontro entre moradores e visitantes era o Café Zanchetta, localizado no coração da zona central da localidade, um espaço onde as pessoas se encontravam durante o dia e, especialmente, à noite: 15 Paróquia São Luiz Gonzaga. Livro Tombo, 1920, p. 49. [...] para conversar, jogar cartas, bilhar, snooker, bem como para comer e fazer belas festas. [...] sendo muito apreciados os saborosos quitutes que preparavam e serviam, com muita cordialidade, no bar do Café: chá, café, doces caseiros, biscoitos sonhos, pastéis, bolos, sorvetes e sucos naturais [...]. Na parte superior do Café Zanchetta, havia um salão para eventos importantes, como banquetes de casamento ou de recepção a personagens ilustres que visitavam Veranópolis. Muitas pessoas da comunidade tiveram seu banquete nupcial oferecido no Restaurante do Café, célebre pelos apetitosos e criativos pratos de sua culinária. Entre as festas realizadas [...] muitos ainda lembram as noites juninas [...] tradicionalmente, em frente ao Café [...] erguiam uma enorme fogueira e serviam pipocas, pinhões, amendoins às pessoas da comunidade, que participavam com alegria e fraternidade. No período que o Café Zanchetta foi alugado para a família de D. Itália Facin (1939- 1941), o Sr. Hermes Facin, filho de D. Itália, instalou, no prédio do Café, a primeira Rodoviária de Veranópolis (Costa, 1998, p. 215). Sociedade Carnavalesca dos Tiriricas em frente ao Mercado e Café Zanchetta, Alfredo Chaves, década de 1920 (autoria não identificada, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 222 | O sucesso do referido café levou à inauguração do prestigiado Hotel Zanchetta em 1946, resultado do grande fluxo de visitantes que seguia aumentando consideravelmente na localidade. O hotel se tornara famoso na região e no Estado: [...] , recebendo sempre muitos hóspedes, viajantes e veranistas de diversos lugares, atraídos pela beleza da Serra, pelo clima saudável e também pela mesa farta e saborosa do Hotel, com sua tradicional hospitalidade (Costa, 1998, p. 215). A procura por reservas no Hotel Zanchetta era tão intensa que Fidel e José Zanchetta, moradores de Porto Alegre e irmãos de Primo Antônio, diretor do hotel, [...] proprietários do Café Pan-Americano, localizado no Mercado Público, e do Café Rex, na Rua da Praia, quase esquina Ladeira, já reservavam, na Capital, as vagas para as pessoas que vinham veranear em Veranópolis, no Hotel (Costa, 1998, p. 215). Com tantos visitantes, o novo hotel era palco de muitas festas e atividades, em especial na adega: [...] dependência especial [...] reservada para festas, eventos beneficentes e sociais, chás, aniversários, carnavais e outras diversões organizadas para reunir e alegrar os veranistas e o pessoal da comunidade (Costa, 1998, p. 215). Diante da multiplicidade de novas atividades sociais e culturais apresentadas aos moradores, os religiosos procuravam amedrontar seus fiéis, Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 223 Hotel Zanchetta, Veranópolis, década de 1970 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 224 | relacionando as tragédias naturais ocorridas naquele período a possíveis castigos decorrentes da ira divina. Nesse sentido, em uma perspectiva regional mais ampla, tornou-se célebre o debate ocorrido entre Francisco Firpo, articulista do jornal A Época, editado em Caxias do Sul, e Marcelino Prates, do jornal Staffetta Riograndense, de Garibaldi. Em maio de 1941, o garibaldense, ao refletir sobre as enchentes que atingiam o Rio Grande do Sul, declarou que: ?Deus não podia deixar impunes tantas barbaridades e imoralidades praticadas pelos gozadores da vida durante o último Carnaval. [...]. Os homens devem se convencer de que há um Deus e que a sua lei não pode ser impunemente violada? (Valduga, 2007, p. 178). A contrariedade de Marcelino Prates em relação a bailes e festas mostra-se alinhada ao ponto de vista de muitos religiosos da época, como o baile realizado em Alfredo Chaves no carnaval de 1920, que foi comparado ao inferno na terra. Aos olhos dos sacerdotes, era preciso dar um basta. Assim, ?para não deixar tranquilo o furioso lobo no seu rebanho, [o padre] levantou energicamente, mas com toda a prudência, sua voz contra estes abusos e desordens? 16 , de modo que, durante o transcorrer das missas, começou a manifestar sua preocupação com a possível falta de responsabilidade das famílias, afirmando não compreender como um pai e uma mãe ?[...] podem dormir sonhos tranquilos enquanto os filhos, as filhas, estão caminhando alegremente pelas ruas ou dançando nos braços de uma máscara!? 17 . Os desassossegos pareciam se ampliar: 16 Paróquia São Luiz Gonzaga. Livro Tombo,1920, p. 49. 17 Paróquia São Luiz Gonzaga. Livro Tombo,1920, p. 49. Carnavalistas [haviam] incluído na Comissão do carnaval as autoridades, (intendente, juiz de Comarca, etc...) e quase todos os pozzi grossi da nossa sociedade. Os maus, chefiados por um Bocca nera, Câmara Rezende, etc... Ameaçaram acusar o pobre do Vigário às autoridades superiores; pois diziam eles gozarem da maior estima na Cúria! 18 Ao analisar algumas situações semelhantes, o padre Genésio Bonfada (1991, p. 74) considerou que, naquela época, grande parte do ?clero italiano sustentava uma linha severa e puritana com referência ao divertimento social, especialmente o baile, que era taxado de ?sepulcro do pudor?, ?caverna do diabo?, ?fogueira de obscenidades?, e até de ?celebração demoníaca?. A dinâmica de festividades potencializava algumas tensões também contra a Società Italiana Principe di Piemonte, responsável pelos bailes mais representativos e pelas sessões de cinema condenadas pelos religiosos. Segundo Busatta e Stawinski (1979, p. 45), a direção de tal sociedade seria abertamente contrária às normas da Igreja Católica, por promoverem: [...] sessões facciosas e bailes provocantes, chegando ao de- satino de organizar uma reunião dançante em praça pública. Como era de se esperar, o vigário não podia deixar de mani- festar seu desdém por tal aberração. Os promotores, porém, dessa diversão escandalosa, levados pelo pérfido propósito de melindrar o vigário, tiveram a desfaçatez de reprisar a ba- gunçada, na certeza de levar de vencida a atitude do vigário. Mas, longe de se indispor, o calmo e prudente vigário ganhou a batalha com silêncio e oração. 18 Paróquia São Luiz Gonzaga. Livro Tombo,1920, p. 49. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 225 É interessante perceber que tal período seria também marcado pelo fim da Gripe Espanhola (1918- 1920), uma pandemia responsável por ceifar milhões de vidas em todo o planeta, não sendo diferente no Rio Grande do Sul. Desse modo, as diversas festas ocorridas naqueles anos transformaram-se em uma espécie de comemoração obrigatória, desenvolvida com a intenção de valorizar a própria sobrevivência. Contudo, ao contrário do que afirmam Busatta e Stawinski (1979), as tensões não arrefecem totalmente, embora tenham ocorrido alguns pequenos movimentos que preconizavam uma sociabilidade mais positiva, ainda que oscilante, entre os envolvidos, em especial a partir do início da década de 1930, quando se dá a chegada de um religioso que havia iniciado sua vida pastoral como ?capelão militar, atuando na coluna Nordeste, na Revolução de Getúlio Vargas? (Capuchinhos-RS, [2024?]). Tratava-se de Frei Afonso Lazzaretti, também conhecido como Affonso de Caxias, que passou a observar as belezas da localidade, destacando-a como um lugar ?alto, montanhoso, cortado por rios por todos os lados, águas boas, clima esplêndido no verão, rigoroso porém no inverno. A vila de ruas largas e prédios bonitos? 19 . Saul Irineu Farina, amigo de Afonso Lazzaretti e destacado pelos religiosos como um ?digno 19 Paróquia São Luiz Gonzaga. Livro Tombo,1934, p. 1. prefeito, bom católico e bom brasileiro? 20 , manifestava um pensamento similar, declarando que Alfredo Chaves progredia ?a olhos vistos, [...] dia a dia embelezando-se de novas edificações que pontuam aqui e ali, ora subindo a encosta de uma colina, ora estendendo-se numa curva de rua para surgir mais longe, dominando todos os quadrantes da nossa pitoresca urbe?. Além disso, ele destacava que as edificações ali existentes, gradualmente, perdiam o ?antiquado aspecto colonial, para se mostrarem em elegantes bungalows, dignas de figurarem em qualquer dos bairros mais elegantes da metrópole gaúcha? 21 . Veranópolis, uma terra de veraneio A década de 1940 ficaria marcada pela necessidade de se alterar o nome da cidade, devido à existência de uma localidade homônima na Região Sudeste do Brasil. Rogério Galeazzi, prefeito entre 1938 e 1945, decretou que o 20 Paróquia São Luiz Gonzaga. Livro Tombo, 1934, p. 2. Como destaca o padre Paulo Augusto Farina, filho de Saul Irineu Farina, o fato de tal cidade ser pequena ?proporcionou a todos um contato mais próximo com a religião?, de modo que, praticamente ?todas as famílias participavam ativamente das atividades paroquiais. Sua mãe era muito devota e seu pai, por ter sido prefeito entre os anos de 1930 a 1938, mantinha contato e amizade com os sacerdotes, bispos e seminaristas, levando as crianças a terem esse contato também?. 21 Prefeitura Municipal de Alfredo Chaves. Relatório referente ao exercício de 1936 do Prefeito municipal Saul Irineu Farina. Alfredo Chaves: Liv. e Tip. Pessato, 1937. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 226 | município passaria a se chamar Tapir, que significa anta na língua indígena tupi-guarani. Encaminhada a informação ao Conselho Nacional de Geografia, a ideia não soou interessante para alguns importantes setores da cidade que, incomodados com a indiferença do mandatário, uniram-se à Associação Comercial e Industrial, iniciando uma vigorosa campanha contra o decreto. O prefeito, por sua vez, ironizando-os, afirmou que era ?interessante e útil a intervenção da Associação Comercial, no caso, embora um pouco tardiamente? (Farina, 1992, p. 151). A busca por um novo nome mostrava-se uma necessidade, e Mansueto Dal Pai seria o responsável por apresentar a sugestão mais relevante: Cidade Veraneio ou, simplesmente, Veranópolis. Essa ideia foi prontamente aceita e apoiada pela Associação Comercial por se tratar de um nome: ?muito mais significativo, tendo em vista a ótima situação climática e especial para o veraneio, bem como o fato de não existir no País nome semelhante que possa dar origem a confusão? (Farina, 1992, p. 153). Criado o consenso, dá-se início a uma ampla movimentação política que irá se sobrepor aos desejos do prefeito, fazendo com que a indígena Tapir se transforme na Cidade Veraneio. Tal sugestão foi encaminhada a Mansueto Bernardi, então residente em Porto Alegre. Intelectual e político influente, Bernardi imediatamente interveio junto ao Conselho Regional de Geografia [...]. E para exercer maior pressão, a Associação Comercial e Industrial enviou telegramas para Ernesto Dornelles, Interventor do Estado, ao Dr. Alberto Pasqualini, então Secretário do Interior, e do Comandante da 3ª Região Militar (Farina, 1992, p. 153). Em Porto Alegre, o jornal Diário de Notícias destacava: ?Alfredo Chaves, cidade que todos pensavam mudar para Tapir, terá, de hoje em diante, a denominação expressiva de Veranópolis, conforme sugestão apresentada pelas classes mais representativas do município? 22 . A percepção da cidade como local de veraneio seria intensificada na década de 1950. Afinal, como enfatizava Saul Irineu Farina, em sua segunda gestão administrativa, em 1958: Não poderíamos deixar de nos valer dos bem apropriados aspectos de que nossa comuna goza para explorar semelhante atividade industrial. Contamos com um invejável clima e com uma situação topográfica admiravelmente privilegiada. Diante de tais possibilidades, o mandatário ressaltou o sentimento de espanto e admiração dos viajantes que se dirigiam a Veranópolis: Quem, viajando em ônibus de passageiros, não reparou o pasmo de que são tomados os estranhos ao percorrer as encostas sinuosas de nossos vales e quantas exclamações são ouvidas então! 23 . 22 Diário de Notícias, 18 nov. 1943. 23 Prefeitura Municipal de Veranópolis. Relatório referente ao exercício de 1956 do Prefeito municipal Saul Irineu Farina. Porto Alegre, 1957. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 227 Vista da região central de Veranópolis, 1949 (Foto Bridi, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 228 | Vale do Rio das Antas, Veranópolis, década de 1960 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 229 Para Saul Irineu Farina, o turismo seria uma atividade muito importante para o município, devendo-se estudar a viabilidade de se construir um ?Hotel Modelar, um hotel construído com todos os requisitos para o fim a que se destina, tendo em seus arredores amplo parque no qual o veranista encontrará uma distração, seja praticando os mais variados esportes, seja entretendo-se em contemplar a prodigiosa natureza?. Afinal, o município seria detentor de ?visões panorâmicas surpreendentes?, em que se destacavam as ?furnas naturais, quedas d'água, além das engenhosas obras de arte como a ponte sobre o Rio das Antas, os túneis e os viadutos que constituem atrativos sem par para os visitantes?. Além desses atrativos, Farina reafirmava sua ambição de fomentar a atividade turística no município, destacando que os ?embelezamentos que procedemos na cidade, foram o primeiro passo para a concretização de nosso ideal? 24 . Portanto, quase quarenta anos após os embates entre sacerdotes, governistas, moradores e visitantes, o turismo local passou a ser percebido como uma ampla possibilidade para o desenvolvimento local. A administração de Saul Irineu Farina ficou marcada na memória local pelas flores e árvores cultivadas com apreço em praças, canteiros e jardins, demonstrando uma preocupação com a paisagem urbana e a própria zeladoria do município. Assim, atento à manutenção e à preservação dos espaços públicos, ganharam destaque internacional os dois ?artísticos arcos de cimento armado [...] erigidos às entradas sul e norte da cidade [...] revestidos completamente de cristais de rocha e das mais variadas pedras semi-preciosas e multicores, todas extraídas do subsolo Veranense?, com as inscrições: ?Seja bem-vindo, amigo? e ?Feliz viagem, amigo? 25 . 24 Prefeitura Municipal de Veranópolis. Relatório referente ao exercício de 1956 do Prefeito municipal Saul Irineu Farina. Porto Alegre, 1957. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. 25 Prefeitura Municipal de Veranópolis. Relatório referente ao exercício de 1956 do Prefeito municipal Saul Irineu Farina. Porto Alegre, 1957. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 230 | Construção do Arco Norte, Veranópolis, 1956 (Foto Parise, acervo do Mumver) Arco Norte, Veranópolis, 1957 aprox. (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 231 A imponência das construções chamou a atenção do geólogo Dr. José M. Fuster, professor do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid e membro do Conselho Superior de Investigações Científicas da Espanha. Durante sua visita a Veranópolis, ele manifestou seu espanto, declarando que somente em algumas poucas cidades do mundo alguém pode ?encontrar-se tão agradavelmente surpreendido como em Veranópolis?, uma cidade onde, ao chegar, o viajante, [...] ao ver seus majestosos arcos de Boas Vindas, pensa que che- ga à cidade em suas festas anuais então sai de seu assombro quando comprova que são arcos sólidos e perenes que lhe con- vidam a passar mais devagar por esta agradável cidade, qualquer que seja o dia 26 . Além disso, o estudioso ponderou que, se o ?viajante leigo se detém para admirar a originalidade e beleza das entradas da cidade, o entendido em Ciências da Natureza não encontra palavras para descrevê-los?. Para ele, os arcos de acesso e saída de Veranópolis seriam ?verdadeiros museus geológicos do que pode estar orgulhoso o povo de Veranópolis?. Ali, ao ar livre e à espera do olhar atento, estão expostos: [...] ágatas, calcedônias, quartzos, ametistas, zeólitas, e tantas outras variedades de minerais encontrados no subsolo do Município [...] em exemplares de tal perfeição e de tal beleza, que seriam invejados pelos mais célebres museus de ciências naturais de todo o mundo. 26 Prefeitura Municipal de Veranópolis. Relatório referente ao exercício de 1956 do Prefeito municipal Saul Irineu Farina. Porto Alegre, 1957. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. Por fim, o geólogo destacou o zelo apresentado por Saul Irineu Farina: 27 [...] [pelas] coisas de sua cidade e uma intuição extraordinária para conservar aquilo que nos brinda a natureza e que tantas vezes é desprezado. Eu, me permito a felicitar o atual prefeito [...] por ter levado a cabo uma obra tão fora do comum [...]. Eu não duvido que isto será motivo para que o nome de Veranópolis seja conhecido em todo o mundo, como um centro famoso pela beleza de seus minerais. Da gestão de Saul Irineu Farina entre 1956 e 1959, é importante ressaltar a criação do Conselho Municipal de Turismo, através da Lei n. 436, de 10 de junho de 1958, com a função de ser um órgão auxiliar da administração. Além de membros do poder público, o conselho delegava participação à sociedade civil organizada, como a Associação Comercial e Industrial, a Associação Rural, a Sociedade Alfredochavense, o CTG Rincão da Roça Reiuna e o Aeroclube de Veranópolis. Também faziam parte do conselho ?três estudiosos dos problemas atinentes ao Turismo, de livre nomeação do Prefeito Municipal? 28 . 27 Prefeitura Municipal de Veranópolis. Relatório referente ao exercício de 1956 do Prefeito municipal Saul Irineu Farina. Porto Alegre, 1957. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. 28 Lei n. 436, de 10 de junho 1958. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 232 | De Princesa dos Vales à Terra da Longevidade Veranópolis recebeu na década de 1960 a alcunha de ?Princesa dos Vales?, conferida pelo escritor gaúcho Manoelito de Ornellas durante uma conferência realizada na sede da Sociedade Alfredochavense, em abril de 1963 29 . Em periódicos do período, de circulação regional e estadual, a expressão passa a ser encontrada com frequência, muitas vezes ligada a matérias de divulgação do turismo na região, um setor que passou a ganhar maior atenção. Outro título que a cidade passa a adotar a partir da década de 1970 é o de ?Berço Nacional Terra da Maçã?, devido à colheita do fruto que já se destacava na localidade de Lajeadinho. Durante os anos de 1960, essa região realizava festas para comemorar e divulgar a colheita. Com o tempo, além da Festa da Maçã, o setor agroindustrial passou a integrar feiras que também destacavam a diversidade da produção local. As décadas seguintes marcaram o início de grandes festas e festivais, como o Festival do Whisky e a Femaçã, que inicialmente ocorria no distrito de Lajeadinho até se constituir como Festa Municipal em 1971, Festa Estadual em 1973 e Festa Nacional em 1976, com a presença do Presidente da República, Ernesto Geisel, e do Governador do estado, Sinval Guazzelli. Foi nessa mesma época que Elias Ruas Amantino, ?uma das pessoas mais influentes e conhecidas de Veranópolis? (Júnior, 2011), refletiu sobre a importância de se valorizar continuamente a imagem da cidade. Ao encaminhar um cartão postal para Valdir Tedesco com votos de boas festas, Amantino destacou: ?O postal contém uma vista 29 Jornal Correio Riograndense, 24 abr. 1963. de nossa cidade tal qual recebemos de nossos pais, cabe a nós através de um trabalho perseverante entregar aos nossos filhos, se possível, ainda mais linda. Trabalhemos para que isso aconteça. Esta é nossa mensagem de Natal? 30 . Nesse período, as relações público-privadas de gestão do turismo ganharam impulso através da reativação do Conselho Municipal de Turismo, durante a gestão do prefeito Nadyr Peruffo (1969-1972). O órgão teve importante atuação nas atividades do setor, como, por exemplo, na execução da Festa Municipal da Maçã de 1971; na participação no Congresso Estadual de Turismo em 1971, realizado na cidade de Passo Fundo; na criação de estratégias de divulgação do município junto aos variados veículos de imprensa da capital; na participação na campanha ?CONSTRUAMOS UM HOTEL EM VERANÓPOLIS?; no estudo de potencialidades do Belvedere de Monte Bérico, atual Belvedere do Espigão; e no projeto de embelezamento do Balneário Retiro 31 . Quanto ao balneário do Arroio Retiro, há registros de sua utilização por banhistas desde a década de 1940. Contudo, foi nas décadas de 1970 e 1980 que o espaço se popularizou e passou a receber investimentos em infraestrutura por parte do poder público municipal, sobretudo nas administrações de Nadyr Peruffo e Elias Ruas Amantino. O local ficou marcado na memória local como espaço público voltado para o lazer familiar e pelo atendimento prestado pela família de Jaques Bissani e Neiva Pessin, proprietários de um restaurante e bar que servia aos banhistas. 30 Correspondência Elias Ruas Amantino a Valdir Tedesco, 1970. Coleção Elígio Parise, Acervo do Mumver. 31 Prefeitura Municipal de Veranópolis. Relatório da Administração (1969- 1972). Veranópolis, 1972. Arquivo Público Municipal de Veranópolis. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 233 Balneário Retiro, Veranópolis, década de 1970 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 234 | Vista do Vale do Rio da Antas, atual Belvedere do Espigão, Veranópolis, jan. 1974 (Foto Parise, acervo do Mumver) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 235 236 | Hotel Princesa dos Vales, Veranópolis, década de 1980 (Foto Parise, acervo do Mumver) A década de 1970 marcou o surgimento dos dois principais hotéis da infraestrutura turística de Veranópolis até o tempo pre - sente: o Hotel Princesa dos Vales e o Verona Parque Hotel. Sobre a criação do primeiro, Alaide Gomes Rodrigues (2024) recorda: O tio Demétrio de Lacerda havia comprado Hotel Zanchetta [...]. Tinha muita procura e na época tinha só o da frente e o tio Demétrio construiu, porque foi o tio Demétrio que construiu o Princesa dos Vales, na época se ocupava os dois hotéis, tinha muito movimento. Tinha na época aquele pessoal do SESC, que vinham aquelas excursões todos anos, então sempre foi muito, muito movimentado. [...]. Na época, tinha a Boito [E.R. Amantino & Cia. Ltda.], e tava começando a Microvera, vinha muita gente de fora e ficava todo mundo hospedado, os engenheiros, esse pessoal trabalhava. E os viajantes, como a gente dizia na época, vinha viajante da Souza Cruz, eu me lembro daqueles caminhões... então era assim, sempre o hotel tinha movimento. Toda a família de Alaide se dedicou às funções cotidianas do hotel. Demétrio de Lacerda atuava como gerente, sua tia Ana Sfreddo era responsável pela boate e lancheria, enquanto seus pais, Manuel Gomes e Hilda Lacerda Gomes, cuidavam da recepção e da cozinha, respectivamente. Posteriormente, o empreendimento foi vendido para o Grupo Siviero. | 237 Verona Parque Hotel, Veranópolis, 1975 (autoria não identificada, acervo privado de Helena Farina Casarin) Conforme aponta Helena Farina Casarin (2024), o Verona Parque Hotel surgiu como uma proposta diferenciada de hotel, a partir da iniciativa de quatro médicos e suas esposas: Mário e Helena Casarin; Eduardo e Nair Reginato; Olímpio e Elza Giugno; e João Davi e Marilza Reschke. O projeto e a construção do hotel foram tão significativos para o turismo da microrregião que sua inauguração contou com a presença do governador do estado, Sinval Guazzelli. Com a saída dos casais Reginato e Giugno, a gestão do empreendimento foi assumida por Helena Farina Casarin e Marilza Ribeiro Reschke, que permaneceram na função por quarenta e cinco anos. O projeto seguia uma perspectiva de estrutura, qualidade e organização que remete às reflexões propositivas de Saul Irineu Farina, afinal, edificado em um: [...] cenário tipicamente europeu, o Verona Parque Hotel oferece a seus hóspedes um ambiente de requinte e conforto perfeitamente integrado à natureza, em meio a um parque de pinheiros e árvores nativas, revelando a beleza única e incomparável da serra gaúcha. O Verona Parque Hotel possui 2700 m² de área. As 11 cabanas que abrigam 22 apartamentos independentes no total, estão distribuídas ao longo de todo o parque. No estacionamento interno, estão disponíveis 50 vagas para os hóspedes. Na sede central servimos o café da manhã diariamente com vista para o jardim. Também há os espaços para lazer, como a sala de estar com lareira e dois terraços. A vegetação é integrada ao hotel em perfeita harmonia. Oferecemos área com piscina e banho de sol durante o verão. Aproveite o calor e a vista maravilhosa! Para as crianças se divertirem, temos o parquinho coberto pela sombra das árvores, que rende muita diversão para toda a família (Verona Parque Hotel, [2024?]). Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 238 | Nesse contexto, o turismo em Veranópolis já parecia dialogar de modo consolidado com algumas proposições turísticas europeias, entre elas a prática da vilegiatura, que se trata de repousos ou férias passados em campos, praias ou balneários. A ideia de uma cidade de veraneio parece ter se antecipado a essa proposta, embora tenha optado por aparentemente se distanciar de relações mais intensas entre os espaços culturais e naturais. A partir de 1981, além de suas belezas naturais, a cidade passou a chamar atenção por outra razão: uma matéria publicada na Revista Geográfica Universal classificou Veranópolis como um dos ?Celeiros de Longa Vida pelo Mundo?, devido ao expressivo número de 17% da população residente no município ser constituída de idosos, enquanto a média nacional era de apenas 3%. Na década seguinte, em 1994, iniciaram-se pesquisas científicas voltadas à compreensão desse índice, com estudos epidemiológicos sobre o envelhecimento, financiados pela Organização Mundial da Saúde (Instituto Moriguchi, c2024). A alcunha de Terra da Longevidade ganhou ainda mais força a partir de meados da década de 1990, o que, além de impulsionar o turismo, com a Rota Termas e Longevidade como principal indicativo, levou à criação de políticas públicas específicas para a faixa etária 60+ da população. Isso se concretizou em inúmeras políticas públicas e parcerias público-privadas, entre as quais se destacam: a criação do Grupo de Convivência da Longevidade; convênios com instituições de ensino e pesquisa para estudos sobre envelhecimento e qualidade de vida; adaptações no Plano Diretor do Município; a criação do Conselho Municipal do Idoso e do Fundo Municipal do Idoso; os constantes investimentos de melhorias e ampliações da Casa Lar São Francisco; a idealização e criação do Centro de Convivência Ivo Zanella, voltado ao convívio entre todas as idades; a realização de eventos como a 1ª Mostra Longevidade e Bem-Estar; e, mais recentemente, a criação do Instituto Moriguchi. Os pesquisadores e geriatras Emilio Moriguchi e Elizabete Michelon, com apoio da Prefeitura Municipal de Veranópolis, iniciaram em 1994 o Projeto Veranópolis, destinado à investigação dos fatores que destacavam o município na questão da longevidade. As atividades tomaram tamanhas proporções que o projeto foi transformado em Instituto Moriguchi (c2024): Um centro de estudos e aplicações práticas voltados ao pro- cesso de envelhecimento, buscando compreender e promo- ver a qualidade de vida e plenitude ao longo de todos os está- gios de desenvolvimento do ser humano. Nesse contexto, o instituto ?coloca-se neste cenário como um dos principais atores neste movimento, proporcionando conhecimento, fomentando hábitos e promovendo saúde a comunidade, seja ela local ou não, científica ou não, especializada ou não, interessada ou não?. As diretoras do instituto, Berenice Werle e Neide Bruscato, que compartilham a função com os médicos Emilio Moriguchi e João Senger, destacam a relação entre Turismo e Longevidade e, por consequência, a visibilidade do município: Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 239 Veranópolis foi a primeira cidade que começou a pesquisa sobre o envelhecimento, são trinta anos [...]. A gente construiu essa identidade. Aqui eu sinto que a gente é a base pra muitas pesquisas de fora, aqui começou, depois começou lá em Minas Gerais. A Cidade Amiga do Idoso, a gente começou aqui e aí foi pra várias cidades. Paraná veio pra cá pra conhecer, São Paulo também, então a gente é uma base muito boa. A gente não é mais a cidade com maior expectativa de vida, mas ela construiu uma base de estudos de envelhecimento. E daquela época ficou, Terra da Longevidade, na verdade eu acho que a gente tem bons hábitos ainda, pessoas que moram no interior ainda, as feiras ecológicas e gente trabalha essa questão, faz palestras, seminários. Os fatores da Longevidade, é a espiritualidade, a alimentação equilibrada, a convivência na família... O pessoal vem buscar isso. Então a gente construiu um caminho, são trinta anos. Por que a UFRGS vem pra cá? Por que São Paulo, a InCor 32 vem pra cá fazer pesquisa? [...]. Então a gente é uma base de exemplo. Mas o que eles querem saber é o que leva à longevidade, por que que é Terra da Longevidade? Porque a gente tem um trabalho de pesquisa de trinta anos que mostra o que leva à uma longevidade com qualidade de vida (Bruscato, 2024). Veranópolis ficou conhecida nacionalmente e internacio- nalmente, graças ao Projeto Veranópolis, graças a esse pro- jeto de pesquisa que começou a analisar envelhecimento aqui. Então eu acho que a importância pra cidade é inomi- nável, em termos de retorno que trouxe, de conhecimento, de investimento, de turismo inclusive. [...]. Imagina o que seria hoje de Veranópolis sem esse título de Terra da Longe- vidade, onde é que Veranópolis ?estaria no mapa? se não fos- se tudo que surgiu a partir daí. Tem Femaçã, tem várias coi- sas que acontecem, que envolvem outros setores e são super importantes [...], mas não sei se isso teria, sozinho, conseguido dar essa visibilidade e essa expansão, esse conhecimento do Brasil e do mundo de quem é Veranópolis no mapa (Werle, 2024). 32 Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A relação entre o turismo e a longevidade é abordada por Antonio Henrique Chiaradia (2024) 33 , que há trinta anos atua como guia turístico na Serra Gaúcha. Ele traz alguns apontamentos sobre a união desses fatores, recordando dos primeiros passos da regionalização do setor: As prefeituras todas tinham esse cuidado com as cidades [...], naquela época não tinha essa cooperação que hoje nós temos em termos de associação [Atuaserra], de roteiro [Termas e Longevidade], era cada um por si e cada um queria fazer o melhor, porque achava que iria atrair o maior número de pessoas. Essa questão de roteiros foi surgindo depois, finalzinho da década de noventa, quando se pensa em criar roteiros turísticos, embora a Atuaserra já existisse, cada um ainda trabalhava individualmente. E aí com o passar dos anos foi mudando essa visão, foi sendo buscado unir os municípios em torno de roteiros, no qual Veranópolis acabou entrando nesse roteiro turístico, que eu ainda me lembro lá no final de noventa, quase início de 2000 [...], foi uma reunião na Casa da Cultura pra definir o nome desse roteiro que unia os municípios, daí que surgiu o Termas e Longevidade, que era justamente pra unir as águas termais, que estavam começando na nossa região, e a longevidade, por Veranópolis ter esse título de Terra da Longevidade. Em sua diversidade de setores, o turismo também abre espaço para a economia criativa e de preservação dos saberes tradicionais presentes no município, refletindo no complemento da renda de muitas famílias, sobretudo de mulheres dedicadas ao artesanato. O projeto de pesquisa contemplou as atividades desenvolvidas por quatro artesãs, membras da Associação dos Artesãos de Veranópolis (Arteve): Mirian Mazzarollo Zardo, que trabalha com macramê e dressa; Neiva Frare Bassani, que trabalha 33 Foi secretário da pasta do Turismo em dois momentos, 2001-2004 e 2015-2017. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 240 | com tear e tricô; Santina Abech Mossi, que trabalha com dressa e crochê; e Terezinha Reche Moro, que trabalha com a trança da palha de milho. Na maioria dos casos, essas mulheres aprenderam as técnicas com suas mães e avós. A partir dos cotidianos familiares, surgem as necessidades do artesanato voltado à vida: Eu aprendi com a minha mãe desde criança, de seis, sete aninhos a gente já fazia era um trabalhinho que era tudo em nó, [...]. A gente começou por essa pecinha aqui [descanso de panela], mas a gente fazia bem grande que daí servia como tapete. E daí a gente tingia as palhas, mas no começo era só natural assim [...]. Era produzido em casa, a gente cuidava, deixava o milho amadurecer bem na época da colheita e a gente colhia o milho levava num paiol e então a gente selecionava escolhia aquelas mais bonitas e deixava embalado, guardava em sacos, assim... E daí o pai, meu falecido pai sempre pendurava, tinha um lugar no porão, daí ficava fresquinho e também não podia entrar bichinhos. E depois eu aprendi o processo do enxofre que a gente passava o enxofre, aí a palha ficava branquinha e daí nenhum bichinho mais atacava, entrava nas palhas (Moro, 2023). O crochê eu aprendi com a minha tia desde os nove, dez anos. E a dressa, com essa idade, com a minha mãe. Na colônia naquele tempo não tinha outra coisa, então a gente fazia, [...] com dez, doze anos eu já tinha uma máquina manual de costura e eu já costurava, fazia as costuras retas, depois com o tempo eu aprendi a costurar. Naquela época as mães faziam os crochês, os acabamentos, porque as roupas de criança... Era tudo feito em casa, não tinha o que comprar, então elas faziam os acabamentos nas golinhas, nas mangas, faziam um enfeitezinho (Mossi, 2023). O macramê antigamente, quando eu aprendi não tinha as linhas que temos hoje, então a gente fazia naquelas bolsas, naqueles sacos de açúcar, de farinha que vinham antigamente, com a linha que descosturava o saco, a gente confeccionava o macramê (Zardo, 2023). Eu me achei ali [na tecelagem], porque é uma mistura de fios, é uma mistura de texturas, dá pra criar muita coisa, eu acho que ele é muito... dá pra criar, a criatividade faz parte da vida da gente, a gente precisa disso. [...]. Eu acho importante o artesanato do tear e do tricô porque tu veste pessoas, então acho que é diferente (Bassani, 2024). A Arteve possui inúmeros associados que trabalham com as mais variadas formas de artesanato, como trança em vime, tanoaria, escultura, patchwork, pintura e produtos oriundos de agroindústrias. Conforme Terezinha Moro (2023), a entidade conta com o apoio do poder público local, através da cessão da Casa Saretta como espaço de visibilidade e comercialização de seus produtos. Além disso, outros órgãos também auxiliam ou já auxiliaram, como a Emater, sindicatos de trabalhadores rurais da microrregião e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS). Se a cada ?novo momento, as relações das pessoas com o espaço e o tempo mudam, bem como o perfil das famílias, as escolhas de lazer e as viagens, ou o tipo de trabalho exercido? (Gastal, 2005, p. 15), hoje Veranópolis se mostra atenta e propositiva em relação às suas perspectivas de futuro. Ao entrelaçar turismo, cidade e natureza com a valorização dos idosos, de suas vidas e dos complexos fatores que lhes permitem alcançar a longevidade em Veranópolis, a localidade se valoriza social e turisticamente como um todo. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 241 Segundo Adriana Tavares (2002, p. 17), a atratividade turística passa [...] pelo reconhecimento e pela importância atribuídos a esses elementos na localidade onde estão inseridos. A valorização sociocultural que o atrativo possui ou recebe é imprescindível para mostrar sua relevância no panorama turístico do local?. Logo, ser chancelada como uma cidade amiga do idoso por uma entidade internacional do porte da Organização Mundial da Saúde acarreta um vigoroso capital simbólico, que pode vir a dialogar com múltiplas possibilidades locais e regionais. Exemplar do artesanato comercializado junto à Casa Saretta: sporta produzida através da trança da palha do milho, Veranópolis, 2022 (autoria de William Sigognini, acervo da Atuaserra) É precisamente nesse contexto que a percepção do turismo como uma atividade do ?e? e não do ?é? se torna ainda mais significativa. Afinal, ?muitas cidades se transformarão em destinos turísticos importantes e passarão a disputar visitantes, num mercado cada vez mais competitivo e profissionalizado? (Gastal, 2005, p. 20). Por fim, como destaca Ecléa Bosi (2003, p. 199), a ?memória dos velhos desdobra e alarga de tal maneira os horizontes da cultura que faz crescer junto com ela o pesquisador e a sociedade em que se insere?. Em Veranópolis, essa perspectiva não se mostra distanciada de seu campo turístico atual. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 242 | Casa Saretta: atual sede da Arteve e do Centro de Atenção ao Turista, Veranópolis, 2022 (autoria de William Sigognini, acervo da Atuaserra) Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 243 Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 245 Entrevistas realizadas no Projeto Veranópolis 125 anos de História Nesta seção, apresentamos uma lista das entrevistas realizadas no âmbito do Projeto Veranópolis 125 anos de História, em ordem cronológica. Cada nome é acompanhado de uma breve descrição que justifica a seleção dos entrevistados, ressaltando sua importância e contribuição para a história e a cultura de Veranópolis. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 247 Terezinha Reche Moro, professora aposentada e artesã. Entrevista realizada em 19 de dezembro de 2023. Santina Abech Mossi, artesã, neta de imigrantes sírios. Entrevista realizada em 19 de dezembro de 2023. Magna Terezinha Lima Neves, artesã e professora de artesanato, migrante oriunda de Alegrete, RS. Entrevista realizada em 19 de dezembro de 2023. Neiva Frare Bassani, artesã. Entrevista realizada em 19 de dezembro de 2023. Mirian Mazzarollo Zardo, artesã. Entrevista realizada em 19 de dezembro de 2023. Dirceu Tedesco, empresário e sócio-fundador da MGA Válvulas Industriais. Entrevista realizada em 17 de janeiro de 2024. Luciano Sergio Borsato, empresário e diretor da Union Distillery. Entrevista realizada em 17 de janeiro de 2024. Manoela Baldissera Amantino, liderança feminina na indústria e diretora financeira do Grupo E. R. Amantino. Entrevista realizada em 17 de janeiro de 2024. Manoel Dall?Agnol Ruas Amantino, diretor do Grupo E. R. Amantino. Entrevista realizada em 17 de janeiro de 2024. Luis Carlos Parise, empresário e diretor da Ipacol Máquinas Agrícolas. Entrevista realizada em 17 de janeiro de 2024. Marildo Parise, empresário e diretor da Ipacol Máquinas Agrícolas. Entrevista realizada em 17 de janeiro de 2024. Jane Dal Pai Giugno, professora aposentada. Entrevista realizada em 22 de janeiro de 2024. Natalina Carrillo Valduga, professora aposentada, filha de imigrantes espanhóis. Entrevista realizada em 22 de janeiro de 2024. Roseli Valduga Dal Pai, professora aposentada. Entrevista realizada em 22 de janeiro de 2024. Lourdes Favero Pessin, professora aposentada. Entrevista realizada em 22 de janeiro de 2024. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 248 | Denise Zanettini, professora aposentada. Entrevista realizada em 31 de janeiro de 2024. Moacir Durli, empresário e líder espírita local. Entrevista realizada em 1 de fevereiro de 2024. Fabiano Kaczalla, empresário, neto de imigrantes poloneses. Entrevista realizada em 1 de fevereiro de 2024. Ana Regina Reschke Dalla Coletta, professora e líder comunitária local, neta de imigrantes poloneses. Entrevista realizada em 1 de fevereiro de 2024. Clarita Pagnoncelli Gabrielli, professora aposentada e historiadora. Entrevista realizada em 2 de fevereiro de 2024. Mara Lourdes Garib Guzzo, vereadora, neta de imigrantes sírios. Entrevista realizada em 7 de fevereiro de 2024. Adriane Maria Parise, vereadora. Entrevista realizada em 7 de fevereiro de 2024. Maria de Lourdes Scopel Gregol, professora aposentada e vereadora. Entrevista realizada em 7 de fevereiro de 2024. Gioconda Dal Ponte, empresária e vereadora. Entrevista realizada em 15 de fevereiro de 2024. Elcio Siviero, empresário e ex-prefeito de Veranópolis. Entrevista realizada em 15 de fevereiro de 2024. Fernanda Ribeiro Garbinato, membra da Casa Branca da Cabocla de Iansã, migrante de Porto Alegre. Entrevista realizada em 20 de fevereiro de 2024. Eduardo Luiz Boff, neto de imigrantes húngaros judeus. Entrevista realizada em 20 de fevereiro de 2024. Ademir Guzzo, empresário e ex-proprietário da fábrica de bebidas Guzzo. Entrevista realizada em 21 de fevereiro de 2024. Alice Hoffmann Peruffo, ex-vereadora. Entrevista realizada em 21 de fevereiro de 2024. Amarildo Benetti, empresário e sócio-fundador da Global Microfusão. Entrevista realizada em 21 de fevereiro de 2024. Claudiomiro Kropowski, empresário e sócio-fundador da Global Microfusão. Entrevista realizada em 21 de fevereiro de 2024. Vitor Hugo Geremia, empresário e sócio-fundador da Global Microfusão. Entrevista realizada em 21 de fevereiro de 2024. Isabel Maria Simonato, professora aposentada e ex-vereadora. Entrevista realizada em 23 de fevereiro de 2024. Paula Naegele, pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil de Veranópolis. Entrevista realizada em 23 de fevereiro de 2024. Andre Aurelus, imigrante haitiano. Entrevista realizada em 24 de fevereiro de 2024. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 249 Abel Pierre, imigrante haitiano. Entrevista realizada em 24 de fevereiro de 2024. Fritz Ralph Desir, imigrante haitiano. Entrevista realizada em 28 de fevereiro de 2024. Lesly Saint Louis, imigrante haitiano. Entrevista realizada em 28 de fevereiro de 2024. Noelcie Exil, imigrante haitiana. Entrevista realizada em 2 de março de 2024. Gabriel Antoine, imigrante haitiano. Entrevista realizada em 2 de março de 2024. Gusmane Jacquet, imigrante haitiano. Entrevista realizada em 2 de março de 2024. Amin Ait Tahmidit, imigrante marroquino. Entrevista realizada em 4 de março de 2024. Gilberto dos Santos, pastor da Igreja Assembleia de Deus de Veranópolis. Entrevista realizada em 5 de março de 2024. Tiago Rauber Verruck, missionário da Igreja Assembleia de Deus de Veranópolis. Entrevista realizada em 5 de março de 2024. Antonio Henrique Chiaradia, guia de turismo e ex-secretário de turismo de Veranópolis. Entrevista realizada em 5 de março de 2024. Simone Cristina Ferrazzo, espírita e praticante de religiões afro-brasileiras. Entrevista realizada em 6 de março de 2024. José Livino Razera, ex-funcionário da Oleoplan S.A. Entrevista realizada em 6 de março de 2024. Teodoro Antonio Kesties, professor aposentado. Entrevista realizada em 6 de março de 2024. Leovaldo Hugo Rodrigues da Silva, líder espiritual da Casa de Pai Leo de Xangô, migrante oriundo de Lagoa Vermelha. Entrevista realizada em 6 de março de 2024. Lino Farenzena, funcionário aposentado do Grupo E. R. Amantino. Entrevista realizada em 7 de março de 2024. Airton Fagundes Dornelles, sargento aposentado da Brigada Militar e pastor da Igreja Assembleia de Deus de Veranópolis. Entrevista realizada em 12 de março de 2024. Elias Nalin Dornelles, pastor da Igreja Assembleia de Deus de Veranópolis. Entrevista realizada em 12 de março de 2024. Ubiracira Ferreira Kogan, cacique da Casa Branca da Cabocla de Iansã. Entrevista realizada em 12 de março de 2024. Alaide Gomes Rodrigues, espírita e umbandista. Entrevista realizada em 12 de março de 2024. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 250 | Helena Beilfuss Santana, primeira mulher a comandar a Brigada Militar de Veranópolis e Nova Prata, migrante oriunda de Vitória das Missões, RS. Entrevista realizada em 14 de março de 2024. José Galeazzi, ex-funcionário do curtume Galeazzi & Cia. Entrevista realizada em 19 de março de 2024. Carlos Martins Ferreira de Freitas, líder espiritual da Casa Axé Império da Noite, migrante oriundo de Encruzilhada do Sul, RS. Entrevista realizada em 21 de março de 2024. Thallia Gaieski, membra da Casa Axé Império da Noite. Entrevista realizada em 21 de março de 2024. Neide Bruscato, nutricionista e diretora do Instituto Moriguchi. Entrevista realizada em 22 de março de 2024. Berenice Werle, médica geriatra e diretora do Instituto Moriguchi. Entrevista realizada em 22 de março de 2024. Edilson Negreiros de Lemos, membro do Centro Espírita Cristão Maria de Nazaré, migrante oriundo de Porto Alegre, RS. Entrevista realizada em 25 de março de 2024. Marcia Porto, membra do Centro Espírita Cristão Maria de Nazaré, migrante oriunda de Candelária, RS. Entrevista realizada em 25 de março de 2024. Ismael Giaretta, membro do Centro Espírita Cristão Maria de Nazaré. Entrevista realizada em 25 de março de 2024. Jucelia Cenci Parise, ex-funcionária da São Paulo Alpargatas em Veranópolis. Entrevista realizada em 26 de março de 2024. Adrissil Campos Ferreira, migrante oriundo de Porto Seguro, BA. Entrevista realizada em 28 de março de 2024. Gizele Duda Grando, ex-funcionária da São Paulo Alpargatas em Veranópolis. Entrevista realizada em 28 de março de 2024. Beatriz Arreaza Sansobrino, imigrante venezuelana. Entrevista realizada em 30 de março de 2024. Keni Prieto Freite, imigrante venezuelano. Entrevista realizada em 30 de março de 2024. Daisy Herrera Diaz, imigrante colombiana. Entrevista realizada em 30 de março de 2024. Noeci Alves da Silva, liderança feminina junto às Pastorais da Criança e do Idoso. Entrevista realizada em 2 de abril de 2024. Roni Vieira de Barros, migrante oriundo de Lagoa Vermelha, RS. Entrevista realizada em 2 de abril de 2024. Yaima Ferrer Puentes, imigrante cubana. Entrevista realizada em 2 de abril de 2024. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 251 Elio Dal Ponte, ex-proprietário da fábrica Dal Ponte. Entrevista realizada em 5 de abril de 2024. Lidio Dal Ponte, ex-proprietário da fábrica Dal Ponte. Entrevista realizada em 5 de abril de 2024. Telma Kramer, diácona da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil em Veranópolis. Entrevista realizada em 11 de abril de 2024. Irineu Machado dos Santos, primeiro vereador negro de Veranópolis, migrante oriundo de Lagoa Vermelha, RS. Entrevista realizada em 11 de abril de 2024. Aline Kuster Soares, membra da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil em Veranópolis, migrante oriunda de São José das Missões, RS. Entrevista realizada em 12 de abril de 2024. Werno Kuster, membro da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil em Veranópolis, migrante oriundo de São José das Missões, RS. Entrevista realizada em 12 de abril de 2024. Norma Holz Kuster, membra da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil em Veranópolis, migrante oriunda de São José das Missões, RS. Entrevista realizada em 12 de abril de 2024. Mario Henrique Bauermann, membro da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil em Veranópolis, migrante oriundo de Feliz, RS. Entrevista realizada em 12 de abril de 2024. Neivo Farias de Godoi, ex-funcionário do curtume Galeazzi & Cia. e da São Paulo Alpargatas, migrante oriundo de Ibiraiaras, RS. Entrevista realizada em 16 de abril de 2024. Eliane da Luz Mendes, ex-funcionária da Kalil Sehbe S.A. e da São Paulo Alpargatas. Entrevista realizada em 18 de abril de 2024. Yamila Cao López, imigrante argentina. Entrevista realizada em 18 de abril de 2024. Amanda Azevedo Rigo, funcionária do Grupo Rometal. Entrevista realizada em 19 de abril de 2024. Francisca Mazzarolo Rigo, diretora financeira do Grupo Rometal. Entrevista realizada em 19 de abril de 2024. Lirio Soares, ex-prefeito de Veranópolis. Entrevista realizada em 22 de abril de 2024. Quenide Marcelino Damacena, migrante oriundo de Alegrete, RS. Entrevista realizada em 23 de abril de 2024. Jorge Ezequiel Paez, imigrante argentino. Entrevista realizada em 23 de abril de 2024. Suzana Gabrielli Spanhol, empreendedora e liderança feminina. Entrevista realizada em 23 de abril de 2024. Marcia Ferreira Condori, migrante oriunda de Alhandra, PB. Entrevista realizada em 23 de abril de 2024. Remardo José Beltrami, filho de um dos sócios-proprietários da fábrica Renner, Beltrami & Cia. Entrevista realizada em 23 de abril de 2024. Paulo César Alves de Moraes, filho do ex-deputado estadual Urbano Alves de Moraes. Entrevista realizada em 23 de abril de 2024. José Júlio Dal Pai de Mello, advogado, empresário e proprietário do Grupo J. Mello. Entrevista realizada em 23 de abril de 2024. Egídio Domeneghini, morador da Comunidade São Roque. Entrevista realizada em 25 de abril de 2024. Leonildo Menegon, morador da Comunidade Nossa Senhora da Paz. Entrevista realizada em 25 de abril de 2024. Lourdes Festa Menegon, moradora da Comunidade Nossa Senhora da Paz. Entrevista realizada em 25 de abril de 2024. Ludmila Hermanowyc, imigrante argentina. Entrevista realizada em 25 de abril de 2024. Matias Prokopow, imigrante argentino. Entrevista realizada em 25 de abril de 2024. Leonardo Zanette, membro da Casa de Pai Leo de Xangô. Entrevista realizada em 25 de abril de 2024. Natália França, membra da Casa de Pai Leo de Xangô. Entrevista realizada em 25 de abril de 2024. Maria Aparecida Cardoso Valna, migrante oriunda de Teresina, PI. Entrevista realizada em 13 de maio de 2024. João Guilherme Mazetto, liderança comunitária local. Entrevista realizada em 14 de maio de 2024. Everton Piovesan, pastor da Igreja Presbiteriana em Veranópolis. Entrevista realizada em 15 de maio de 2024. Helena Farina Casarin, empreendedora atuante no setor de turismo. Entrevista realizada em 11 de junho de 2024. Antônio Zatt, ex-funcionário da fábrica Marsul. Entrevista realizada em 13 de junho de 2024. Rubia Cenci Freitas, empresária e liderança feminina local. Entrevista realizada em 27 de junho de 2024. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 253 Referências Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura | 255 ALENCAR, Gedeon. Pentecostalismos . Religião e Poder, 18 maio 2022. Disponível em: https://religiaoepoder.org.br/artigo/pentecostalismos/. Acesso em: 23 jun. 2024. ALENCAR, Gedeon. Pentecostalismos no Brasil . 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Professor na área de conhecimento de Humanidades da UCS. Diretor do Instituto Memória Histórica e Cultural (IMHC). Membro da Diretoria (gestão 2021-2024) do Comitê Brasileiro para Conservação do Patrimônio Industrial (TICCIH-Brasil). Bernardo Luchini Bisatto ? Graduado em História pela UCS (2018). Especialista em História e Gestão de Acervos pela Universidade de Passo Fundo (2022) e em Preservação, Conservação e Restauro de Bens Culturais pela UCS (2022). Coordenador do Museu Municipal de Veranópolis (Mumver) entre 2021 e 2024, atuando na instituição desde 2016. Assessor de Patrimônio Cultural e Memória na Associação de Turismo da Serra Nordeste. Membro da Associação de Conservadores e Restauradores de Bens Culturais do Rio Grande do Sul (ACOR-RS). Coordenador de pesquisa do Projeto Veranópolis 125 anos de História. Veranópolis, 125 anos de história: tempo, território e cultura 266 | Eliana Gasparini Xerri ? Graduada em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal de Pelotas (1990). Mestra em História (1996) e doutora em Educação (2012) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professora e pesquisadora na graduação e na pós-graduação em História da UCS desde 1996. Atua nas linhas de pesquisa: Linguagens e Cultura no Ensino de História, História da Educação e História Política. Membra do Conselho Curador do Museu Municipal Domingos Battistel de Nova Prata, RS. Itamar Ferretto Comarú ? Graduado em História. Especialista em Educação Patrimonial pelo Instituto Pretos Novos (IPN/RJ). Mestre em Turismo e doutor em Educação pela UCS. Atualmente é mestrando em Museologia e Patrimônio na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Diretor de Museus e Memória da Secretaria da Cultura de Caxias do Sul. Membro do Conselho Internacional de Museus (ICOM). Realiza pesquisas relacionadas à história urbana, com ênfase em museus, práticas sociais de memória, cidades educadoras, patrimônio cultural e turismo cultural. Valéria Pedron ? Graduada em História (2021). Mestra em História pela Universidade de Passo Fundo (2023), com foco em História, Região e Fronteira. Cursa especialização em História e Gestão de Acervos e especialização em Cultura Material e Arqueologia na mesma instituição. Desde 2019, dedica suas pesquisas aos remanescentes indígenas e à História Pré-Colonial da Colônia Alfredo Chaves e da região nordeste do Rio Grande do Sul. Atualmente, é Secretária Municipal de Turismo, Cultura e Desporto em Vista Alegre do Prata, RS, além de assessora em história, patrimônio, memória, identidade e arqueologia pré-colonial na Associação de Turismo da Serra Nordeste (Atuaserra).